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O processo de privatização da Eletrobras teve na venda de ações, liquidada em 14 de junho, a sua etapa mais visível, mas a desestatização da companhia se tornou plenamente vigente apenas alguns dias depois, a partir da assinatura de uma série de novos contratos com a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel). A concessão de novas outorgas para 22 hidrelétricas da empresa era requisito previsto na lei da Eletrobras para que a privatização se concretizasse, e deve mexer com o preço da energia nos próximos anos.
Após a assinatura dos contratos, em 17 de junho, a Eletrobras realizou o pagamento da bonificação pelas novas outorgas, em parcela única no dia 20. Conforme fato relevante divulgado pela empresa, o valor direcionado à União foi de R$ 26,6 bilhões. Esse pagamento é um de dois benefícios econômicos previstos como condição para as novas concessão da Eletrobras privatizada.
O segundo diz respeito a um aporte total de R$ 71 bilhões a ser utilizado ao longo de 25 anos como ferramenta de modicidade tarifária, ou seja, para segurar os reajustes nas tarifas de energia elétrica entre 2022 e 2047. A expectativa da Aneel é de que os repasses atenuem em 2% os índices de reajuste das distribuidoras.
Para este ano o valor a ser destinado pela Eletrobras à modicidade tarifária é de R$ 5 bilhões. Segundo o Ministério de Minas e Energia, o pagamento está previsto para 17 de julho, mas o dinheiro já passou a ser considerado para processos examinados pela Aneel em junho. Aumentos recém aprovados nas tarifas da paranaense Copel e da Energisa Minas Gerais, por exemplo, contaram com reduções em comparação aos índices calculados inicialmente. Reajustes aprovados antes do aporte ainda podem ser impactados, com chance de revisões.
Enquanto isso, a reguladora abriu consulta pública para aprimorar as regras de formação de tarifas de modo a refletir os aportes anuais. A ideia é "delimitar o tratamento tarifário para assegurar o efetivo repasse à modicidade tarifária em benefício dos consumidores atendidos no Ambiente de Contratação Regulada (ACR)".
Quanto dinheiro a Eletrobras vai repassar para baixar a tarifa
Os aportes da Eletrobras serão depositados na Conta de Desenvolvimento Energético (CDE), fundo setorial que banca políticas públicas do setor elétrico, em pagamentos anuais. Superado o aporte inicial, os seguintes serão de:
- R$ 574,6 milhões em 2023;
- R$ 1,1 bilhão em 2024;
- R$ 1,7 bilhão em 2025;
- R$ 2,2 bilhões em 2026; e
- R$ 2,8 bilhões ao ano entre 2027 e 2047.
O cronograma traçado prevê repasses sempre em abril, com valores corrigidos pelo IPCA.
Como não foi incluído no orçamento da CDE para este ano, o repasse poderia significar redução no volume de encargos pagos pelo consumidor de energia, que é o seu principal financiador. Para este ano a CDE somará R$ 32,09 bilhões, quase 95% (ou R$ 30,21 bilhões) dos quais são relativos a quotas anuais pagas pelos consumidores na conta de luz.
A lei da Eletrobras, entretanto, prevê regra de rateio dos valores aportados, a serem distribuídos de forma proporcional aos montantes descontratados em decorrência da alteração do regime de contratação da energia vinculada às usinas da Eletrobras.
Dentre os 22 contratos assinados no último dia 17, quatorze promovem mudanças no modelo de comercialização da eletricidade gerada nas hidrelétricas, que saem do regime de cotas de garantia física para o de produção independente.
Com a mudança, a eletricidade produzida na maior parte das usinas que são objeto das novas concessões poderá ser vendida no Ambiente de Livre Contratação, comumente chamado de mercado livre em alusão à sua principal característica: a relação direta entre gerador e consumidor, sem a figura de um intermediário – a distribuidora de energia, que é central no mercado cativo, no qual não é possível escolher de quem se compra a energia.
No regime de cotas, grosso modo, toda a garantia física de energia e de potência das usinas hidrelétricas é disponibilizada ao mercado regulado para atendimento da demanda das distribuidoras, com previsão de um preço fixo (e mais baixo) para a energia. O modelo, criado por meio de decreto de 2012, considera operação e manutenção da usina, mas elimina do cálculo os riscos e eventuais prejuízos da variação de produção (como o ônus da falta de chuvas), repassando-os diretamente ao consumidor por meio da tarifa.
Por outro lado, o regime de produção independente não está sujeito a fixações e opera a preço de mercado, mas cabe à empresa gerenciar seus riscos e arcar com os custos atrelados a eles. Conforme avaliação do Conselho Nacional de Política Energética, a alteração permite que os consumidores fiquem "menos expostos aos fatores hidrológicos que afetam o sistema elétrico".
A descotização será gradual. Começa em 2023 e se estenderá até 2027, com retirada anual de 20% do total da garantia física das usinas cotistas da Eletrobras do portfólio das distribuidoras até sua liberação total para comercialização. O escalonamento pretende suavizar eventuais efeitos no preço ao consumidor, uma vez que a energia cotizada é mais barata que a de mercado.
Os novos contratos entre Eletrobras e Aneel incluem ainda novas concessões das usinas de Tucuruí, Curuá-Una e Mascarenhas de Moraes (com livre disponibilidade de energia já a partir da assinatura, uma vez que nunca chegaram a operar sob o regime de cotas) e das hidrelétricas de Sobradinho e Itumbiara (que são subsidiadas por grandes consumidores e, por isso, têm regras diferenciadas previstas em lei).