Os desdobramentos da crise energética chegaram com força aos tribunais, onde está ocorrendo uma nova onda de judicialização de temas que podem fragilizar ainda mais o setor elétrico brasileiro. Além da “guerra de liminares” envolvendo obras atrasadas, três questões importantes também foram parar na Justiça: o recolhimento do ICMS da energia; o pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE); e o questionamento sobre a responsabilidade pelo risco hidrológico, que tem levado prejuízo bilionário à área de geração (leia mais nesta página).
No Paraná, pelo menos cinco empresas conseguiram reduzir na Justiça o ICMS pago sobre dois componentes da conta de luz - as tarifas de uso dos sistemas de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd). O argumento de que o tributo deve incidir apenas sobre o valor da mercadoria, e não sobre o seu transporte, teve parecer favorável na Justiça paranaense e em outros estados também, onde decisões semelhantes estão se replicando. Neste caso específico, os sucessivos aumentos na tarifa de energia foram determinantes para que as empresas recorressem à Justiça para tentar amenizar parte desse ônus, lembra o advogado Atila Mello, do Castilho &ScafManna Advogados, que defende clientes com essa demanda. “O assunto ainda é novo, mas pode levar a uma enxurrada de ações nos estados”, avalia.
Os atrasos nas obras do setor são outra fonte de disputas judiciais. Pronta desde o início deste ano, a usina de Teles Pires, no Mato Grosso, com 1.820 megawatts (MW) de potência, ainda não gerou a energia porque a linha de transmissão não está pronta. O consórcio dono da hidrelétrica entrou na Justiça para cobrar o prejuízo do responsável pela malha, o consórcio Matrinchã, formado pela chinesa State Grid e pela Copel.
Casos como este se repetem aos montes no setor elétrico brasileiro em obras transmissão e geração. Liminares protegem as empresas da responsabilidade pelos atrasos com base em alegações como problemas com as liberações de licenças ambientais e greves de trabalhadores nos canteiros de obras. Argumentos como esse já foram utilizados, por exemplo, pelas hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Colíder, da Copel, cuja primeira turbina deve entrar em operação no segundo semestre de 2016, com quase dois anos de atraso em relação ao cronograma original previsto no contrato. As distribuidoras que contrataram a energia dessas obras atrasadas precisam recorrer ao mercado livre, onde o preço é maior, para atender suas demandas.
Negociação
Enquanto os processos se multiplicam nos tribunais, o governo corre para evitar que temas espinhosos ganhem corpo na Justiça. No momento, a maior ameaça é a tese de que as geradoras não devem pagar pelo custo maior da energia por causa da seca. Uma série de liminares livram as principais geradoras das perdas geradas pelo déficit de geração hídrica, o chamado GSF, elevando o risco de inadimplência na liquidação dos contratos feita mensalmente na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Só neste ano, o rombo estimado pelas empresas com a geração abaixo da garantia física é de quase R$ 20 bilhões. “Esta é, sem dúvida, a questão com o maior potencial de prejuízo e danos para o mercado porque afeta todo o processo de liquidação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)”, afirma Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc Energia. “Se não for resolvido logo, esse problema pode travar o mercado”, acrescenta.
O governo tenta convencer as empresas a desistirem das liminares e costura uma solução para o problema. Uma das propostas inclui a transferência desse custo para o consumidor, por meio de um sistema semelhante ao de bandeiras tarifárias, que tem amenizado o problema de caixa das distribuidoras.