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Uber precisa se tornar mais eficiente para  sustentar sua avaliação bilionária, de quase US$ 70 bilhões | Marcelo Andrade
Gazeta do Povo
Uber precisa se tornar mais eficiente para sustentar sua avaliação bilionária, de quase US$ 70 bilhões| Foto: Marcelo Andrade Gazeta do Povo

No final de junho, a Uber convidou parte da imprensa da região Sul para conhecer sua sede no Brasil, quase dois andares de um sofisticado prédio na Avenida Brigadeiro Faria Lima, em São Paulo, e os bastidores da operação do serviço que, bem ou mal, vem mudando a maneira como nos locomovemos nas cidades.

DICAS para usar melhor o app da Uber

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O que se viu foi uma série de apresentações. Da logística e facilidades do UberEATS, a variante para entregas de pedidos de restaurantes, até questões regulatórias específicas do Brasil. Diretores da Uber mostraram os detalhes do app exclusivo dos motoristas parceiros, explicaram para que servem e no que influenciam as notas dadas a eles e aos passageiros e todas as mágicas que os engenheiros da companhia fazem em San Francisco, sede da Uber. Houve um breve vislumbre do futuro imaginado pela Uber, com carros autônomos e veículos elétricos voadores.

Em vários momentos ao longo daquele dia, nos slides exibidos e na fala dos diretores que nos receberam, uma palavra foi vista, ouvida ou, no mínimo, subentendida: eficiência.

A Uber é uma empresa à frente do seu tempo. Em cada mercado onde se instalou, teve que fazer frente a modelos engessados há décadas e protegidos por grandes interesses. Por vezes, dizem os críticos, ultrapassou alguns limites para se impor. Agora, mais estabelecida, a sensação de que a empresa de capital fechado mais valiosa do planeta, com valor estimado próximo dos US$ 70 bilhões, continua deslocada no tempo se mantém. Mudaram apenas os motivadores de tal sensação.

Esse anacronismo, com frequência, se choca com o foco em eficiência. Afinal, em 2017 ainda é preciso lidar com motoristas humanos, meios de pagamento complexos e malhas viárias labirínticas repletas de obstáculos e imprevistos.

Presa nesse presente, a Uber, fundada pelo empreendedor Travis Kalanick, sabe que, para protagonizar o futuro que lhe parece inevitável, é preciso criá-lo. Caso contrário, corre o risco de ser obliterada por uma ou algumas das rivais que inspirou nesses sete anos de operação. O caminho, porém, não será livre de buracos ou acidentes — algum deles, potencialmente fatais.

Obstáculos à eficiência plena 

Um dos objetivos da Uber é manter os motoristas ocupados o tempo todo enquanto eles estiverem ativos na plataforma. Sendo “parceiros”, e não funcionários, cada motorista da Uber tem o poder decisório de quando e por quanto tempo quer trabalhar. Se quiser encerrar o expediente mais cedo ou rodar em horários alternativos, a opção é dele — e só dele. Da mesma forma, os ganhos são proporcionais ao tempo despendido atrás do volante.

O desafio é conciliar essa discricionariedade com a manutenção de uma frota que atenda à demanda. A Uber usa o oceano de dados que coleta do uso dos seus aplicativos para entender o comportamento das pessoas, otimizar o funcionamento da sua plataforma e oferecer incentivos aos motoristas a fim de compensar períodos e locais que, de outra forma, seriam negligenciados.

Um dos artifícios mais polêmicos é o “preço dinâmico”, que eleva o valor pago pelos passageiros quando a demanda é maior que a oferta. Segundo os diretores da Uber, é isso o que garante que haja motoristas rodando no réveillon ou na véspera de Natal.

Satisfazer os motoristas não é tarefa fácil, nem para uma empresa do porte da Uber. Nos Estados Unidos, a tensão é grande e presente há anos. Desde a saída de Travis Kalanick do comando da empresa em junho, após acusações de instaurar uma cultura corporativa misógina e de ignorar denúncias de assédio contra funcionárias, a Uber tenta se reconciliar com os motoristas mais insatisfeitos. Entre as ações, implementou a gorjeta através do app e está testando uma cobrança para a devolução de objetos esquecidos pelos passageiros nos carros. Ainda não se sabe se as medidas surtirão o efeito desejado.

A Uber atua em várias frentes para se viabilizar. Boa parte delas tem um objetivo comum: otimizar a lucratividade. Mesmo faturando bilhões, as perdas se acumulam em ritmo condizente aos demais números, todos superlativos. Só em 2016, o prejuízo foi de US$ 2,8 bilhões.

Somas vultuosas, injetadas na empresa por firmas de capital de riscos e fundos de investimentos, catapultaram o seu valor de mercado para algo próximo dos US$ 70 bilhões. Esses valores possibilitam a estratégia de expansão internacional agressiva da Uber: com eles, a empresa é capaz de sustentar longas guerras de subsídios a fim de ganhar mercado e derrubar concorrentes regionais.

Só que isso nem sempre funciona. Na China, onde já chegou a queimar US$ 1 bilhão por ano na disputa com a Didi Chuxing, e na Rússia, onde disputava com a Yandex, a Uber bateu em retirada, cedendo dois dos maiores mercado do planeta em troca de participações minoritárias nas duas rivais. Tal saída pode se repetir em outros lugares como a Índia, onde briga com a Ola, e a Espanha, terra natal da Cabify.

No operacional, o UberPOOL, modalidade compartilhada em que passageiros que tenham como destino pontos comuns em uma rota dividem um mesmo carro, economizando tempo (do motorista) e dinheiro (dos usuários), salta aos olhos pela eficiência. Em San Francisco, segundo a Uber, a modalidade já responde por mais da metade das corridas feitas pela empresa. No Brasil, o UberPOOL só funciona em São Paulo, reflexo da dificuldade de implementação do sistema.

Enxugar custos para aumentar a lucratividade é o que está por trás do UberPOOL e de ações de longo prazo, em especial os carros autônomos e veículos voadores elétricos. São dois projetos saídos da ficção científica, mas que devem estar nas ruas (e no ar) já na próxima década. Com carros rodando o dia todo, sem o fator limitante e caro do modelo atual, o ser humano, o preço das corridas deve baixar ainda mais e, ao mesmo tempo, aumentar o lucro da Uber. 

Todas essas questões não entram ainda em um problema que, para muitos, é fundamental: a legalidade do serviço prestado. Benjamin Edelman, professor da escola de administração de Harvard, tem um posicionamento bastante duro em relação a isso.

Edelman argumenta que as inovações que a Uber trouxe eram inevitáveis e que ela só se estabeleceu pela sua política agressiva de entrar em novos mercados ignorando as regras locais. “O modelo de negócios da Uber foi baseado na quebra de leis”, escreveu no Harvard Business Review. “Tendo crescido através da ilegalidade intencional, a Uber não pode mudar facilmente para seguir as leis”.

O rol de países onde a Uber arrumou encrenca com a justiça é enorme. Nem os Estados Unidos escapam; em lugares como o estado de Nevada e a cidade de Portland, no Oregon, houve períodos em que a operação foi banida ou suspensa. Internacionalmente, a lista de países com quem a Uber arrumou confusão inclui Alemanha, Coreia do Sul, Espanha, Holanda e Brasil.

Outros analistas vêm como grande ameaça ao futuro da Uber a falta de diferenciais técnicos da mesma magnitude que outras gigantes tecnológicas, como Facebook e Google (social, dados pessoais), Amazon (logística e varejo) e Apple (hardware e software únicos, fidelidade dos clientes), possuem. Isso vale para passageiros e motoristas — nada impede que eles usem outro app de corridas compartilhadas em paralelo à Uber.

Automação total

Vista dessa forma, a existência da Uber como imaginada por seus criadores depende fortemente da aludida eficiência máxima. Talvez o último passo desse processo seja a automação completa da operação, uma mudança holística rumo ao futuro: além de eliminar a necessidade de seres humanos nos assentos de motorista nos carros, tornar irrelevantes os que ocupam as cadeiras dos cargos executivos da Uber.

O de CEO está vago desde o final de junho, aliás. Quando Kalanick renunciou à presidência, o escritor Nicholas Carr sugeriu que o próximo a dar as ordens por lá fosse um robô.

“Uma empresa fundamentalmente numérica, constituída basicamente por software, a Uber é o local de testes perfeito para um CEO robótico”, brincou o autor. Na esteira das profissões que serão substituídas por robôs nos próximos anos em nome da eficiência, argumenta, a de CEO é uma das mais promissoras — basta programá-lo para tomar as melhores decisões tendo como norte a máxima lucratividade. Bônus: um robô carece de sentimentos, é frio, analítico e incansável.

“Talvez olhemos para a saída de Kalanick como o ato mais transformador da sua agitada carreira”, finalizou um irônico Carr. Seria, também, o ápice de uma empresa que anseia e, em certa medida, depende de um futuro de automação total e eficiência sobre-humana.

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