O clima acirrado de disputa política e o processo de impeachment podem deixar discussões essenciais para a retomada da política econômica do país em segundo plano. “Essa condição terá reflexos no curto e longo prazo”, diz o pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (IBRE/FGV) e professor da Escola de Economia de São Paulo, Paulo Picchetti.
Qual a expectativa com a retomada do Congresso e o andamento do impeachment?
Qualquer questão de política econômica ou eventual reforma que puder se pensar, por mais necessária que seja atualmente, vai ficar subjugada sobre a questão do impeachment, quer seja porque vai acabar sendo instrumento de negociação por uma outra questão que não puramente econômica, ou porque não vai ter tempo nem clima para ser debatida. Então, não há uma expectativa boa em termos de atuação do Congresso de efetivamente poder discutir com calma as coisas que deveriam estar em pauta.
O clima de disputa política afeta a qualidade da discussão do que seria mais adequado para a economia?
Nessa situação, não teremos a devida atenção e foco na questão econômica, no interesse do país. Vai muito mais além, correndo o risco de colocar as discussões mais urgentes em segundo plano.
“Em meio a uma recessão, elevar os juros sem ajuda de outros instrumentos, não é uma boa ideia”
E o efeito para a economia?
Muito ruim, e não só no curto prazo. Seria melhor uma politica econômica que já pudesse incorporar resultados de votações, como a CPMF ou mudanças de leis trabalhistas. Além disso, essa crise política gera impacto ao longo prazo, afetando reformas estruturais que deviam estar sendo discutidas, como a da previdência ou a legislação tributária.
Nesse contexto, a manutenção da Selic ajuda?
Por causa da politica econômica ter desandado, principalmente na dimensão fiscal, ou no outro critério, de deixar o cambio flutuar quando seria mais fácil, o terceiro ponto do tripé da política macroeconômica sozinho não pode fazer muita coisa. A essa altura, pode até prejudicar. Em meio a uma recessão, você ainda elevar juros, sem ter ajuda dos outros instrumentos da política econômica, não é uma boa ideia. Isso é um paliativo, que não tem a perspectiva de melhorar a situação atual.
Como o senhor avalia a atuação do ministro da Fazenda, Nelson Barbosa?
Acho que ele não vai ter nenhuma flexibilidade a mais do que o Joaquim Levy. O ajuste que se coloca para o governo independe da pessoa que está lá. Vivemos uma situação que se o próprio governo e autoridades econômicas não fizerem um reajuste de natureza fiscal e lidar com a questão de preços, o ajuste vai ser feito de uma forma ou de outra. Teremos uma volta do cenário de hiperinflação e dominância fiscal e isso independe de quem estiver lá. Qualquer um vai ter que enfrentar isso. E a gente espera que seja de maneira habilidosa, porque da maneira fácil já ficou pra trás.
Qual seria a maneira fácil?
Estamos pagando o preço de um reajuste cuja necessidade foi criada lá atrás, em que a situação não era sustentável, quando o câmbio foi apreciado artificialmente durante um período. Teria sido mais fácil ter começado em 2010, 2011. Foi um período em que se dobrou a aposta em um crescimento baseado em consumo interno e crédito. Naquele momento, assegurar um processo de ajuste seria menos difícil. O ajuste agora será mais dolorido, igualmente inevitável e necessário. Não temos saída, tem que ajustar ou ajustar.
Haverá alguma acomodação natural da economia com reflexos para outras áreas, como inflação e desemprego?
Vivemos uma combinação perversa de queda muito grande do nível de atividade cujo aspecto mais cruel é o desemprego, ao mesmo tempo em que voltamos com inflação em dois dígitos. Isso diminui muito o espaço de manobra, porque agora não se tem algo para sacrificar para garantir uma ou outra reação. O que se tem é um custo em todas as dimensões, inevitável para voltar a estabilizar a economia e ter ambiente propício para retomada de investimento e de contratação.
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