Embora a disponibilização de WiFi via check-in no Facebook já esteja disponível desde 2013, é razoável afirmar que apenas recentemente o público – sobretudo o brasileiro – começou a ter contato mais frequante com a tecnologia. Fruto de uma parceria entre a multinacional Cisco Systems e a rede social, a funcionalidade pressupõe que o usuário “curta” a página de determinado estabelecimento comercial para ter liberado o acesso à internet.
A princípio, trata-se de levar comodidade ao cliente – que não precisaria mais sair à cata de algum funcionário para conseguir uma senha de acesso ao WiFi. Já sob uma perspectiva comercial, o incentivo à utilização do sistema seria uma maior projeção da marca, juntamente com a possibilidade de ganhar acesso a um volume considerável de dados demográficos anônimos. Afinal, conhecer dados como idade, gênero e período de permanência do cliente pode ser vantajoso na hora de alinhar produtos, serviços e políticas da empresa.
Apesar da comodidade apregoada pelo Facebook e pela Cisco, entretanto, a tecnologia ainda esbarra em questões éticas pouco definidas, cujo saldo aparece na forma de certa desconfiança por parte dos usuários da tecnologia. “Eu acho um tanto incômodo, pouco prático mesmo”, diz o estudante universitário Lucas Ian Siqueira Martins, que considera o método um “empecilho” desnecessário. “Você ainda precisa expor sua localização para os outros, mesmo que vá ficar ali por um período muito curto.”
Troca de cortesias
Embora a exposição do check-in “obrigatório” possa ser considerada invasiva, há quem veja no método uma troca de favores razoável. O compositor e produtor musical Alexandre Campos, por exemplo, vê uma situação de vantagem mútua. “A questão é se estamos dispostos a abrir mão de um pouco de privacidade pela comodidade de uma internet ‘gratuita’”, diz Campos, que diz utilizar o método de checagem por redes sociais mais ágil. “Por outro lado, não vejo por que não dar a opção de as pessoas se cadastrarem anonimamente, sem precisar expor ao resto do mundo que estão frequentando determinado ambiente”, ele acrescenta.
Embora a interpretação de um “ganha-ganha” para estabelecimentos e clientela faça sentido, convém colocar os benefícios trocados em uma balança. Segundo o pesquisador em telecomunicações do Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor) Rafael Zanatta, é preciso atentar para o que pode ser considerado uma “vantagem excessiva” em relação aos direitos do consumidor. “No mínimo, o estabelecimento poderia oferecer duas formas [de checagem]”, afirma.
Já a pesquisadora do Instituto de Tecnologia e Sociedade do Rio de Janeiro (ITS Rio),Chiara de Teffé, lembra que, via de regra, a conexão sem fio não representa a atividade comercial central de uma loja ou de uma empresa. “Você pode até esperar que seja fornecida uma conexão, mas não é uma obrigação [do estabelecimento]”, diz Teffé. Para a advogada, ainda que a internet gratuita seja oferecida com frequência hoje em dia, trata-se ainda de uma comodidade adicional. “Isso ainda vale mesmo nos casos em que o estabelecimento foi escolhido por ofertar conexão WiFi”, afirma.
Transparência em uma “zona cinzenta”
Embora os pressupostos éticos associados à oferta de WiFi em pontos comerciais ainda divida opiniões, parece haver um consenso em relação à falta de dispositivos regulatórios mais específicos para o tema. Dispositivos capazes de fiscalizar e pautar as trocas, às vezes desiguais, de serviços por dados pessoais. “Nós ainda temos, nesse ponto, uma zona cinzenta – não há obrigações legais diretamente associadas a esse tema”, diz.
No entanto, ele continua: “A partir do momento em que um serviço passa a ser disponibilizado, levantam-se questões sobre as condições para que ele seja oferecido”. Para o pesquisador, trata-se oferecer informações mais claras aos usuários, sobretudo relativamente à forma como os dados são trocados entre agentes do setor privado. “Esse pós-marketing deveria ser mais transparente para o consumidor”.
No que se refere à escolha dos estabelecimentos, por exemplo, ele aponta para uma “questão de fundo” relacionada à segurança. “Os lojistas têm achado a opção interessante como forma de precaução, caso a rede seja utilizada para algum ato ilícito.” Zanatta lembra que o critério jurídico da responsabilização solidária pode incluir o fornecedor de uma conexão em processo por eventual crime digital. “Caso não possa fornecer os dados do cliente, o lojista pode ser considerado corresponsável”, explica. Dessa forma, uma autenticação via redes sociais poderia conferir uma segurança extra.
Cultura da exposição
Ainda que a divulgação de dados pessoais possa incomodar muitas pessoas, seria difícil negar que a inclusão das autenticações via check-in seja um saldo natural de uma cultura já naturalmente inclinada à exposição. Conforme defende o gerente de desenvolvimento de negócios da Cisco do Brasil, Malko Saez, o cuidado com os dados pessoais precisa anteceder a conexão em redes compartilhadas.
“Embora parte dos usuários ainda tenha receio [quanto à divulgação de informações], essa preocupação precisa vir antes dessa troca de informações”, diz Saez que, não obstante, atesta a boa aceitação do formato em território tupiniquim. “Trata-se de um processo natural na busca por monetização das conexões WiFi, algo constante desde o advento do primeiro iPhone”, afirma o executivo.
Entre limitações culturais e avanços mercadológicos, entretanto, parece certo que o embate entre costumes e tecnologia ainda deve alimentar muitas discussões – questões às vezes de difícil resposta, conforme aponta Chiara de Teffé. “Sempre que você faz um check-in, você insere no seu perfil a sua localização, dizendo a todos, em tempo real, onde você se encontra”, diz a pesquisadora, que conclui: “São coisas a se pensar, são temas mais delicados, talvez relacionados a possíveis violações de privacidade”. Por enquanto, resta ponderar sobre quanto vale uma conexão com internet.