| Foto: Osvalter Urbinati

Era de se esperar de um sindicalista, mas veio da boca do patrão: os robôs que vão substituir os humanos nas fábricas e escritórios devem pagar impostos semelhantes aos cobrados de um trabalhador de carne e osso – imposto de renda, por exemplo. A posição de Bill Gates endossa a de vários outros políticos, economistas e pensadores; mas caiu como uma bomba. Faz sentido, o homem que fez fortuna com a tecnologia e a inovação não se importa se tal medida frear justamente a tecnologia e a inovação. O errado, para ele, é não atentar ao impacto social da Indústria 4.0. Para outros, o errado, na verdade, é ele.

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O debate acalorado que se seguiu à entrevista concedida pelo fundador da Microsoft ao site Quartz, em fevereiro, mostra a complexidade do assunto. “Certamente deve haver impostos relacionados à automação. Hoje, o trabalhador humano que, digamos, custa US$ 50 mil para uma fábrica tem tributação sobre ele, como imposto de renda, imposto previdenciário, todas essas coisas. Se um robô entrar para fazer a mesma coisa, deveríamos taxá-lo em um nível similar”, disse.

Indústria 4.0

Enquanto você lê este texto, há ônibus circulando sem motoristas na Suíça, no Japão e nos Estados Unidos. Há fábrica na Alemanha que sequer tem funcionários na linha de produção. Existe um robô em um grande escritório de advocacia fazendo um papel de pesquisa antes atribuído aos novatos. E até uma inteligência artificial produzindo matérias.

A Indústria 4.0 é um termo para definir um cenário onde os funcionários humanos são substituídos por máquinas autônomas, como robôs e sistemas de inteligência artificial. Embora diga mais respeito à indústria, seu conceito pode ser ampliado a diversas áreas, como a de serviços.

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A premissa de Gates é um tanto pessimista – o que não significa errada. “Faz sentido se imaginarmos um mundo em que as máquinas serão muito mais rápidas em tirar empregos humanos do que em criar novos”, analisa o economista e consultor independente Luis Cézar Bonelli. “Obviamente, nesse cenário, a preocupação social é grande. Seria uma solução mais simplista fazer com que o empresário que compre um maquinário desses pague imposto na proporção da que pagaria com trabalhadores humanos”, destaca. Gates sugere investir esse dinheiro na qualificação dos excluídos pela tecnologia – além de direcioná-lo a funções que, para ele, cabem só aos humanos (educação, por exemplo).

Para a “The Economist”, é uma teoria bonita, só que impraticável. “Um robô é um investimento de capital, como um forno ou um computador. Tributação que dissuade investimento torna as pessoas mais pobres sem arrecadar muito dinheiro”, publicou a revista em um artigo.

Tem mais. Um dos inconvenientes do futuro é que ele costuma ser imprevisível. Será que a Indústria 4.0 será tão rápida, a ponto de substituir os trabalhadores em uma velocidade muito superior ao rearranjo das funções? Os números dizem que sim –5 milhões perderão o emprego até 2020, diz o Fórum Econômico Mundial; 850 mil vagas serão criadas com a digitalização, diz o Parlamento Europeu. A indústria tem outra posição. “Nossa indústria é muito pesada, exige levantar uma carroceria, portas pesadas, ou seja, tarefas que causam muita fadiga. Os robôs não tiram o trabalho dos humanos. Eles são usados para ajudá-los. Temos unidades com dezenas de robôs e que não pararam de contratar”, diz João Veloso Jr., gerente sênior de Comunicação Corporativa do BMW Group Brasil –a fabricante alemã está avançada na Indústria 4.0.

Parlamento europeu

Um documento do Parlamento Europeu, elaborado neste ano, discute o futuro dos robôs. O relatório trata de questões jurídicas, como a responsabilidade no caso de um acidente com carro autônomo. Os parlamentares eliminaram no texto final, porém, um parágrafo sobre a possibilidade de as máquinas pagarem impostos e um sobre renda básica universal.

Longe de ser o único contraponto. Os robôs podem tornar a vida mais barata. “E se os custos de saúde aumentarem, mordendo o salários dos trabalhadores [e não haver inovação tecnológica para barateá-los]?”, complementa a “Economist”.

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Talvez a solução passe por outros modelos de programas sociais, tais como reforma na educação e na formação profissional ou subsídios aos grupos mais afetados pelo desemprego em tempos hi-tech, como sugeriu ao “Washington Post” o ex-secretário de Tesouro dos EUA Lawrence Summers. O ponto central, ao fim de tudo, é que taxar robôs pode não ser muito diferente de cobrar imposto de um computador com Excel. O programa, aliás, é da Microsoft, de Gates. Certamente, isso o teria deixado alguns milhões abaixo na escala dos grandes abastados.