O Banco Central surpreendeu ao anunciar, na quarta-feira (27), um teto – isto é, uma taxa máxima de juros – para o cheque especial. Essa modalidade, na qual o banco faz um empréstimo automático para quem fica com saldo negativo na conta, é uma das mais caras do país, com taxas comparáveis às do rotativo do cartão de crédito.
A partir do ano que vem, essa linha de crédito ficará bem mais barata. Em contrapartida, as instituições financeiras poderão cobrar uma tarifa – além do juro propriamente dito – para quem quiser usar o cheque especial, mesmo que não o use.
Trata-se de uma intervenção inédita, que chama atenção em um governo marcado por políticas econômicas liberais. É a primeira vez que o BC impõe um limite para os juros de uma linha de crédito que usa recursos livres (isto é, dinheiro que não tem direcionamento obrigatório, como ocorre com certas modalidades de financiamento habitacional).
Tire suas dúvidas sobre a mudança no cheque especial:
1. Quando a nova regra do cheque especial entra em vigor
As medidas relacionadas ao teto para a taxa de juros do cheque especial entram em vigor em 6 de janeiro de 2020.
A tarifa que dá direito ao uso de cheque especial também pode ser cobrada a partir de 6 de janeiro de 2020, mas somente em contratos firmados a partir de então (isto é, novas contas).
Para contratos em vigor (contas já existentes), a cobrança de tarifa será permitida a partir de 1.º de junho de 2020. Antes disso, apenas se os contratos forem "repactuados" entre banco e cliente.
A portabilidade do cheque especial, por sua vez, é válida a partir de abril de 2020.
2. Qual é a taxa de juros do cheque especial hoje
Hoje não existe uma taxa máxima; cada instituição cobra o que bem entender. Em outubro, os bancos cobravam em média 12,4% ao mês (ou 305,9% ao ano) de juros de quem usasse o cheque especial, isto é, de quem ficasse com saldo negativo na conta.
A modalidade é uma das mais caras do país. A título de comparação, em outubro o rotativo do cartão de crédito custava, em média, 12,6% ao mês (317,2% ao ano). E a taxa média de todas as operações de crédito para pessoas físicas, com recursos livres, era de 3,4% ao mês (49,7% ao ano).
Todos os valores acima são muito superiores à taxa básica de juros (Selic), referência para o custo da dívida pública e para boa parte dos empréstimos, que no fim de outubro recuou de 5,5% para 5% ao ano. O juro cobrado do consumidor é muito maior porque embute todos os custos da concessão de empréstimo (inadimplência, custos administrativos, compulsório, encargos fiscais, FGC, impostos diretos) e, claro, o lucro dos bancos.
3. Qual será a taxa máxima do cheque especial
De 8% ao mês, ou 152% ao ano. Esse é o teto: os bancos não poderão cobrar mais que isso. Se quiserem, poderão cobrar menos.
4. O que muda no tamanho da dívida
Corrigido pela taxa média atual, de 12,4% ao mês, um saldo negativo de R$ 1 mil na conta se transforma, ao longo de um ano, numa dívida de R$ 4.058.
No caso de um banco que venha a cobrar o teto do cheque especial, de 8% ao mês, os mesmos R$ 1 mil vão se transformar em R$ 2.518 após 12 meses.
5. Contrapartida: uma nova tarifa para ter direito ao limite
A redução forçada no juro do cheque especial terá uma contrapartida. A partir do momento em que as novas regras entrarem em vigor, o cliente pagará uma tarifa mensal para ter direito a usar o cheque especial – isto é, para que seu saldo possa ficar negativo. Essa tarifa será cobrada todo mês, mesmo que a conta não caia no vermelho.
A tarifa será de 0,25%. Mas ela não será cobrada de todos os clientes. Aqueles que desejarem um limite de até R$ 500 negativos na conta serão isentos dessa tarifa. Também haverá – como já existe hoje – a opção de não ter cheque especial.
Para quem quiser limites superiores a R$ 500, a tarifa de 0,25% será cobrada sobre o que exceder esses R$ 500. Para um limite de R$ 1,2 mil, por exemplo, será cobrado 0,25% de R$ 700 (o valor que excede os R$ 500 isentos). A tarifa, nesse caso, será de R$ 1,75 mensais.
6. Quantas pessoas estariam livres da nova tarifa
Segundo o Banco Central, cerca de 80 milhões de brasileiros têm direito a cheque especial hoje, e 19 milhões estariam isentos da tarifa de 0,25%.
7. Por que o BC decidiu impor um teto ao cheque especial
Segundo o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, as novas regras foram desenhadas para beneficiar os mais pobres, para que eles não paguem pelo "luxo" dos mais ricos de terem acesso ao cheque especial sem necessariamente usá-lo.
"A finalidade é tirar o peso das costas de quem tem menos recursos e estava pagando para um custo que não era associado ao produto que ele estava usando", disse Campos Neto ao jornal "O Estado de S. Paulo".
Em nota, o BC afirmou que a ideia é corrigir uma "falha de mercado", para reduzir custo e a regressividade do cheque especial, "considerando que o produto é mais utilizado por clientes de menor poder aquisitivo e educação financeira", e também estimular as pessoas a fazer um uso mais racional do limite.
8. Outra novidade: a portabilidade do cheque especial
A partir de abril de 2020, os brasileiros poderão migrar sua dívida com cheque especial para outro banco, que ofereça condições mais vantajosas.
"O objetivo da medida é permitir a transferência de dívidas de uma linha de crédito caras para outras modalidades mais baratas", disse o Banco Central, em nota. "Como o saldo devedor dessas operações pode variar diariamente, será criado um 'valor máximo de cobertura' para a instituição que irá receber o crédito, que não poderá ser superior ao valor informado pela instituição credora original."
9. E o parcelamento do cheque especial?
Desde meados de 2019 os bancos oferecem um parcelamento para dívidas no cheque especial, no qual pessoas que devem mais de R$ 200 são convidadas a pegar outro tipo de empréstimo, mais barato, para cobrir o débito. Essa modalidade continuará existindo.
A expectativa da Febraban, representante dos bancos, era de que a migração para a nova modalidade acelerasse a queda dos juros. Não foi o que ocorreu: em junho de 2018, antes do início da nova dinâmica, a taxa média do cheque especial era de 304,9% ao ano; em outubro deste ano, o juro era de 305,9%. E tudo isso em meio à contínua queda da Selic.