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Uber quer dominar o mundo, mas antes precisa conquistar a Índia

Uber quer expandir seus negócios na Índia | Bigstock/
Uber quer expandir seus negócios na Índia (Foto: Bigstock/)

O escritório de Nandini Balasubramanya no extremo sul da capital tecnológica da Índia não parece ter um papel central nos planos de conquista de uma das startups mais valiosas do mundo.

Durante muitos dias, esse pequeno escritório fica sem eletricidade. Por isso, Balasubramanya deixa a porta aberta, e a poeira e o barulho das ruas de Bangalore acabam entrando. Em uma parede, próxima à mesa onde ela recebe inúmeras pessoas em busca de emprego, há uma longa lista de documentos que pede para cada candidato – carteira de motorista, comprovação de pagamento do seguro, documentos do carro, documentos bancários, e meia dúzia de outros documentos exigidos pela burocracia indiana.

Além disso, há uma foto sorridente de Travis Kalanick, executivo-chefe da empresa americana de caronas Uber.

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Entretanto, Balasubramanya, de 32 anos, não trabalha para o Uber. Ela é uma “UberDost”, ou “amiga do Uber”, uma recrutadora que é paga pela empresa por cada motorista que traz para suas fileiras. O trabalho é recompensador, mas difícil, afirmou.

Balasubramanya treinou pessoas que nunca haviam trabalhado antes e outras com pouca experiência na gestão de dinheiro e na a interação com clientes. Muitos não sabem como usar aplicativos para smartphone, nem como ler mapas.

“Eu mostro a eles como usar o Uber, ensino sobre o uso de equipamentos de navegação, ou mesmo como usar telefones”, afirmou ela.

Balasubramanya trabalha em um dos inúmeros escritórios de UberDost que o Uber estabeleceu em toda Índia, onde a empresa opera agora como uma espécie de divisão militar em busca da conquista subcontinental.

A Uber é uma empresa famosa pela agressividade e essa característica fica clara em suas ambições indianas. Um número relativamente pequeno de pessoas têm carros próprios no país, por isso o objetivo de longo prazo da empresa é saltar a cultura ocidental da propriedade de automóveis, criando diretamente uma sociedade em que as pessoas não compram carros. Nesse mundo, elas chamariam a Uber.

A Índia também é o local onde a visão que o Uber tem de si mesmo - uma empresa moderna de tecnologia - entra em choque com a vida analógica de um país em rápido desenvolvimento. “A Índia é um lugar extremamente importante no mundo, pois conta com cidades enormes, com uma gigantesca necessidade de transporte, onde queremos oferecer nossos serviços. Queremos ir para lá e queremos ocupar o país todo”, afirmou Travis Kalanick, CEO da empresa, em uma entrevista.

Essa entrevista ocorreu em meados de janeiro, pouco antes de a Uber mergulhar em uma sequência de crises. A empresa está lidando com um escândalo de assédio sexual, além de uma análise mais profunda de sua cultura libertária. Kalanick se comprometeu a uma “mudança fundamental e um crescimento como líder”.

Dificuldades

As redes de telefonia móvel da Índia são instáveis e lentas. Além disso, bancos, cartões de crédito e outros elementos financeiros não são disseminados. Enormes diferenças no nível educacional e econômico também ajuda a criar uma dinâmica social entre motoristas e passageiros que não se resolve apenas com melhorias na interface do aplicativo.

Muitos dos motoristas da Uber na Índia não estão familiarizados com smartphones. Além disso, vários são analfabetos, precisam de ajuda econômica para comprar ou alugar carros e de orientação constante para realizar a gestão de suas finanças.

Além disso, ainda há a concorrência. A Uber enfrenta um rival agressivo e endinheirado na Índia, o Ola Cabs, que opera em 100 cidades e oferece uma gama mais ampla de serviços.

Tanto a Uber quanto o Ola argumentam que as empresas podem ter um resultado transformador. O compartilhamento de caronas está mudando a vida urbana indiana; viajar pela cidade se tornou mais barato e seguro, especialmente para mulheres.

Ainda assim, a tentativa da Uber de remodelar o transporte da Índia será longa, cara e complicada. “Por enquanto não somos lucrativos nas cidades onde estamos”, afirmou Amit Jain, presidente do Uber Índia, durante uma entrevista por telefone. “Temos um longo caminho até chegar lá e estamos confiantes de que isso será possível”.

As pessoas mais pobres têm ainda mais dificuldades para se locomover na Índia. Uma pequena parcela dos indianos mais ricos conta com carros próprios e motoristas particulares. “Antes de existirmos, entrar em um táxi na maioria das cidades indianas era caro e difícil. Era preciso combinar com um dia de antecedência. Começamos marcando o táxi com 12 horas de antecedência, passamos para quatro e agora estamos operando sob demanda. Atualmente, se o tempo de espera for superior a cinco minutos, as pessoas começam a reclamar”, afirmou Pranay Jivrajka, um dos sócios fundadores do Ola.

A Uber tinha um objetivo em mente. Kalanick sempre afirmou que o maior concorrente do Uber é a propriedade particular de carros; se a Uber é capaz de dar uma carona barata instantaneamente, o resultado é melhor do que ter os gastos e aborrecimentos decorrentes da manutenção de um veículo.

“É impossível que cada habitante de Délhi dirija seu próprio carro - isso não funcionária. A cidade não tem a infraestrutura necessária, então para que construí-la? Essa é uma questão fundamental”, afirmou Kalanick.

Neste momento, a Uber conta com mais de 200 mil motoristas ativos em sua plataforma na Índia. O Ola afirma ter 640 mil. Esses números parecem elevados, até pensarmos 400 milhões de indianos vivem em cidades.

Ainda assim, pessoas de determinadas classes profissionais - trabalhadores do setor de tecnologia, viajantes frequentes - afirmam que Uber e Ola se tornaram fundamentais na vida urbana da Índia.

Antes da Uber, “muita gente ficava trancada em casa”, disse Christian Freese, gerente geral da Uber no escritório de Bangalore, onde a empresa instalou seu único escritório dedicado à engenharia de software fora de São Francisco. “Agora as pessoas saem, especialmente nos fins de semana. Basta apertar um botão e o carro chega.”

Mas isso só acontece às vezes. Na Índia é comum abrir o aplicativo da Uber, apertar um botão e nada acontecer. O aplicativo seleciona um motorista, mas o motorista não faz nada. O ícone do carro fica lá, parado. Esse é um mistério cultural. “Os motoristas da Índia demoram uma vida pra sair do lugar. Ainda estamos tentando descobrir o motivo”, afirmou Apurva Dalal, diretor de engenharia do Uber em Bangalore.

Uma das razões pode ser o fato de que os motoristas não estão acostumados com smartphones e talvez não confiem na notificação digital indicada pelo aplicativo.

Ajustes

A Uber fez vários ajustes para se adaptar à Índia. Quase todas as transações são feitas em dinheiro, porque cartões de crédito e outras formas de pagamento não são comuns no país - algo problemático para a empresa. Por isso, em 2015, a Uber tomou uma atitude que Kalanick demorou a aceitar: começou a aceitar pagamentos em dinheiro na cidade de Hyderabad. Pouco tempo depois, a empresa passou a aceitar dinheiro em toda a Índia e até em outros países, como o Brasil.

No segundo semestre do ano passado, quando o governo indiano planejava diminuir o uso do dinheiro na economia, cerca de 80 por cento das corridas do Uber eram pagas em dinheiro.

Uma mudança ainda maior foi feita na forma como os motoristas são recrutados. Nos EUA, as empresas da economia compartilhada dependem de trabalhadores e capital ocioso. Mas a dinâmica da oferta ociosa não funciona da mesma maneira na Índia. Muitas pessoas precisam de trabalho, mas poucas têm carro ou sabem dirigir. Os motoristas também precisam de uma carteira motorista profissional e de um registro especial para seus carros.

Por fim, há o incentivo financeiro. Ao longo dos últimos anos, para convencer os motoristas de que valia a pena se comprometer com os custos de um carro novo, Uber e Ola davam bônus financeiros aos motoristas após cada viagem.

Todo esse dinheiro criou uma nova economia em torno dos automóveis na Índia. Diversos motoristas da Uber e do Ola afirmam que os serviços mudaram suas vidas. Eles ganham de 30 mil a 60 mil rupias por mês - de US$ 450 a US$ 900 -, bem acima da renda média.

Lokesh N., motorista que, depois de falir, montou uma frota de carros na plataforma Ola, afirmou que “Na Índia, há um estigma social em relação a dirigir, mas agora o público está começando a aceitar mais. As pessoas que entram no meu carro aceitam a dignidade do meu trabalho”.

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