Na teoria, parece uma solução perfeita: um smartphone que, ao ser conectado ao monitor, teclado e mouse, se transforma em computador, mantendo seus apps, arquivos e configurações. Na prática, smartphones modernos não só têm poder de processamento suficiente para se desdobrarem em estações de trabalho tradicionais, como a indústria já oferece soluções do tipo. A resposta do público, porém, é morna e não há sinais de que a demanda aumentará.
O modo Continuum é o recurso mais badalado do Windows 10 Mobile, a versão móvel do sistema operacional da Microsoft lançada no início de 2016. Ele permite que o smartphone se adapte a telas grandes quando conectado ao monitor, teclado e mouse. A conexão pode ser feita até sem fios. No vídeo abaixo, Joe Belfiore, vice-presidente do grupo de sistemas operacionais da Microsoft, explica o funcionamento (em inglês):
A HP, uma das poucas parceiras restantes da Microsoft no segmento móvel, anunciou o encerramento das vendas e suporte do HP Elite x3, smartphone equipado com o Windows 10 Mobile. Em um evento ocorrido em Viena, na Áustria, Nick Lazaridis, executivo da HP, disse ao The Register que o encerramento do produto decorre de mudanças na estratégia da Microsoft e que “sem a liderança e suporte da Microsoft, [o produto] não faz sentido”.
A mudança de estratégia a que se refere Lazaridis é o virtual abandono do Windows 10 Mobile. Desde que foi lançado, o sistema apareceu em poucos aparelhos e perdeu destaque dentro da Microsoft. Em vez disso, a empresa passou a focar no desenvolvimento de aplicativos e soluções para Android e iOS, plataformas rivais mais populares e estabelecidas.
Além do Elite x3, o Windows 10 Mobile apareceu apenas em dois smartphones da própria Microsoft e em alguns aparelhos de marcas chinesas, como a TCL/Alcatel. Nenhum foi lançado no Brasil.
O modo Continuum foi recebido com grande expectativa por entusiastas e pela imprensa especializada, mas decepcionou por alguns problemas pontuais, como a impossibilidade de se gerenciar janelas (todos os apps são maximizados), lentidão e falta de suporte em vários apps de terceiros. O custo de se ter acessórios sobressalentes também pesa, especialmente porque smartphones compatíveis com esse recurso são modelos premium, caros.
Ian Paul, colaborador da PCWorld, testou o Continuum na época do seu lançamento e sentenciou: “eu não recomendaria o Continuum a ninguém que precise usar dois apps ao mesmo tempo”.
Apesar do discurso oficial da Microsoft, que em nota afirma que continua desenvolvendo e prestando suporte ao Continuum e ao Windows 10 Mobile, na prática o sistema é considerado carta fora do baralho por quase todo o mercado.
A Samsung, em seus últimos smartphones de ponta, Galaxy S8 e Galaxy Note 8, oferece uma solução similar, mas que exige um acessório oficial para ser ativada. O DeX, o consumidor pode acoplar o smartphone e conectar monitor, mouse e teclado para acessar uma interface especial, similar a um sistema desktop.
Além do custo elevado, o bom desempenho dos melhores smartphones da Samsung é prejudicado no modo estação de trabalho. O site especializado em tecnologia Tecnoblog, ao analisar o produto, concluiu que ele “falha em oferecer uma experiência sólida, apresentando um multitarefa restrito e aplicativos limitados. Ele ainda não está pronto para substituir um PC comum”.
Caminhões e carros de passeio
Em vez de convergir todos os equipamentos em um só, outro modelo tem encontrado respaldo junto ao consumidor: dispositivos específicos para cada cenário sincronizados via internet.
A Apple, empresa que mantém o maior controle sobre as ofertas de hardware, software e serviços, oferece essa integração usado o iCloud como “cola” para seus produtos. Recursos como o Continuidade, que permite atender chamadas telefônicas recebidas pelo iPhone em um MacBook e continuar a redação de e-mails e navegação web iniciada em um dispositivo n’outro diverso, tornam as rotinas do consumidor mais práticas — e ajudam a fidelizá-lo no longo prazo.
Com sua nova estratégia, a Microsoft busca algo similar. Mensagens de SMS recebidas em celulares Android já podem ser lidas e respondidas em computadores com Windows 10 e o recém-anunciado Edge para Android e iOS também conversa com PCs rodando Windows 10.
O lado ruim dessa estratégia para empresas que detêm plataformas é que ela impõe menos obstáculos a outras interessadas nessa dinâmica. A Mozilla, que desenvolve o navegador web Firefox, oferece funcionalidades similares para seus usuários. Com o navegador instalado no computador e no celular, é possível sincronizar favoritos, senhas e até abas abertas. O mesmo vale para o Chrome, do Google, que tem versões para Android, sistema do próprio Google, e também para os de rivais, casos do iOS, macOS e Windows.
Em 2010, o falecido co-fundador da Apple, Steve Jobs, quando questionado sobre um suposto descaso da empresa com computadores, disse que eles se transformariam em caminhões. Não como um Transformer. A comparação era no sentido de que computadores se tornariam produtos de nicho, comprados e usados por um público mais restrito e especializado. Nessa analogia, smartphones seriam os novos carros de passeio, muito mais populares e próximos do consumidor final.
Sete anos depois, a previsão de Jobs se sustenta. Talvez no futuro alguém consiga baixar custos e resolver os problemas técnicos e de usabilidade para um dispositivo universal — unir caminhões e carros de passeio em uma coisa só. Mas, por ora, a melhor tática continua sendo a de manter as coisas separadas, cada uma para o contexto apropriado, somada uma pequena dose de internet para sincronizar dados.
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