A partir de hoje, quem assinar ou renovar um contrato de aluguel de imóvel estará sujeito às regras da nova Lei do Inquilinato. Entre as principais mudanças previstas está a polêmica redução dos prazos para desocupação dos imóveis em casos de inadimplência, possibilitando uma ação judicial de despejo após o atraso no pagamento de apenas uma parcela do aluguel. Nestes casos, o inquilino terá até 30 dias para desocupar o imóvel.
As entidades de defesa do consumidor demonstram preocupação com o que classificam de "possibilidade de despejo sumário", já que a nova lei desconsidera situações de dificuldades financeiras momentâneas que podem acarretar o atraso pontual nos pagamentos.
Pela lei antiga, o locatário podia atrasar o aluguel até duas vezes, no período de um ano. O terceiro atraso dava ao locador o direito de rescindir o contrato unilateralmente. Agora, o locatário somente poderá atrasar o pagamento uma única vez em um período de dois anos.
Já entre os avanços da nova lei, os especialistas apontam a determinação do pagamento de multa proporcional em caso de rescisão contratual. Antes, para não pagar o valor de todo o contrato, o locatário precisava recorrer ao Poder Judiciário.
A nova lei também regulamenta a figura do fiador que não era citada na antiga lei , garantindo-lhe o direito de se retirar do compromisso no momento da prorrogação do contratual. Para isso, ele deve comunicar essa decisão ao proprietário, ficando isento dos compromissos em 120 dias. Neste caso, caberá ao inquilino providenciar um novo fiador em 30 dias. Se não o fizer, o contrato será automaticamente transformado em locação sem fiança. Neste caso, porém, o locatário fica sujeito a prazos ainda menores, devendo desocupar o imóvel em apenas 15 dias em caso de notificação judicial.
O estudante universitário Dionadas Diego de Oliveira Santini, que está alugando um apartamento no bairro Cristo Rei, em Curitiba, vai assinar o contrato já sob as novas regras. Ele acredita que a lei vai facilitar o processo para quem está à procura de um imóvel. "A nova lei melhora a situação do inquilino já que não será mais necessária tanta burocracia. Por outro lado, os prazos ficam muito curtos para as ações de despejo. Caso eu perca o emprego, por exemplo, quase não terei tempo de arrumar outra coisa sob o risco de ser despejado", avalia.
A advogada Poliana Carlos da Silva, da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor (Pro Teste), orienta que, ao buscar um imóvel, o inquilino preste atenção ao valor mensal do aluguel, para avaliar se o custo é compatível com o orçamento. "Já nas situações em que o locatário passar por um momento de dificuldades financeiras por conta de algum imprevisto, ele deve procurar imediatamente o proprietário para propor um acordo. A negociação é sempre o melhor caminho", recomenda.
Segurança jurídica
Por outro lado, os locadores acreditam que a nova lei trará maior segurança e estabilidade nas relações com os locatários. Proprietária de um imóvel alugado, Adriana Koketsu em breve deve renovar o contrato com com seu inquilino. "A única dúvida é se o Judiciário vai mesmo agilizar esses processos (de despejo). Sem um fiador, por exemplo, qual a garantia que eu tenho de que o meu imóvel será recuperado no prazo previsto?", questiona.
A gerente-executiva da Galvão Imobiliária, Marise Hartmann, acredita que as mudanças devem aumentar a oferta de imóveis no mercado brasileiro. Este argumento foi usado pelos defensores da proposta durante o processo de tramitação do Projeto de Lei na Câmara dos Deputados. A tese é de que, com a agilização nos processos de despejo, imóveis que hoje permanecem até 18 meses sob litígio jurídico voltem mais rapidamente ao mercado. Para Marise, o setor imobiliário deverá levar cerca de três meses para começar a sentir os resultados práticos com a nova regulamentação.
Lojistas de shopping vão à Justiça contra mudança de regrasO Instituto Brasileiro de Defesa dos Lojistas de Shoppings (Idelos) entrou com uma ação Direta de inconstitucionalidade (Adin) no Supremo Tribunal Federal (STF) pedindo a suspensão dos efeitos da nova Lei do Inquilinato. A Adin terá como relatora a ministra Ellen Gracie, mas não há prazo definido para análise do processo.
As novas regras alteram a relação contratual na locação de imóveis não residenciais em pontos comerciais de shoppings e comércio de rua. O ponto mais sensível aos lojistas é o que prevê a ação de despejo nas ações renovatórias quando a loja vai à Justiça na tentativa de renovar o contrato de locação do imóvel quando o dono do ponto comercial não tem essa intenção.
Para o advogado Pedro Lessi, presidente do Idelos e autor da ADI/4366, ao permitir uma ação de despejo em prazo recorde, a nova lei atropela o devido processo legal, garantido pela Constituição. "O despejo passará a ocorrer sumariamente, eliminando a fase de instrução do processo. Neste caso, a apresentação e análise das provas será posterior à própria ação. Uma lei assim não pode vigorar por ser totalmente inconstitucional em todo o seu bojo. É o maior absurdo jurídico que já vi em 38 anos de atuação no Direito", argumenta.
Para ele, não se trata de defender os maus pagadores, e sim o que diz a própria Constituição. "A inadimplência faz parte do mundo econômico e social e existe no pagamento da pensão alimentícia, do aluguel ou da compra de bens e produtos. Mas tudo isso deve ser julgado com o devido processo legal, com a possibilidade de apresentação de provas e defesa. É preciso considerar que a inadimplência pode decorrer de diversos fatores imprevistos", defende.
Já o professor da Escola da Magistratura do Paraná e advogado Rodrigo Xavier Leonardo acredita que são poucas as chances de que o STF declare a lei inconstitucional. "O direito brasileiro tem convivido com demandas e liminares há muito tempo, como uma necessidade de garantir a celeridade do poder Judiciário. Uma lei que leva a maior rapidez no julgamento dos processos, a princípio, não tende a ser declarada inconstitucional", avalia.
Segundo ele, mesmo com a celeridade dos prazos, ainda assim qualquer juiz só poderá decretar ações de despejo caso todas as evidências estejam de acordo com o que está previsto na lei.
Colaborou Carla Bueno Comarella.