Na encosta de uma montanha tcheca densamente arborizada, três homens com capacetes e coletes fluorescentes cheios de barro procuram por um metal que poderia impulsionar uma nova revolução industrial. Eles observam atentamente enquanto uma plataforma móvel, montada sobre esteiras de tanques, martela e abre um buraco centenas de metros dentro da rocha. A água brota do furo quando a broca perfura uma fonte subterrânea.
Os homens estão buscando novas fontes de lítio, matéria prima encontrada principalmente na China e no Chile, que pode se tornar tão importante para a indústria de automóveis quanto o petróleo é hoje. Mais rapidamente do que qualquer um esperava, os carros elétricos estão se tornando tão econômicos e práticos quanto os carros com motores convencionais. Os preços das baterias de íon de lítio vêm caindo, enquanto os avanços técnicos cada vez mais aumentam a distância que os elétricos podem percorrer e diminuem o tempo de recarga.
“Uma vez que a tendência se estabelece, tudo pode acontecer muito rapidamente”, avisa Guido Jouret, diretor digital da ABB, uma empresa de eletrônicos de Zurique cujos negócios incluem construir estações de carregamento.
Esse futuro com carros elétricos, porém, ainda precisa de algumas peças. Certas matérias-primas importantes são escassas. Não existem lugares suficientes para recarregar. Carros à bateria ainda custam milhares de dólares a mais do que muitos veículos a gasolina.
As montadoras de automóveis estão suando para superar esses obstáculos. Essas indústrias, e as milhões de pessoas que elas empregam, correm o risco de se tornar irrelevantes. “Muitas pessoas estão nervosas por causa da rapidez desse movimento e do quanto precisam investir”, afirma Norbert Dressler, sócio sênior da firma Roland Berger, de Stuttgard, na Alemanha, que presta assessoria à indústria automobilística.
Confira, abaixo, uma lista do que precisa acontecer antes que os carros elétricos invadam o mundo.
O custo de construir motores e componentes terá que continuar a cair
Os carros elétricos vão se tornar comuns quando o custo do motor e de outros componentes que fazem o veículo andar – a cadeia cinemática – for o mesmo ou mais baixo do que os dos carros que queimam gasolina ou diesel. O tempo que levará para esse dia chegar depende quase que exclusivamente do preço das baterias.
Os preços das baterias, medidos pela energia que produzem, caíram em mais da metade desde 2011, segundo analistas do Bank of America Merrill Lynch. A rapidez inesperada da queda dos preços acelerou o cronograma.
Os analistas da Merrill Lynch agora esperam que os veículos elétricos fiquem mais baratos nos Estados Unidos até 2024. Apenas um ano atrás, eles estimavam que essa queda só aconteceria por volta de 2030.
Uma das razões por que o preço das baterias vem caindo é que os fabricantes estão aumentando a produção. Quando maior a oferta, menor o preço.
É preciso haver um fornecimento constante e acessível dos recursos necessários para se fazer as baterias
As montadoras estão correndo para garantir os ingredientes essenciais das baterias, como o cobalto, o lítio e o grafite. Elas precisam evitar a escassez que faria os preços subirem muito, tornando os carros elétricos inacessíveis.
No entanto, os fabricantes também estão lidando com a dimensão geopolítica. Três quartos das reservas de lítio, um ingrediente crucial do tipo mais comum de bateria de carro elétrico, encontram-se na China e no Chile, segundo a Pesquisa Geológica dos Estados Unidos. À medida que a demanda aumenta, a China pode transformar seus recursos em um bastão diplomático da mesma maneira que a Arábia Saudita usa o petróleo.
O risco de que poucos países possam controlar a maior parte dos ingredientes para as baterias dos carros elétricos é o que levou a equipe de perfuração para as montanhas de Cinovec, na República Tcheca. Já em 1300, os mineiros procuravam estanho – “cin” em tcheco – nas montanhas em volta da cidade. Depois, a área se tornou uma fonte importante de tungstênio, mas o último veio foi fechado em 1993. A demanda por lítio fez a mineração na área voltar a ser atrativa.
A empresa australiana European Metals Holdings Ltd. está perfurando a rocha e retirando amostras do seu núcleo para mapear os depósitos. A companhia planeja completar um estudo de viabilidade no ano que vem e começar a minerar e processar o minério em Cinovec logo depois.
Novas estações de carregamento vão precisar ser construídas, e terão que carregar mais rapidamente
Mesmo quando as pessoas compram um carro elétrico pelo mesmo preço ou menos do que um modelo a gasolina, precisam enfrentar outro problema: onde recarregá-lo. E não vão querer esperar o dia todo para que a bateria recarregue.
Os carros elétricos vão se tornar comuns quando houver uma rede de estações de carregamento de alta-voltagem densa onde os motoristas possam encher suas baterias no mesmo tempo que leva para usar o banheiro e beber uma xícara de café. Hoje, uma viagem atravessando o país em um carro elétrico seria uma aventura.
No entanto, uma série de startups e empresas já estabelecidas, como a ABB, está ocupada instalando estações de carregamento em todo o mundo, e elas devem se tornar comuns. Hoje já existem cerca de 16 mil estações públicas de carregamento nos Estados Unidos; em 2010, eram poucas centenas. Isso em comparação aos cerca de 112 mil postos de gasolina.
Surpreendentemente, o escândalo das emissões da Volkswagen acelerou o processo. Como parte de seu acordo com os donos de veículos a diesel que compraram automóveis com o software ilegal nos Estados Unidos, a montadora concordou em gastar US$ 2 bilhões para promover os carros elétricos e construir a infraestrutura necessária para seu funcionamento. A Electrify America, empresa estabelecida para investir o dinheiro do acordo, planeja instalar mais de duas mil estações de carregamento rápidas em todo o país até o meio de 2019 em uma primeira fase, com milhares mais a seguir.
Os motoristas terão que abandonar seu apego ao som, ao cheio e à sensação dos motores movidos a gasolina
Uma das maiores barreiras aos veículos elétricos é psicológica. As pessoas estão acostumadas aos motores de combustão interna e às sensações que têm com eles – o cheiro do combustível, a mudança da transmissão e o barulho do motor quando o carro acelera.
Os automóveis elétricos possuem uma personalidade diferente, e os motoristas precisam entendê-la antes de comprar um. Mas isso pode ser uma agradável surpresa. A física dos motores elétricos dá a eles uma aceleração excepcional. Um Tesla S de US$ 135 mil, cronometrado pela revista Motor Trend, foi de 0 a 97 kph mais rapidamente do que Ferraris, Lamborghinis ou Porches que custam centenas de milhares de dólares a mais.
Carros elétricos são silenciosos, quase não vibram e não cheiram a gasolina ou fumaça do escapamento. Não é preciso trocar o óleo. Sua operação é mais barata. Eles se prendem melhor à estrada porque o pesado pacote de baterias, tipicamente dispostas embaixo do compartimento de passageiros, proporciona um centro de gravidade baixo e alta estabilidade.
“Não há dúvidas de que um carro elétrico oferece um desempenho significativamente melhor. Não acho que o motorista comum vai entender isso a não ser que experimente”, explica Stafford.
A indústria de veículos terá que deixar parte de seus velhos métodos de produção na beira da estrada
A indústria está correndo para investir no futuro, à medida que os carros elétricos prenunciam mudanças econômicas e societárias radicais. A transição será dolorosa para os fabricantes e fornecedores tradicionais, potencialmente até catastrófica.
Os carros elétricos possuem cerca de 25% de partes a menos do que os automóveis convencionais. As empresas que fabricam peças do motor como pistões, sistemas injeção de combustível ou velas de ignição vão precisar encontrar novos produtos para vender, ou morrerão. Algumas habilidades dos trabalhadores não serão mais necessárias.
Os governos perderão as receitas fiscais dos combustíveis. Os postos de gasolina e as oficinas mecânicas vão fechar. Para competir com a Tesla, que permite que os clientes comprem carros on-line, as montadoras terão que racionalizar radicalmente sua rede de concessionárias.
“O bolo será menor”, avisa Volkmar Denner, executivo-chefe da produtora de autopeças Bosch.