Construção do Sirius, em agosto de 2016| Foto: CNPEM/Divulgação

O melhor lugar para se proteger dos maus presságios que ameaçam a ciência brasileira parece ser o canteiro de obras do novo acelerador de partículas nacional — o Sirius, em Campinas. Com previsão de entrega para junho de 2018, o projeto segue a todo vapor, com máquinas e homens trabalhando intensamente dentro e fora de sua gigantesca estrutura em forma de disco voador, com 230 metros de diâmetro - quase a largura do Estádio do Maracanã. O telhado já está todo fechado, as paredes de blindagem do corredor do anel já estão sendo concretadas, e as peças do primeiro estágio do acelerador (onde os elétrons serão produzidos) acabam de chegar ao Porto de Santos.

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Nem parece que a ciência brasileira está passando pela maior crise de sua história. Mas está: nem o Sirius nem o Laboratório Nacional de Luz Síncrotron (LNLS), que o abriga, nem o Centro Nacional de Pesquisa em Energias e Materiais (CNPEM), do qual o LNLS faz parte, estão imunes a essa crise. Como todos os outros institutos de pesquisa federais, o CNPEM não tem dinheiro suficiente para fechar o ano sem dispensar funcionários ou desligar máquinas. O centro tem recursos para mais dois meses. Depois disso, se não houver uma liberação de recursos por parte do governo federal, o CNPEM terá de paralisar as atividades.

“Temos uma reserva de contingência (de R$ 23 milhões) que dá para fechar”, diz o diretor, Rogério Cerqueira Leite. “Fechar o ano?”, indago. “Não”, esclarece ele. “Para demitir todo mundo e fechar as portas.”

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O prejuízo disso seria tremendo para a ciência brasileira. O CNPEM é um conglomerado de quatro importantes laboratórios nacionais — de Biociências (LNBio), Bioenergia (CTBE), Nanotecnologia (LNNano) e Luz Síncrotron (LNLS) — e todos funcionam como “facilities”. Ou seja, são laboratórios dotados de equipamentos caríssimos, de alta tecnologia, que servem a toda a comunidade científica brasileira e também à indústria nacional.

O orçamento aprovado no Congresso para o CNPEM este ano é de aproximadamente R$ 90 milhões, mas o centro só tem autorização para gastar R$ 54 milhões, em função do corte (contingenciamento) de 44% do imposto pelo governo federal ao orçamento do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações (MCTIC). Desses R$ 54 milhões, o CNPEM só recebeu, até agora, R$ 15 milhões. “Não temos dinheiro suficiente para chegar até o fim do ano, mas aguardamos novas liberações”, disse Cerqueira Leite. “Estamos aflitos, mas não desesperados”, completou, com otimismo. Os recursos disponíveis hoje, segundo ele, são suficientes para mais dois meses de salário dos quase 600 funcionários.

O CNPEM, diferentemente de outros institutos de pesquisa federais, funciona como uma Organização Social, o que significa que seus funcionários são contratados via CLT — não são servidores públicos — e o dinheiro dos seus salários sai do orçamento — não do Tesouro Nacional. Ou seja, o centro corre risco de ficar sem dinheiro, sem pesquisa e sem funcionários.

Cronograma em risco

O Sirius tem um orçamento próprio, vinculado ao Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), o que lhe confere uma certa blindagem da crise, mas não chega a ser uma imunidade. O orçamento previsto na Lei Orçamentária Anual para o projeto este ano é de R$ 325 milhões, mas esse valor já foi rebaixado para R$ 189 milhões (42% de contingenciamento).

E o pior é que, para cumprir o cronograma de terminar a obra e rodar o primeiro feixe de elétrons em junho de 2018, nem esse orçamento original basta. Além da liberação integral dos R$ 325 milhões previstos na lei orçamentária, o projeto precisa de mais R$ 180 milhões liberados para empenho até o fim do ano para não cair em atraso — o que implicaria encarecimento da obra, além do prejuízo científico, diz o diretor do LNLS, Antônio José Roque da Silva.

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O custo total estimado do projeto é de R$ 1,8 bilhão, incluindo o prédio, o acelerador, a mão de obra e as 13 linhas de luz previstas para funcionamento até 2020. Essas “linhas” são as estações de pesquisa acopladas ao acelerador, onde os experimentos com a luz gerada pela aceleração dos elétrons no anel interno são executados.

Essa luz extremamente brilhante, chamada de “luz síncrotron”, pode ser usada para estudar a estrutura molecular de diferentes materiais, como uma liga metálica ou um fóssil de milhões de anos (detalhes técnicos).

Projetado para ser uma das melhores fontes de luz síncrotron do mundo, o Sirius é um projeto 100% brasileiro, com cerca de 85% dos seus componentes produzidos e desenvolvidos totalmente no Brasil. “Não existe outro projeto de alta tecnologia no país com esse índice de nacionalização”, destaca Silva. “Cada peça do Sirius exigiu um grau de desenvolvimento sem precedentes. Em alguns casos, sem precedentes no mundo”.

Tudo isso pode ser colocado em xeque se o dinheiro não sair. Segundo Silva, há empenho do ministério. “Mas chegamos a um momento crucial”.

Pouco dinheiro

O Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações enviou nota na qual “esclarece que atua junto aos Ministérios da Fazenda e do Planejamento pelo descontingenciamento de recursos”. Até o fim do ano, a pasta tem apenas R$ 400 milhões em caixa para bancar toda a ciência nacional.

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