Reduções e isenções de impostos estiveram entre as mais bem-sucedidas medidas adotadas pelo governo federal para enfrentar a crise. De janeiro a outubro, o Fisco abriu mão da arrecadação de R$ 21,6 bilhões, atitude que fomentou a expansão do mercado de automóveis e eletrodomésticos, além de reduzir as perdas no varejo de materiais de construção. Com as desonerações anunciadas nesta semana, o governo vai renunciar, até meados de 2010, a outros R$ 2,2 bilhões dinheiro capaz de bancar 44% das obras de ampliação e reforma de aeroportos anunciadas com vistas à Copa do Mundo de 2014. Mas, se agradou empresários e consumidores, desta vez a medida não contou com o apoio irrestrito de economistas e tributaristas, que se mostraram divididos sobre o assunto.Inesperada, a nova rodada de benesses provocou uma série de desconfianças. O governo têm dificuldades para fechar suas contas, e causa estranheza ao renovar benefícios em meio aos sinais de retomada da economia abundantes no caso dos automóveis, cujas vendas cresceram 7,4% neste ano. Para o economista Joaquim Elói Cirne de Toledo, o governo precisa redirecionar o foco dos incentivos, tirando-o do consumo e colocando-o sobre o investimento produtivo. Caso contrário, diz, a demanda pode sobrecarregar a indústria, gerar inflação e, assim, antecipar um ciclo de aumento dos juros. Por outro lado, Antônio Corrêa de Lacerda, professor da PUC-SP, não vê risco de descontrole inflacionário. Segundo ele, a ociosidade do parque industrial ainda é grande, e o consumo maior naturalmente incentivará o empresário a investir em capacidade produtiva.
A ideia de prolongar até março de 2010 a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) cobrado de veículos flex soou como jogada de "marketing verde", sob medida para ser apresentada na conferência de Copenhague, em dezembro, junto com o estímulo aos refrigeradores de baixo consumo de energia. O detalhe é que, independentemente da alíquota do IPI, os bicombustíveis dominam o mercado há anos eles são 9 de cada 10 carros vendidos.
Mais bem-recebida, a isenção do IPI de móveis atende a uma antiga e insistente reivindicação do setor. "A indústria moveleira foi uma das mais afetadas pela crise", lembra a economista Fernanda Feil, da consultoria Rosenberg. Estranho é o incentivo ter chegado somente 14 meses após o estouro da crise. Para a tributarista Lucyanna Lima Lopes Fatuche, essa repentina lembrança por parte do governo revela um possível caráter eleitoreiro da medida. "A indústria de móveis está concentrada no Sul do país, onde a ministra Dilma Rousseff sofre mais resistência."
O tributarista Gilson Faust, da Pactum Consultoria Empresarial, pondera que "toda desoneração é positiva", e diz que a demora pode estar ligada a outros fatores. "O governo foi experimentando, tateando, testando a reação da economia. Começou com automóveis, viu a repercussão positiva e assim foi estendendo a desoneração a outros setores."
Eduardo Munhoz da Cunha, tributarista da Katzwinkel & Advogados Associados, afirma que procedem as queixas de estados e municípios, que juntos têm direito a 47% do IPI arrecadado e, com as desonerações, receberão repasses menores. "Mas quando a medida é boa, municípios e estados são compensados com a manutenção de empregos e a geração de outros tributos", ressalva.
Se dividem especialistas, as novas medidas tendem a ser bem aceitas pelo consumidor. O grupo Pão de Açúcar, por exemplo, anunciou ontem mesmo descontos de até 25% em produtos da linha de móveis, e disse esperar aumento de 30% nas vendas. Até porque estímulos semelhantes fizeram o mercado de linha branca crescer 20% nos últimos meses, informou o grupo.
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