Ao defender as novas regras do Imposto de Renda, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem se referido às medidas como “justiça social”| Foto: Gustavo Moreno/SCO/STF
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A proposta de lei do governo para taxar os mais ricos no Imposto de Renda não deve incidir sobre os “penduricalhos” pagos a juízes que, na prática, dobram a remuneração dos magistrados, que já têm alguns dos salários mais altos do funcionalismo público do Brasil.

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De acordo com o pacote criado pelo governo Lula, quem ganha em média a partir de R$ 50 mil será taxado gradualmente. A alíquota pode chegar a 10% para ganhos anuais acima de R$ 1,2 milhão.

Acontece que o teto constitucional dos salários dos magistrados é de R$ 46.366,19, mas diversos “extras” são incorporados aos salários dos representantes do judiciário por fora do teto em forma de indenizações. 

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As indenizações, ainda que dupliquem os salários dos magistrados, não são taxadas devido a um entendimento de órgãos do Judiciário que foi incorporado à Constituição através da PEC do corte de gastos.

Indenizações

Mesmo considerando um cenário em que as indenizações fossem taxadas, os magistrados ainda não seriam alcançados pelas novas regras do Imposto de Renda.

Por exemplo, se um juiz hipotético for taxado sobre um salário bruto anual de R$ 602,7 mil (contando as 12 remunerações do teto mais o 13º salário), com base alíquota de 27,5%, pagará R$ 150 mil de Imposto de Renda.

Se o mesmo magistrado receber mais R$ 600 mil em penduricalhos durante um ano, terá uma renda bruta de R$ 1,2 milhão. Aplicando, em tese, a nova regra criada pelo governo, incidiria sobre o montante o mínimo de 10% e o magistrado pagaria cerca de R$ 120 mil em impostos.

Ou seja, de acordo com as novas regras, o magistrado estaria pagando o imposto com folga e não haveria mais nenhuma taxa adicional.

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De acordo com um levantamento do Poder 360, em 2024, os tribunais pagaram 63.816 salários mensais brutos acima de R$ 100 mil.

Exceções podem ocorrer no caso de juízes que têm rendimentos de outras fontes ou que recebam, eventualmente, valores superiores aos que já recebem atualmente. Mesmo assim, tais juízes podem ser favorecidos pela Justiça com base no entendimento sobre “indenizações”.

Na proposta de reforma do Imposto de Renda enviada ao Congresso, o governo Lula propõe isentar do imposto mínimo apenas para as indenizações por “acidente de trabalho, por danos materiais ou morais, ressalvados os lucros cessantes”.

Judiciário e MP pressionaram para manter indenizações fora do teto 

Conforme artigo publicado na Gazeta do Povo, em dezembro de 2024, a texto original da proposta de emenda à Constituição (PEC) 45/2024 estabelecia que só poderiam superar o teto do funcionalismo as parcelas "expressamente previstas em lei complementar".

Após pressão de representantes do Judiciário e do Ministério Público, a versão que foi aprovada pelo Congresso e agora está inscrita na Carta Magna, a Emenda Constitucional 135, permite que sejam pagas fora do limite as indenizações "expressamente previstas em lei ordinária".

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A aprovação de uma Lei Complementar exige quórum maior, o que a torna mais difícil de ser aprovada ou modificada, e prevalece sobre as leis ordinárias.

As leis complementares também predominam sobre resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP). Tais resoluções tratam-se de decisões administrativas, não aprovadas pelo Congresso, mas que têm força de lei segundo entendimento do Poder Judiciário.

“Justiça social”

Ao defender a reforma nas regras do Imposto de Renda, o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem se referido às medidas como “justiça social”.

De acordo com o ministro, as novas regras permitem aliviar a carga sobre quem ganha pouco e já paga muito imposto - no caso da isenção para quem ganha até R$ 5 mil - e cobrar de quem ganha muito e não paga nada.

De acordo com um estudo publicado pelo economista Bruno Carazza, em dezembro do ano passado, alguns dos penduricalhos acrescentados aos salários dos juízes são: “auxílio-moradia, auxílio-alimentação, auxílio-saúde, verbas de representação, gratificações por acúmulos de função ou de processos, além de indenizações pelo uso de celular pessoal, ajuda de custo para capacitação e até pagamentos para custear a educação privada de filhos e dependentes”.

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Todas essas verbas são declaradas como "indenizatórias", portanto, ficam fora do teto e livres do Imposto de Renda.

Ainda, segundo o levantamento, 93% dos magistrados e 91,5% dos promotores e procuradores do Ministério Público tiveram direito a benefícios extrateto em 2023.

Os “penduricalhos” também estão presentes no Legislativo e Executivo, porém, com alcance menor. No ano passado, 0,7% dos servidores da Câmara dos Deputados receberam verbas acima do teto. No Executivo, esse percentual foi de 0,14%. 

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]