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Intervenção na economia

Um novo capitalismo? Mais Estado? O que analistas esperam para a era pós-coronavírus

Grafite em Chennai, Índia: isolamento social e recessão profunda provocados pelo coronavírus podem transformar o capitalismo e aumentar a presença do Estado na economia? (Foto: Arun Sankar/AFP)

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Além de desencadear a pior crise econômica mundial desde a Grande Depressão, conforme afirmou a diretora-gerente do Fundo Monetário Internacional (FMI), Kristalina Georgieva, a pandemia da Covid-19 levantou o debate sobre a possibilidade de uma transformação profunda no capitalismo como não se vê desde os anos 1980. Economistas, cientistas sociais e políticos começam a apontar – não de forma unânime – que uma maior presença do Estado na economia pode ser o novo normal, em oposição ao modelo que tem vigorado nos últimos 40 anos.

Uma das principais publicações de economia do mundo, o jornal inglês "Financial Times", defendeu recentemente em editorial essa transformação no capitalismo. O diário destacou que o fechamento do comércio para tentar estancar a epidemia está saindo mais caro para os que já vivem em situação precária e que a população mais jovem, que mais sofre agora com a perda de renda, deve ser restituída no futuro. Para isso, defende ações estatais.

“Reformas radicais – invertendo a direção política predominante das últimas quatro décadas – precisarão ser colocadas na mesa. Os governos terão de aceitar um papel mais ativo na economia. Eles devem ver os serviços públicos como investimento, e não como passivo, e procurar maneiras de tornar o mercado de trabalho menos inseguro. A redistribuição estará novamente na agenda”, escreveram os editorialistas do jornal.

Gasto público também aumentou em 2008

Na tentativa de reduzir o impacto da paralisação de grande parte das atividades econômicas, governos de todo o mundo têm anunciado aumentos extraordinários dos gastos públicos. A questão é por quanto tempo essa participação estatal permanecerá. A crise de 2008, apesar de também ter levado os estados a intervirem de forma importante na economia, não foi suficiente para transformar o sistema.

“Naquela época, tivemos uma crise financeira. Bancos quebraram, mas indústria e comércio continuaram. Hoje parou tudo. Aí se revelou que algumas pessoas não têm nada a não ser sua mão de obra”, diz o cientista político Carlos Melo, professor do Insper.

O economista Eduardo Giannetti aponta que do ponto de vista das políticas públicas, a situação atual é bastante semelhante ao que ocorreu em 2008. "É o mesmo tipo de ação agressiva de políticas monetária e fiscal, tentando reerguer uma economia. A gente está na UTI. As ações cabíveis em situação de UTI são diferentes das de uma situação normal. Depois, o mais provável é que a preocupação com o equilíbrio das finanças públicas volte ao que sempre foi."

O economista lembra ainda que, no século 20, os momentos em que o Estado aumentou de tamanho coincidiram com as guerras mundiais. Para ele, porém, a tendência hoje é que a preocupação dos países em manter suas contas públicas saudáveis seja retomada após essa fase mais crítica. “Uma crise dessa magnitude vai acelerar transformações na economia mundial. Mas colocar em termos de fim do capitalismo, onde surge uma nova era da economia mundial, acho exagerado.”

Sociedade precisará de mais assistência social e médica

O professor Carlos Melo ressalta que, com a Covid-19, a sociedade precisará de maior assistência social e médica. A questão é que os estados não têm estrutura para oferecer esses serviços, diz ele. “Será preciso mudar as estruturas. Não é questão de preferir mais Estado ou menos, porque você é mais ou menos intervencionista. Os estados vão precisar agir.”

A atual crise imposta pelo coronavírus escancara a gravidade da desigualdade brasileira, opina o economista Eduardo Giannetti. “Se há uma coisa que nos fragiliza como nação hoje é o fato de termos milhões de brasileiros em situação precária. A desigualdade é um complicador extraordinário em um momento como esse. O Estado brasileiro mal sabe como atingir a população com políticas de sustentação de renda”, pondera.

A expectativa do economista também é de tomada de ação e formação de consenso sobre a necessidade de promover ações para uma sociedade mais equitativa, o que demanda maior participação do Estado.

Esse passo deve promover uma reconfiguração da ordem econômica, na avaliação de Monica de Bolle, pesquisadora sênior do Peterson Institute. “Em países como o Brasil, onde a população vulnerável é muito numerosa, vai haver uma catástrofe. Vão ser muitas vidas perdidas. Não vejo possibilidade de as políticas públicas não se moldarem depois dessa crise em torno desses dois temas. Proteção social e saúde terão de ser abraçados, e eles só podem ser abraçados pelos governos”, aponta.

Professor da FGV, Marcelo Neri pondera que, no caso brasileiro, pode não haver espaço fiscal para um Estado maior. “Não tenho dúvida de que vai aumentar a demanda pelo Estado na economia, mas o Estado brasileiro não está bem. Quando passar a crise, teremos uma dívida maior, e um Estado em situação pior.”

Na avaliação de Monica, a questão fiscal do Brasil e outros países vai mudar, porque, ao fim da crise, os balanços estarão desajustados. “Não vai poder se fazer um ajuste fiscal forte porque, se fizer, você interrompe o processo de recuperação, que vai ser muito lento”, pontua. Para ela, no Brasil, o caminho do estado minimalista foi interrompido. “ Isso não significa necessariamente o abandono de reformas, mas, sim, um redesenho de algumas reformas e uma preocupação maior com as questões sociais. Vai haver um aumento de impostos, até para custear os bens públicos. É uma mudança de eixo político”, analisa.

Projeto nacional forte pode ser saída para crise, diz Mangabeira

O coronavírus pode ter iniciado um período de projetos nacionais fortes, avalia Roberto Mangabeira Unger, ex-ministro de Assuntos Estratégicos e professor em Harvard. Para ele, esse tipo de projeto é caracterizado, assim como em economia de guerra, por grandes mobilizações de recursos – físicos, financeiros, tecnológicos e humanos. Mas passa por uma capacitação de estados e sociedades para olharem na oferta e produção, não apenas consumo. Ao Estado, cabe um papel de experimentos institucionais e de organização de um projeto produtivista e capacitador. “Na ordem mundial, a contrapartida a esses projetos nacionais fortes será uma busca por uma nova forma de globalização”, avalia.

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