Nivaldo Ramalho de Oliveira, diretor administrativo-financeiro da rede Deville, que conseguiu impedir a cobrança de ICMS| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Os desdobramentos da crise energética chegaram com força aos tribunais, onde está ocorrendo uma nova onda de judicialização de temas que podem fragilizar ainda mais o setor elétrico brasileiro. Além da “guerra de liminares” envolvendo obras atrasadas, três questões importantes também foram parar na Justiça: o recolhimento do ICMS da energia; o pagamento da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE); e o questionamento sobre a responsabilidade pelo risco hidrológico, que tem levado prejuízo bilionário à área de geração (leia mais nesta página).

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Corrida à Justiça

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No Paraná, pelo menos cinco empresas conseguiram reduzir na Justiça o ICMS pago sobre dois componentes da conta de luz - as tarifas de uso dos sistemas de transmissão (Tust) e de distribuição (Tusd). O argumento de que o tributo deve incidir apenas sobre o valor da mercadoria, e não sobre o seu transporte, teve parecer favorável na Justiça paranaense e em outros estados também, onde decisões semelhantes estão se replicando. Neste caso específico, os sucessivos aumentos na tarifa de energia foram determinantes para que as empresas recorressem à Justiça para tentar amenizar parte desse ônus, lembra o advogado Atila Mello, do Castilho &ScafManna Advogados, que defende clientes com essa demanda. “O assunto ainda é novo, mas pode levar a uma enxurrada de ações nos estados”, avalia.

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Os atrasos nas obras do setor são outra fonte de disputas judiciais. Pronta desde o início deste ano, a usina de Teles Pires, no Mato Grosso, com 1.820 megawatts (MW) de potência, ainda não gerou a energia porque a linha de transmissão não está pronta. O consórcio dono da hidrelétrica entrou na Justiça para cobrar o prejuízo do responsável pela malha, o consórcio Matrinchã, formado pela chinesa State Grid e pela Copel.

BARREIRA ROMPIDA

A Medida Provisória 579 abriu caminho para uma série de processos que correm na Justiça. Da renovação das concessões ao rateio bilionário dos custos de acionamento das termelétricas, a maior parte das novas ações são desdobramentos da MP 579 de 2012,que reduziu a conta de energia em quase 20% em troca da renovação antecipada das concessões. “Antes da MP, os agentes evitavam entrar na Justiça até o último instante por se tratar de um setor muito regulado, com muita interferência do governo e financiado pelo basicamente por bancos estatais. A partir da MP, toda vez que um agente se sente prejudicado, ele entra na Justiça”, afirma Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc.

Casos como este se repetem aos montes no setor elétrico brasileiro em obras transmissão e geração. Liminares protegem as empresas da responsabilidade pelos atrasos com base em alegações como problemas com as liberações de licenças ambientais e greves de trabalhadores nos canteiros de obras. Argumentos como esse já foram utilizados, por exemplo, pelas hidrelétricas de Santo Antônio, Jirau e Colíder, da Copel, cuja primeira turbina deve entrar em operação no segundo semestre de 2016, com quase dois anos de atraso em relação ao cronograma original previsto no contrato. As distribuidoras que contrataram a energia dessas obras atrasadas precisam recorrer ao mercado livre, onde o preço é maior, para atender suas demandas.

Negociação

Enquanto os processos se multiplicam nos tribunais, o governo corre para evitar que temas espinhosos ganhem corpo na Justiça. No momento, a maior ameaça é a tese de que as geradoras não devem pagar pelo custo maior da energia por causa da seca. Uma série de liminares livram as principais geradoras das perdas geradas pelo déficit de geração hídrica, o chamado GSF, elevando o risco de inadimplência na liquidação dos contratos feita mensalmente na Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE). Só neste ano, o rombo estimado pelas empresas com a geração abaixo da garantia física é de quase R$ 20 bilhões. “Esta é, sem dúvida, a questão com o maior potencial de prejuízo e danos para o mercado porque afeta todo o processo de liquidação da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica (CCEE)”, afirma Cristopher Vlavianos, presidente da Comerc Energia. “Se não for resolvido logo, esse problema pode travar o mercado”, acrescenta.

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O governo tenta convencer as empresas a desistirem das liminares e costura uma solução para o problema. Uma das propostas inclui a transferência desse custo para o consumidor, por meio de um sistema semelhante ao de bandeiras tarifárias, que tem amenizado o problema de caixa das distribuidoras.

Redução do ICMS na Justiça favorece empresas que não têm direito à compensação

O argumento de que o ICMS deve incidir apenas sobre o valor da energia, e não sobre o seu transporte, tem sido acolhido pela Justiça de vários estados brasileiros. Nem todas as empresas que entrarem na Justiça, contudo, terão ganhos significativos com uma decisão favorável, ressalta Elton Lacerda Dutra, coordenador do contencioso tributário do Martinelli Advogados Paraná. Segundo ele, a via judicial tem se mostrado mais viável para prestadores de serviços - como hotéis, shoppings e hospitais - que não têm a possibilidade de compensar créditos de ICMS, como faz a indústria, por exemplo. “É importante avaliar, pois nem sempre haverá um ganho direto com a ação. Há casos em que a economia não compensa”, diz Dutra.

A rede curitibana de hotéis Deville é uma das cinco empresas paranaenses que conseguiram na Justiça liminares impedem a cobrança do ICMS sobre as tarifas Tust e Tusd, reduzindo assim a base de cálculo do imposto cobrado na fatura. Depois de trocar equipamentos, substituir lâmpadas frias por LED e utilizar geradores em horários de ponta, a empresa recorreu à Justiça para tentar amenizar o peso crescente da tarifa de energia no custo de operação. A empresa obteve decisões favoráveis em caráter liminar nos estados do Mato Grosso, Paraná, São Paulo e Rio Grande do Sul que devem representar uma economia de até 2% na fatura total de energia, estima Nivaldo Ramalho de Oliveira, diretor administrativo-financeiro da rede Deville. “Depois da folha de pagamento e dos encargos, a energia elétrica é o nosso terceiro maior custo. Parece pouco, mas a possibilidade de a cobrança retroativa dos últimos cinco anos acrescido de correção monetária nos motivou”, afirma. Do primeiro semestre de 2014 para cá, o peso da energia em relação à receita total da rede passou de 3,39% para 5,14%, alta de quase 36%. Apesar de já poder se beneficiar da liminar, a rede decidiu depositar o valor em juízo até uma decisão final da Justiça.