A companhia argentina Mercado Livre está vivendo um dos melhores momentos da história desde a fundação há quase 18 anos, bem na época da chamada “bolha da internet”, período marcado pela ascensão e fracasso de muitas startups. Só em 2016, ela alcançou receita de mais de US$ 844 milhões, 30% maior que em 2015 - o Brasil representa metade disso.
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O site reúne uma comunidade de 174,2 milhões de usuários na América Latina e movimentou US$ 8 bilhões no ano passado. Tudo isso fez o valor das ações da empresa dobrar no último ano. Os números impressionam, mas ainda são só uma pequena fatia do varejo total na América Latina.
O grande desafio do Mercado Livre para continuar a crescer é atrair mais latino-americanos para sua plataforma - e incentivar os consumidores que já estão lá comprarem mais. “O crescimento deles está acima da média no Brasil, por uma associação entre os efeitos da crise econômica com a oferta de uma solução de e-commerce bem feita”, diz o presidente executivo da consultoria eBit, Pedro Guasti.
Depois de anos investindo em pagamento online e em entregas, a palavra da vez no Mercado Livre é crédito. A companhia começou nesta semana a emprestar dinheiro - em parceria com instituições bancárias - para pequenos empresários que vendem pelo site no Brasil. A ferramenta está em versão beta e em este com apenas alguns usuários. Depois, deve ser lançada para todos os parceiros.
Os compradores também devem entrar no radar em breve. “Muita gente não tem cartão de crédito e nem conta no banco”, diz o diretor de operações do Mercado Livre, Stelleo Tolda. “Essa é uma grande barreira para o comércio eletrônico.”
Origem
O Mercado Livre foi fundado em agosto de 1999 por Marcos Galperín e Hernán Kazah, dois argentinos que se conheceram na Universidade de Stanford, que fica no coração do Vale do Silício, na Califórnia, Estados Unidos.
Naquela época, a internet começava a ganhar força na América Latina, mas faltavam serviços para usar na rede. Nos EUA, Galperín conheceu o poder do eBay, plataforma de compra e venda de produtos pela internet. Por que não lançar algo semelhante na América Latina? Fez uma pesquisa com estudantes latino-americanos: ninguém achou que ia dar certo. Mesmo assim, Galperín seguiu em frente. Com o plano de negócios na mão, procurou investidores.
Chegou a ficar frente à frente com Warren Buffett - hoje o segundo homem mais rico do mundo -, mas não o reconheceu. “Não tinha Google no celular ainda”, disse Galperín, rindo.
O modelo do eBay dava certo nos EUA porque havia uma série de empresas nascendo para encaixar as peças restantes do quebra-cabeça do e-commerce. Já havia empresas de meios de pagamento online, gestão de lojas virtuais, rastreamento de produtos. Na América Latina, porém, nada disso existia.
O Mercado Livre expandiu rapidamente pela região - dois meses depois do pontapé inicial, já operava no Brasil. Hoje, está presente em 19 países. Em apenas sete anos, fez sua oferta inicial de ações na bolsa norte-americana Nasdaq - um feito que transformou a empresa no principal caso de sucesso do ecossistema de startups latino-americano até hoje.
“Os fundadores continuam ajudando outros empreendedores a criar startups de sucesso, seja por meio de mentoria ou de investimentos”, diz Pedro Waengertner, presidente executivo da aceleradora de startups Ace.
Conglomerado
Assim, o Mercado Livre começou a resolver, aos poucos, os problemas que atrapalhavam a experiência no site: as pessoas tinham dificuldades para pagar e desistiam da compra ou fechavam o negócio e não recebiam o produto - e não voltavam ao site.
Ela criou o Mercado Pago, uma plataforma de pagamento online que, hoje, é usada em 100% das compras feitas no Mercado Livre no Brasil. Depois, o Mercado Envios para a gestão das entregas. Em 2012, abriu sua plataforma para desenvolvedores independentes, na esperança de que ajudem a empresa a criar as “peças” que faltam.
Agora, o Mercado Livre vai dar crédito para os vendedores manterem suas lojas no site de pé, a exemplo de gigantes do e-commerce da Ásia, como o Alibaba. Em geral, esse público não consegue dinheiro nos bancos tradicionais, porque não tem toda a papelada. Como o Mercado Livre tem acesso ao fluxo de caixa dos vendedores, poderá fazer análises personalizadas.
O crédito é contratado pelo celular no Mercado Pago, que vai concedê-lo por meio das parcerias com instituições financeiras não reveladas. O serviço de crédito começa a operar no Brasil depois de nove meses de testes com vendedores na Argentina. Por lá, a empresa diz já ter feito milhares de operações de crédito com valor de até US$ 10 mil. “Acho que estamos apenas começando”, afirma Galperín. “Ferramentas como o Mercado Pago podem ajudar a democratizar o dinheiro.”
“Estamos democratizando o comércio na América Latina”, diz fundador do Mercado Livre
Em pouco mais de uma década, o argentino Marcos Galperín consolidou o Mercado Livre como um dos principais sites de comércio eletrônico - a empresa é o oitavo site de e-commerce mais acessado do mundo, segundo a consultoria comScore, atrás de sites como Amazon, eBay e Alibaba. No ano passado, ele entrou para o clube dos bilionários, com fortuna estimada em US$ 1,3 bilhão pela revista norte-americana Fortune. Confira a entrevista completa com Galperín:
Quando fui estudar nos EUA, eu estava convencido de que a internet iria mudar o mundo. Me sentia frustrado porque eu ia voltar para meu país e não poderia fazer muitas coisas que eu já fazia nos EUA. Não havia serviços. Na época, em todos os países da América Latina, havia apenas cinco empresas que dominavam o comércio. Se as pessoas não moravam em uma grande cidade, não tinham acesso aos lançamentos de produtos e aos melhores preços. Eu pensei, então, em criar um lugar onde as pessoas poderiam comprar e vender de tudo.
Os grandes varejistas tentaram resistir, mas perceberam que precisam ter suas plataformas de marketplace. Mas eles têm dificuldades, porque vêm de uma cultura de concentrar o varejo nas mãos de poucos, enquanto nós não. Da mesma forma que o Google democratizou o acesso à informação, estamos democratizando o comércio na América Latina.
Sim, particularmente na segunda rodada de investimentos, quando a bolha da internet já havia estourado. Levantamos US$ 45 milhões, mas foi um dos piores momentos da história do Mercado Livre.
Eu tenho paixão pela internet. Eu estava convencido de que ela iria mudar tudo para melhor. Quando eu vi a oportunidade, foi irresistível para mim.
A nossa operação no Brasil é maior do que todas as nossas outras operações juntas. Melhoramos a experiência de pagamento e o Brasil se tornou o primeiro mercado onde 100% das transações são pagas pelo Mercado Pago. O Mercado Envios é usado para enviar 70% de todos os produtos comprados no site. Isso ajudou a acelerar a empresa no Brasil e tivemos crescimento de 60% na receita em 2016.
Estamos começando a trabalhar em comércio entre regiões. Fizemos uma parceria com eBay para permitir que, no Chile e Colômbia, as pessoas comprem produtos da China e dos EUA. Ainda não sabemos quando vai chegar ao Brasil. Mas as limitações monetárias e alfandegárias na América Latina ainda não permitem que isso aconteça entre países da região.
A porcentagem de ações na Justiça em relação ao número de compras nunca esteve tão baixa no Brasil. Em 2016, tivemos quase quatro transações por segundo. Mesmo assim, se 0,01% tem problemas, é muita coisa. Como tudo que se compra é pago via Mercado Pago, nós devolvemos o dinheiro se houver problemas. Por isso, cada vez menos pessoas se sentem motivadas a ir à Justiça.
Temos um programa de proteção à propriedade intelectual. Qualquer empresa ou pessoa pode denunciar um produto falso está à venda no Mercado Livre. Automaticamente, retiramos o anúncio do ar. Mas quem denuncia tem o dever de provar para nós que aquele produto é falso.