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Para abrir mercado para a concorrência e, ao mesmo tempo, fazer caixa para reduzir o endividamento da empresa, a Petrobras promoveu nos últimos anos um amplo programa de desinvestimento. No plano, estava prevista a venda de oito das 13 refinarias da empresa, das quais três foram repassadas à iniciativa privada.
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), no entanto, pretende não apenas interromper o processo como revertê-lo em certa medida, com o objetivo de resgatar a capacidade de refino da estatal. Os primeiros passos nesse sentido já começaram a ser dados.
A retomada do investimento em refinarias no Brasil – uma marca das gestões petistas anteriores, que gerou gastos bilionários e teve irregularidades expostas pela Operação Lava Jato e pelo Tribunal de Contas da União (TCU) – foi um compromisso assumido por Lula ainda durante a campanha eleitoral.
No plano de governo protocolado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o então candidato do PT defendia uma nova política de preços de combustíveis e de gás de cozinha que estivesse alinhada a um aumento na produção de derivados de petróleo no país.
No relatório final do gabinete de transição governamental, apresentado em dezembro do ano passado, a venda de refinarias foi criticada por reduzir o espaço de atuação estatal.
A atual política de preços, conhecida pela sigla PPI (de preço de paridade de importação) atrela o valor dos derivados que saem das refinarias da Petrobras à cotação internacional do petróleo e a custos de logística que importadores precisam bancar.
O objetivo da estratégia, adotada desde 2016, é manter o mercado atraente para que refinarias privadas e importadores possam suprir a demanda do país, uma vez que, sozinha, a companhia não é capaz de fornecer todo o combustível que os brasileiros consomem.
Dependendo do valor de referência global da commodity e do câmbio, uma vez que o indicador é precificado em dólar, a estatal acaba tendo de elevar os preços a patamares muito acima do que poderia praticar, já considerando a margem de lucro.
Opositor do PPI desde sua idealização, o PT atribui os altos preços dos combustíveis à política de preços e argumenta que o Brasil teria condições de suprir internamente toda a demanda por derivados de petróleo não fosse a falta de investimento no refino em território brasileiro.
Do outro lado, economistas liberais consideram que a abertura do mercado de refino para a concorrência é que permitiria um investimento maior da iniciativa privada no segmento.
Embora o monopólio da indústria do petróleo no Brasil tenha sido derrubado em 1997, na prática a Petrobras continuou a manter o controle do mercado de derivados, como gasolina, óleo diesel, gás de cozinha, querosene de aviação e lubrificantes.
“Parte do problema dessa ausência do refino [no Brasil] vem desse monopólio. A iniciativa privada é relutante em investir nesse espaço porque tem uma empresa estatal que pode absorver lucro”, explicou recentemente Conrado Magalhães, da Guide Investimentos, à Gazeta do Povo.
Venda de refinarias foi definida em acordo com o Cade em 2019
A estatal chegou a ser alvo do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade), que investigava, em um inquérito administrativo aberto pela Associação Brasileira dos Importadores de Combustíveis (Abicom), suposto abuso de posição dominante no mercado de refino.
Para suspender a investigação, em 2019, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), a empresa assinou um acordo no qual se comprometeu a vender oito refinarias de petróleo, além de ativos relacionados ao transporte de combustíveis. O prazo dado para o desinvestimento era de dois anos, mas aditivos prorrogaram a validade do acordo.
Até 2021, 13 das 17 refinarias que operam no Brasil pertenciam à Petrobras, que concentrava quase a totalidade do mercado de refino. Entre janeiro e setembro daquele ano, as refinarias da estatal responderam por 98,9% de toda a produção de derivados de petróleo no país, segundo dados da Agência Nacional de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP).
Em outubro de 2021, a, titularidade da operação da Refinaria Landulpho Alves (RLAM), na Bahia, foi transferida da estatal para a Refinaria de Mataripe, controlada pela Acelen, do fundo Mubadala.
Outras duas unidades de refino – a Unidade de Industrialização do Xisto (SIX), no Paraná, e a Refinaria Isaac Sabbá (Reman), no Amazonas – tiveram seus processos de venda concluídos em 4 e 30 de novembro do ano passado.
Presidente da Petrobras quer "revisar" refinarias e diz que pode decidir por nova unidade
No último dia 2, em sua primeira teleconferência com investidores, o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, disse que a empresa não vai mais “necessariamente sair vendendo ativos por decisões governamentais”, em referência ao plano de venda de refinarias.
Em sua primeira entrevista coletiva no cargo, Prates criticou o PPI e afirmou que deve rever o modelo a partir do momento em que a nova diretoria executiva e o novo conselho de administração da empresa estiverem empossados, o que deve ocorrer em abril.
Em novembro de 2022, a equipe de transição do novo governo chegou a solicitar a suspensão dos processos de transferência de ativos em andamento. Na ocasião, no entanto, a Petrobras divulgou nota negando qualquer decisão sobre a suspensão do programa de desinvestimento. A conclusão da venda da Reman, aliás, ocorreu após o pedido da equipe do governo eleito.
À época, enquanto integrante do grupo de Minas e Energia da equipe de transição, Prates aventou até mesmo a possibilidade de construção de novas unidades de refino. “A Petrobras pode fazer um ‘upgrade’ em refinarias, revisar todas as instalações que já existem, sem adquirir nada novo, e também tentar ampliar por ali”, disse, no dia 24 de novembro, em entrevista coletiva.
“Se tiver que pegar obras que estão inacabadas – aí sim, numa terceira instância –, se decidir por uma unidade nova, mesmo assim teria que pensar num conceito de refinaria de futuro, que exista por 60, 80 anos, e não uma refinaria nova-velha.”
As gestões anteriores do PT ficaram marcadas por planos ambiciosos na área do refino. Os projetos consumiram dezenas de bilhões de reais e tiveram problemas de gestão, atrasos em obras e denúncias de superfaturamento e corrupção levantadas pelo TCU e pela Lava Jato.
Das quatro grandes refinarias projetadas nos governos petistas, só uma foi construída, e apenas em parte – a Abreu e Lima (RNEST), em Pernambuco. A empresa, que com esses investimentos esperava atingir a marca de 3,4 milhões de barris refinados por dia ainda em 2015, processou apenas a metade disso no último ano – cerca de 1,7 milhão de barris diários.
Prates propôs imposto sobre exportação de petróleo quando era senador
Em dezembro de 2021, quando ainda era senador, durante a discussão de um projeto de lei que previa a criação de um fundo de estabilização de preços de combustíveis do qual era relator, Prates acusou a Petrobras de “inércia” na defesa do processo aberto pela Abicom junto ao Cade, que acabou resultando no compromisso de venda das refinarias.
“Como se sabe, a Petrobras não apenas deixou de apresentar suas contrarrazões, como imediatamente acorreu ao órgão apresentando uma lista de oito refinarias destinadas à venda”, afirmou, em uma reunião da Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. “Até hoje não fica claro se essa decisão foi da diretoria da empresa ou foi uma ordem dada pelo acionista controlador”, disse, referindo-se ao governo Bolsonaro.
Nas discussões da proposta, o então senador ainda acusou a Petrobras de operar suas refinarias abaixo da capacidade de produção, de modo a favorecer as importadoras de combustíveis.
Para incentivar o refino do petróleo em território brasileiro, o projeto de lei que Prates relatava previa a criação de um imposto sobre exportação de óleo cru, com incentivos fiscais para empresas que destinassem parte da produção para a produção nacional de derivados. Serviria, portanto, de estímulo à produção de derivados no país. O tributo acabou retirado do texto após forte oposição entre os membros da CAE.
Mas o assunto voltou à cena na última terça-feira (28), quando o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, anunciou um imposto de 9,2% sobre operações de exportação de petróleo bruto.
O novo tributo, em princípio, é temporário, com duração de quatro meses, depende de confirmação do Congresso, e foi instituído sob o argumento de compensar uma alíquota menor de PIS e Cofins sobre gasolina e etanol, cujo recolhimento foi retomado no dia 1.º de março.
Cinco empresas petroleiras e pelo menos dois partidos, o PL e o Novo, já entraram na Justiça contra a cobrança do imposto de exportação. No Congresso, a oposição já se articula para derrubar a cobrança do tributo.
Governo pede suspensão de venda de refinarias e reserva parte de dividendos da Petrobras para investimento
“Quando nós descobrimos o pré-sal, a gente não queria ser exportador de petróleo cru. A gente queria ser exportador de derivados de petróleo”, disse Lula em entrevista à rádio BandNews FM no dia 2.
No dia 1.º de março, o Ministério de Minas e Energia pediu à Petrobras a suspensão, por 90 dias, da venda de ativos da petroleira, que incluem gasodutos, polos de produção de óleo e gás e a Refinaria Lubrificantes e Derivados do Nordeste (Lubnor), localizada em Fortaleza.
Embora a refinaria cearense já tenha sido vendida, em maio de 2022, à empresa Grepar Participações, a operação é alvo de questionamentos por companhias locais e encontra-se sob análise do Tribunal do Cade.
Outras quatro refinarias estão no plano de desinvestimento da companhia, agora suspenso: Gabriel Passos (Regap), em Minas Gerais; Abreu e Lima (Rnest), em Pernambuco; Alberto Pasqualini (Refap), no Rio Grande do Sul; e Presidente Getúlio Vargas (Repar), no Paraná.
No mesmo dia 1.º, após anunciar o lucro recorde de R$ 188,3 bilhões no ano de 2022, o Conselho de Administração da Petrobras acordou a distribuição de R$ 35,7 bilhões em dividendos referentes ao quarto trimestre, mas decidiu reservar R$ 6,5 bilhões para uma reserva estatutária que poderá ser usada para investimentos.
A destinação depende de aprovação na próxima assembleia de acionistas, prevista para 27 de abril. Como o governo é acionista majoritário, não deve haver óbices para a execução da medida.
A decisão de criar essa reserva parece atender a pressões de Lula, que tem cobrado da empresa menos dividendos e mais investimentos, como parte de seu plano de ampliar a atuação do Estado na economia.
"A Petrobras, ao invés de investir, ela resolveu agraciar os acionistas minoritários com R$ 215 bilhões. Teve um lucro de R$ 195 bilhões. E quanto foi o investimento da Petrobras? Quase nada", disse o presidente no dia seguinte ao anúncio do lucro recorde da empresa.
A Gazeta do Povo questionou a Petrobras a respeito da estratégia da atual gestão para a área de refino, mas não havia recebido retorno até a publicação desta reportagem.
Após a veiculação da matéria, a empresa encaminhou nota em que afirma que a suspensão dos processos de alienação solicitada pelo Ministério de Minas e Energia não se restringe às refinarias, mas abrange todos os ativos. No texto, diz ainda que o Plano Estratégico 2023-2027 não prevê construção de nova unidade de refino.
Segundo a companhia, aproximadamente metade dos US$ 9,2 bilhões previstos para a área de refino e gás natural nos próximos cinco anos está direcionada à expansão e aumento da qualidade e eficiência nas instalações atuais. A intenção é ampliar a capacidade de processamento e conversão em 154 mil barris por dia, com aumento da produção de diesel S-10 em mais de 300 mil barris por dia.
Leia abaixo nota da Petrobras na íntegra:
Em relação à matéria publicada hoje (9) pela Gazeta do Povo, a Petrobras esclarece que o ofício do Ministério de Minas e Energia (MME) abrange todos os ativos da companhia em processo de venda. O Conselho de Administração analisará todos os processos em andamento sob os aspectos do direito civil, de acordo com as regras de governança e compromissos já assumidos pela Petrobras. Vale destacar ainda que o Plano Estratégico 2023-2027 da Petrobras não prevê construção de nova refinaria. Dos US$ 9,2 bilhões previstos para a área de Refino e Gás Natural nos próximos cinco anos, cerca de metade será aplicado na expansão e aumento da qualidade e eficiência do refino nas instalações atuais. O plano prevê investimentos em oito novas unidades de processamento, além de seis obras de adequações de grande porte em unidades já existentes. Com esses projetos concluídos, prevê-se aumento de capacidade de processamento e conversão do refino da Petrobras em 154 mil barris por dia (bpd) e a capacidade de produção de Diesel S-10 será ampliada em mais de 300 mil bpd.