Lula entrega ao presidente da Câmara, Hugo Motta, o projeto com as novas regras do Imposto de Renda.| Foto: Reprodução/YouTube/CanalGov
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O governo federal anunciou nesta terça-feira (18) sua proposta para as novas regras do Imposto de Renda. As principais são a isenção do tributo para quem ganha até R$ 5 mil por mês e a retomada da taxação de dividendos de sócios de empresas, extinta há 30 anos.

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A tributação dos mais ricos servirá para compensar o impacto fiscal provocado pela isenção aos contribuintes de renda mais baixa. O governo espera que o Congresso aprove a nova legislação ainda neste ano, para vigorar de 2026 em diante.

Segundo o Ministério da Fazenda, a nova isenção alcançará 10 milhões de pessoas, elevando para 26 milhões o número de declarantes isentos de Imposto de Renda. Em contrapartida, a instituição de um "imposto mínimo" sobre rendas mais altas deve afetar 141 mil contribuintes, o equivalente a 0,13% dos tributados pelo IR.

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"É um projeto equilibrado do ponto de vista fiscal, e busca justiça social. Não se pretende arrecadar mais nem menos, e sim fazer justiça", disse o ministro da Fazenda, Fernando Haddad. "Estamos apresentando aqui um projeto de sociedade. Queremos melhorar enquanto sociedade."

Em discurso, Lula disse que o projeto "não vai aumentar em um centavo a carga tributária da União". "O que estamos fazendo é apenas uma reparação. Estamos falando que 141 mil pessoas vão contribuir para que 10 milhões de pessoas não paguem Imposto de Renda. É simples assim", afirmou.

"Não vai machucar ninguém, não vai deixar ninguém pobre, não vai fazer com que os que contribuam deixem de comer a sua carne, sua salada, seu camarão, sua lagosta, seu filé mignon. Mas vai permitir que o pobre possa comer um pouco de carne, seja com musculo, seja filé mignon, seja alcatre, seja um contra-filé, ou seja um fígado, qualquer coisa", completou o presidente.

Dados divulgados pelo próprio Ministério da Fazenda, no entanto, põem em dúvida a afirmação de que as mudanças no Imposto de Renda serão neutras do ponto de vista de arrecadação (leia mais adiante).

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Nova tabela do IR vale para quem ganha até R$ 5 mil, com benefício residual até R$ 7 mil

As novas regras propostas pelo governo alteram a lógica de cobrança do Imposto de Renda. Com isso, a nova faixa isenta não valerá para todos os contribuintes. Ela será exclusiva aos de renda mais baixa.

Hoje o Imposto de Renda é cobrado sobre parcelas do rendimento, de modo que até os assalariados mais bem-pagos têm parte de sua renda isenta ou submetida a alíquotas mais baixas. Um contribuinte que ganha R$ 8 mil mensais, por exemplo, paga imposto somente sobre a parcela que excede R$ 2.259 (a atual faixa isenta). Ou seja, a taxação recai sobre os R$ 5.741 restantes, nos quais incidem diferentes alíquotas progressivas (7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%).

Na nova sistemática, haverá diferentes tabelas de tributação. A tabela com isenção de R$ 5 mil será válida para contribuintes que ganhem no máximo esse valor por mês, com um benefício residual, decrescente, para os que recebam até R$ 7 mil mensais.

O governo usará uma espécie de tabela de descontos para o público que ganha de R$ 5 mil a R$ 7 mil mensais:

  • para quem ganha R$ 5 mil, o "imposto sem desconto" seria de R$ 312,89. Com desconto de 100%, o imposto final a pagar é de zero.
  • para renda de R$ 5,5 mil ao mês, haverá desconto de 75% em relação ao tributo convencional (R$ 436,79) e o imposto final a pagar será de R$ 202,13 mensais.
  • para renda de R$ 6 mil ao mês, haverá desconto de 50% em relação ao tributo convencional (R$ 574,29) e o imposto final a pagar será de R$ 417,85.
  • para renda de R$ 6,5 mil ao mês, haverá desconto de 25% em relação ao tributo convencional (R$ 711,79) e o imposto final a pagar será de R$ 633,57.
  • para renda de R$ 7 mil, não haverá desconto, e o imposto final a pagar será de R$ 849,29 ao mês.
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Para quem ganha de R$ 7 mil em diante, valerá a tabela progressiva "convencional", parecida com a atual, em que a faixa isenta é bem menor. Ou seja: ao contrário do que ocorreria se a lógica atual fosse mantida, o contribuinte que ganha R$ 8 mil não terá direito a uma faixa isenta de R$ 5 mil, com taxação apenas dos R$ 3 mil restantes.

Essa foi a forma encontrada pelo governo para dizer que cumpriu a promessa de campanha de Lula – a isenção de R$ 5 mil – sem afetar tanto os cofres públicos.

Em sua fala, o presidente leu comparações preparadas pelo Ministério da Fazenda sobre a tributação atual e a proposta. Uma professora que ganhe R$ 4.867 por mês, por exemplo, recolhe cerca de R$ 305 mensais em IR. Com a nova regra, será isenta e economizará cerca de R$ 3.970 por ano, incluindo o IR sobre o 13.º salário.

Enquanto isso, um autônomo com renda mensal de R$ 5.450, que hoje paga R$ 447 de Imposto de Renda por mês, passará a recolher pouco mais de R$ 180. E uma enfermeira com salário de R$ 6.260 pagará R$ 530 mensais, cerca de R$ 140 menos que hoje.

À exceção de uma nova mudança na faixa isenta a ser feita ainda em 2025, para que seja de novo equivalente a dois salários mínimos (leia mais adiante), o governo não indicou alterações no restante da tabela padrão do Imposto de Renda. A maior parte das faixas tributadas não sofre qualquer atualização desde abril de 2015. Hoje a tabela progressiva padrão é esta:

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  • rendimento de até R$ 2.259,20: isento
  • de R$ 2.559,21 a R$ 2.826,65: alíquota de 7,5%, com dedução de R$ 169,44
  • de R$ 2.826,66 a R$ 3.751,05: alíquota de 15%, com dedução de R$ 381,44
  • de R$ 3.751,06 a R$ 4.664,68: alíquota de 22,5%, com dedução de R$ 662,77
  • rendimento acima de R$ 4.664,68: alíquota de 27,5%, com dedução de R$ 896.

A partir de 2026, se aprovado o projeto enviado ao Congresso, a tributação será a seguinte, segundo a Fazenda:

  • rendimento de até R$ 5 mil: isenção total, com a aplicação de descontos em relação à tabela padrão
  • de R$ 5 mil a R$ 7 mil: desconto parcial
  • rendimento a partir de R$ 7 mil: segue a tabela progressiva padrão, como a reproduzida acima, com diferença apenas na faixa isenta, que deve ser de R$ 2.428,80.

Novas regras do Imposto de Renda: imposto mínimo e taxação de dividendos na fonte

A compensação da renúncia de arrecadação provocada pela ampliação da isenção será feita por meio de outra nova regra do Imposto de Renda. Quem ganha acima de R$ 50 mil mensais (R$ 600 mil ao ano), obedecerá à tabela progressiva padrão citada acima, mas com um "plus".

O governo fará uma cobrança extra para garantir que esses contribuintes paguem um mínimo de imposto efetivo. A alíquota mínima subirá gradualmente a partir da renda de R$ 600 mil ao ano, no que Haddad descreveu como "escadinha muito suave", saindo de 0% e chegando a 10% para quem ganha acima de R$ 1,2 milhão mensais.

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Exemplo: quem ganha R$ 110 mil mensais (R$ 1,32 milhão ao ano) terá de pagar pelo menos 10% de Imposto de Renda, o que dá R$ 132 mil em um ano. Caso o imposto pago no exercício tenha sido de R$ 100 mil, o contribuinte terá de complementar com R$ 32 mil para chegar à tributação de 10%.

Em apresentação enviada à imprensa, o Ministério da Fazenda deu alguns exemplos do imposto mínimo efetivo. Segundo o documento, um executivo com renda de R$ 650 mil ao ano sofrerá tributação efetiva de pelo menos 0,83% com as novas regras. Para uma investidora com renda anual de R$ 780 mil, a taxação será equivalente a 3%. Para um empresário com renda de R$ 850 mil, a alíquota efetiva chegará a 4,16%. Se a renda for de R$ 1,25 milhão ao ano, a tributação mínima será de 10%.

De acordo com a Fazenda, hoje os contribuintes com rendimento superior a R$ 600 mil por ano pagam alíquota efetiva de IR de 2,54% em relação à renda total, em média. A baixa tributação efetiva vem do fato de que grande parte desses contribuintes têm renda oriunda principalmente de fontes hoje isentas, como os dividendos. Eles passarão a ter alíquota efetiva média de 9% caso as novas regras sejam aprovadas, conforme a apresentação da pasta.

Em uma lista de perguntas e respostas publicada no site do Planalto, o governo afirma que um trabalhador formal (CLT) que ganha R$ 55 mil mensais não será mais taxado do que já é. "Quem tem vínculo CLT já tem imposto retido na fonte. Nada muda", diz o texto.

Dividendo será tributado em 10% na fonte

Para que a arrecadação desse "imposto mínimo" não se dê apenas em 2027, quando será entregue a declaração do IR referente a 2026, o governo quer instituir já no ano que vem a taxação de dividendos na fonte.

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Lucros e dividendos distribuídos por empresas a seus acionistas são isentos de Imposto de Renda desde 1995, quando o governo de Fernando Henrique Cardoso (PSDB) decidiu concentrar a tributação nas empresas, que hoje pagam alíquota nominal de até 34%, na soma de IRPJ e CSLL.

O novo mecanismo será semelhante à retenção de parte dos salários dos trabalhadores, que já ocorre hoje, com um "encontro de contas" no momento da declaração de IR – quando o contribuinte pode ter de pagar imposto a mais ou receber uma restituição.

Na sistemática proposta pelo governo, ao distribuir lucros para os sócios, a empresa já vai reter uma parte e repassar ao Fisco. Essa fração será de 10% se a companhia distribuir a um acionista residente no Brasil mais de R$ 50 mil em dividendos no mês. Se o sócio residir no exterior, a retenção na fonte será de 10% sobre qualquer valor.

Segundo Haddad, só terão de fazer a retenção na fonte as empresas que pagam menos impostos corporativos que os definidos na lei, ou seja, as que se beneficiam de algum tipo de regime que reduza a tributação efetiva. "Quando [a empresa] paga a alíquota definida em lei, também aquele rendimento [dividendo] permanece isento", disse Haddad.

De acordo com o governo, isso garante que a soma de tributação efetiva da pessoa jurídica e taxação mínima do dividendo não vai superar 34% nas empresas não financeiras e 45% nas financeiras. "Se ultrapassar, haverá restituição/crédito no ajuste anual da pessoa física", diz documento da Fazenda.

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Quais rendas não serão consideradas na alíquota mínima

Segundo o governo, a renda considerada para a fixação da alíquota mínima não inclui:

  • ganho de capital;
  • herança ou doação; e
  • rendimentos recebidos acumuladamente.

Ficam excluídos da base de cálculo da tributação mínima:

  • títulos e valores mobiliários isentos;
  • poupança;
  • aponsentadoria e pensão de moléstia grave; e
  • indenizações.

Estimativa de arrecadação divulgada pela Fazenda supera renúncia fiscal

A renúncia de arrecadação com a nova isenção era estimada por Haddad em R$ 27 bilhões. Caso a parcela isenta de R$ 5 mil valesse para todos os contribuintes, o impacto sobre as contas do governo poderia chegar a R$ 120 bilhões, de acordo com cálculos da Receita Federal.

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Em apresentação sobre a proposta, a Fazenda citou valores um pouco diferentes de renúncia fiscal, e também publicou estimativas de arrecadação que superam essa renúncia, pondo em dúvida o discurso do governo de que a reforma será neutra do ponto de vista fiscal.

Conforme a pasta, a Receita deixará de arrecadar R$ 25,84 bilhões em 2026 com nova isenção até R$ 5 mil (e desconto até R$ 7 mil).

Por outro lado, haverá um ganho total de R$ 34,12 bilhões, oriundo de Imposto de Renda mínimo de 10% sobre a alta renda (R$ 25,22 bilhões) e IR de 10% na remessa de dividendos ao exterior (R$ 8,9 bilhões).

A Fazenda também afirma que haverá perda de arrecadação anual de R$ 5 bilhões com a atualização da faixa isenta para dois salários mínimos já em 2025 (veja abaixo). Não está claro de onde virá compensação para esse valor neste ano. Ainda que ele seja somado aos R$ 25,84 bilhões de impacto projetados de 2026 em diante, a renúncia total ainda fica abaixo do ganho projetado com a cobrança de IR sobre a alta renda.

Governo promete isenção de IR até dois salários mínimos "ainda em 2025"

Ao anunciar as novas regras do Imposto de Renda, que precisam de aprovação do Congresso para entrar em vigor em 2026, o governo também informou que pretende fazer um ajuste na faixa de isenção ainda em 2025. O objetivo é que os trabalhadores que ganham até dois salários mínimos mensais voltem a ser isentos.

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Conforme noticiou a Gazeta do Povo, como o salário mínimo foi reajustado para R$ 1.518 em 1.º de janeiro e a tabela do IR não foi modificada, quem ganha dois pisos salariais (o equivalente hoje a R$ 3.036) voltou a ser tributado pelo IR. A faixa isenta, com o desconto simplificado, permaneceu em R$ 2.824 (equivalente a dois salários mínimos de 2024).

Segundo o governo, o ajuste fará com que a nova faixa isenta suba para R$ 2.428,80, que, somada ao desconto simplificado de R$ 607,20, corresponderá a uma isenção total de R$ 3.036.

Essa nova isenção, porém, não valerá para quem usa o modelo completo da declaração de Imposto de Renda, que dá direito a deduções com dependentes, saúde e educação. Para esses contribuintes, valerá a faixa isenta de R$ 2.428,80.

Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]