Os três Falcon 9 que, juntos, impulsionam o Falcon Heavy.| Foto: SPACEX/NYT

Em 16 de julho de 1969, um foguete Saturno 5 se encontrava na base 39A do Centro Espacial Kennedy da NASA, na Flórida. Às 9h32, os cinco enormes motores F1 de sua primeira fase foram ligados, produzindo uma chama laranja, uma fumaça escura e 3,5 milhões de quilos de empuxo para levar os três astronautas da Apollo 11 para o espaço. Buzz Aldrin e Neil Armstrong pisaram na Lua quatro dias depois.

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Hoje, nessa mesma base de lançamento, técnicos que trabalham para a SpaceX, empresa de foguetes de Elon Musk, estão se preparando para o voo inaugural do que, sob vários aspectos, é o foguete mais poderoso do mundo desde o Saturno 5. O Falcon Heavy será capaz de levar mais de 63 mil quilos para a órbita terrestre baixa, ou mais que o dobro de outros foguetes da atualidade.

A bordo do voo de demonstração, marcado para esta terça-feira (6), estará uma carga que promove outra empresa de Musk: um Roadster vermelho-cereja construído pela montadora de carros elétricos Tesla. O carro vai viajar ao redor do Sol em elipses intermináveis que se estendem até a órbita de Marte.

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“A carga será meu Tesla Roadster tocando ‘Space Oddity’. O destino é a órbita de Marte. Ficará no espaço por um bilhão de anos, caso não exploda na subida”, escreveu Musk no Twitter.

Em resposta à pergunta “Por quê?”, Musk respondeu no Twitter:

“Adoro a ideia de um carro flutuando eternamente pelo espaço, que talvez possa ser descoberto por uma raça alienígena daqui a milhões de anos.”

O Tesla Roadster dentro do Falcon Heavy. 

Alguns especialistas acham que o Falcon Heavy pode ser o caminho mais rápido e mais barato para a NASA enviar astronautas para a Lua. Para a SpaceX no curto prazo, o megafoguete pode ajudar a empresa a competir em novos mercados, como o lançamento de grandes satélites espiões para o governo dos EUA.

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Se for bem-sucedido, “dará continuidade à impressionante façanha da SpaceX de cumprir metas de lançamento vistas como muito difíceis”, disse Carissa Christensen, executiva-chefe da Bryce Space and Tecnology, empresa de consultoria que acompanha a indústria espacial.

Mas primeiro, o Falcon Heavy tem que sair do chão, o que se espera há muito tempo, muito mais do que o originalmente prometido por Musk.

Ciência complexa

A SpaceX lançou com sucesso 18 de seus foguetes Falcon 9 no ano passado, uma recuperação notável após um percalço na base de lançamento em setembro de 2016, que destruiu um foguete e o satélite de US$ 200 milhões que estava a bordo. Depois de anos sem cumprir previsões otimistas, a SpaceX parece estar em um fluxo consistente, e sem acidentes, de envio de cargas para o espaço.

Em 14 lançamentos, a empresa conseguiu trazer de volta os propulsores (foguete menor utilizado no lançamento para aumentar o impulso e a capacidade do foguete principal) que seriam reutilizados em voos futuros.

O Heavy, descrito pela SpaceX pela primeira vez em 2005, é essencialmente um Falcon 9 com dois outros Falcon 9 adicionais como propulsores, o que triplica a potência do foguete na decolagem.

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Essa abordagem permitiu o projeto de um foguete poderoso basicamente através da reorganização das mesmas peças.

“Por causa da semelhança entre o Falcon 9 e o Falcon Heavy, poderemos equilibrar a sobrecarga entre os dois veículos. Usaremos as mesmas ferramentas, a mesma linha de montagem, e assim diminuiremos significativamente a avaliação de custos do Falcon Heavy”, disse Musk em uma entrevista coletiva em 2011.

A SpaceX afirma que o valor do lançamento do Heavy é de US$ 90 milhões.

O projeto modular também reduziu os custos de desenvolvimento do foguete.

“É essencialmente a primeira vez que o país tem um veículo desses com custo zero para o contribuinte”, disse Phil Larson, reitor assistente da Faculdade de Engenharia da Universidade do Colorado, que já foi gerente de comunicações e projetos corporativos da SpaceX.

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]

Em 2011, Musk disse que esperava que o Heavy fizesse seu primeiro voo em 2014; agora, admite que sua montagem acabou sendo mais complicada do que pensou a princípio.

“Foi ingenuidade nossa. À primeira vista, parece muito fácil: basta anexar os dois primeiros estágios aos propulsores. Como pode ser difícil? Mas aí, tudo mudou, as cargas mudaram, a aerodinâmica mudou totalmente. A vibração e a acústica triplicaram”, disse Musk em julho em uma conferência em Washington.

O núcleo foi redesenhado e reforçado para lidar com esse estresse, um dos principais motivos pelo qual o Heavy está mais de três anos atrasado. Os dois propulsores laterais são reutilizados de lançamentos anteriores dos Falcon 9, mas o núcleo é completamente novo, assim como a segunda fase.

Outro aspecto complicado é o grande número de motores de foguete: O propulsor de um Falcon 9 tem nove motores Merlin da SpaceX, cada um gerando um empuxo de mais de 85 toneladas. O Heavy triplicou esse número com 27 motores e um total de mais de 2300 toneladas de empuxo.

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Todas as peças do Heavy finalmente chegaram à Flórida no ano passado; desde então, a SpaceX vem modificando a base de lançamento para que possa comportar um foguete maior. Nos próximos dias, a empresa deverá realizar um teste crítico que vai ligar todos os 27 motores ao mesmo tempo, com o foguete na base.

Se o voo de teste for bem-sucedido, a SpaceX possui outros quatro Heavy em andamento, incluindo um para a Força Aérea dos EUA. A SpaceX anunciou também no ano passado que um Heavy seria usado para enviar dois turistas em uma viagem de uma semana em torno da Lua, mas, após quase um ano, não se tocou mais no assunto.

O grandalhão em uma época de foguetes pequenos

Falcon Heavy na base de lançamento. 

Alguns se perguntam qual o mercado para um foguete tão grande quanto o Heavy. “Fico encafifado, por que alguém faria isso?”, disse Jim Cantrell, que fazia parte da equipe de fundadores da SpaceX, em 2002, e saiu logo depois. Ele agora é o executivo-chefe da Vector Space Systems, que está construindo foguetes muito menores que os da SpaceX.

Com os avanços na eletrônica e na miniaturização, os satélites foram ficando menores e a tendência entre as startups de foguetes segue na direção de naves também menores. (A Blue Origin de Jeffrey Bezos é uma exceção.)

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Por US$ 1,5 milhão, a Vector vai lançar uma carga de 140 quilos, com voos começando este ano. Outras novas empresas de olho nas pequenas cargas incluem a Rocket Lab, que completou seu primeiro voo orbital recentemente, e a Virgin Orbit de Richard Branson.

“Há boas razões técnicas e financeiras para se dedicar aos pequenos”, disse Cantrell.

Alguns sugerem que a NASA poderia aproveitar o Falcon Heavy como uma alternativa mais barata para o sistema de lançamento espacial que está desenvolvendo para levar sondas robóticas e astronautas para o sistema solar. Embora o foguete da agência seja maior e mais poderoso que o Heavy — na verdade, rivaliza com o Saturno 5 —, também é muito mais caro e voaria somente uma vez de poucos em poucos anos, a um custo provavelmente maior que US$ 1 bilhão por lançamento.

A administração Trump declarou que enviar astronautas à Lua é uma prioridade e defendeu um maior papel no programa espacial para empresas privadas. Sua proposta de orçamento para 2019, que será lançado no mês que vem, deve incluir mais detalhes sobre seus planos.

Charles Miller, ex-funcionário da NASA que serviu na equipe de transição da administração Trump, acha que a agência deve considerar alternativas comerciais mais baratas, como o Falcon Heavy. “Ele é o núcleo em torno do qual eu basearia uma estratégia de retorno à Lua em curto prazo”, disse Miller.

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Ele liderou um estudo financiado pela NASA, em 2015, que bolou um plano para alcançar essa meta entre cinco e sete anos. Como o Heavy é menor que o foguete Space Launch System (SLS), a missão proposta seria mais complicada, mas mais rápida e mais barata, segundo Miller.

Até agora, o apoio ao SLS continua forte no Congresso, e Jim Bridenstine, congressista de Oklahoma, que foi nomeado para ser o próximo administrador da NASA, declarou preferir o programa. Mas o primeiro lançamento do foguete da NASA, que já está atrasado, sem astronautas a bordo, provavelmente não ocorrerá antes de 2019, e o primeiro voo tripulado aconteceria alguns anos mais tarde.

Além das perspectivas comerciais incertas, Musk pode ter se deixado levar mais por seus sonhos de longo prazo de colonizar o sistema solar, chegando a descrever planos de um foguete ainda maior, que poderia ser usado para enviar pessoas para Marte.

Este ano será bem movimentado para a SpaceX, que planeja mais de 30 voos. E já começou envolto em mistério, com o lançamento de uma carga altamente secreta, de codinome “Zuma”, que foi construída pela Northrop Grumman. Logo após o lançamento, correram boatos de que Zuma foi um fracasso e já havia saído de órbita. A SpaceX afirmou veementemente que o foguete que levou a carga para o espaço funcionou sem problemas.

A SpaceX também tem programados os voos de teste da Crew Dragon, cápsula que está construindo para transportar astronautas para a Estação Espacial Internacional, embora essa data possa ser novamente adiada para 2019.

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Para o primeiro voo do Heavy, Musk tenta diminuir as expectativas e disse em seu discurso de julho: “Há uma boa chance de que o veículo não consiga entrar em órbita. Espero que chegue bem longe da base para não a danificar. Até isso eu consideraria uma vitória, para ser sincero”.