| Foto: Daniel Castellano/Gazeta do Povo

Em um momento em que o Banco Central abandonou sua intenção de colocar a inflação no centro da meta de 4,5% no ano que vem, voltaram a aparecer dúvidas sobre seu comprometimento com o sistema criado em 2009. Para o economista Alexandre Schwartsman, que foi diretor do BC e passou pelo Santander, há pouco que a atual diretoria da autoridade monetária possa fazer para recuperar a credibilidade. Ajudaria se o governo apresentasse um plano de ajuste fiscal de longo prazo. Em entrevista à Gazeta do Povo, Schwartsman destaca que esse ajuste é de difícil execução no atual momento político, o que restringe as opções do país para normalizar a condução da economia.

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O Banco Central desistiu de atingir a meta de inflação em 2016. A política monetária perdeu a eficácia?

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Quando você faz a política monetária é necessário traçar hipóteses sobre como o ambiente econômico vai operar. Uma dessas hipóteses é sobre uma trajetória de política fiscal congruente com o que se faz na política monetária. Quando você tem uma política fiscal mais expansionista do que o imaginado, é natural que se descubra que a política monetária está inadequada. Assim, o pressuposto para a elaboração da política monetária estava equivocado e o Banco Central demorou para perceber isso. E há outra discussão, mais de fundo, que é se você não chegou a uma situação tal que não adianta mais usar a política monetária, que é o que se chama de dominância fiscal. Estamos no debate sobre esse tema e se alguém falar que já sabe se estamos ou não em dominância fiscal está mentindo ou não entendeu. O problema maior hoje é que houve uma sequência de erros do BC que permitiu que a inflação ficasse na casa de 6% ao ano. O que mostra que o BC não tem comprometimento com a meta e, portanto, não há motivo para as pessoas acreditarem que ela será atingida.

E isso dilapidou a confiança no BC?

De 2006 até 2010, as expectativas tendiam a ficar no centro da meta, porque as pessoas entendiam que o mecanismo estava funcionando. Qual a inflação para os próximos dois meses? Eu não sei, mas acredito que o Banco Central vai fazer o possível para ela ir para a meta. Isso é o que se chama de ancorar expectativas, a crença na vontade do BC de operar o regime de metas como se deve. E o Banco Central do Brasil não operou o regime de metas como se deve.

Hoje o problema é a falta de confiança no BC ou de instrumentos à sua disposição?

O Banco Central tem instrumentos, mas é preciso saber se você está ou não em uma situação de dominância fiscal. Se estiver, não adianta. Como isso não está claro, acho que a própria hesitação do BC dá mostras de que está atrás de outros objetivos além da meta. Talvez com outra diretoria, com outra postura, a coisa fosse distinta. O Alexandre Tombini pegou um Banco Central que tinha construído a duras penas certa reputação e trabalhou diligentemente para destruí-la.

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Um ajuste fiscal crível poderia levar a um normalização da política econômica?

Qualquer economista que trabalhou na questão sabe que o espaço para corte de despesas é muito reduzido. Isso de um ano para outro. Seria diferente com um conjunto de reformas, como acabar com as vinculações, com a indexação do salário mínimo etc. Está tudo no programa do PMDB que, aliás, não tem novidade. Se houvesse um governo que pudesse encaminhar essas reformas, as expectativas seriam ancoradas.

Há algo a fazer que não dependa da coordenação política?

Os problemas do Brasil já estão codificados. Por isso não há nada de novo no programa do PMDB. Está tudo devidamente diagnosticado, com a terapia. Você precisa de alguém disposto a comprar esse diagnóstico e bancar essa terapia. É uma questão política. E quando falo alguém, não é uma pessoa, é que a sociedade encampe essas propostas. Porque haverá custos. Cortar gastos significa que serão feridos interesses de grupos.

O nó fiscal pode abrir espaço para muita gente eleger os programas como o Bolsa Família como o problema.

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Deixem o Bolsa Família em paz, é um programa barato, bem focalizado. Ele tem como melhorar, a contrapartida pode ser mais bem pensada, mas custa só 0,5% do PIB, não faz diferença. O que faz diferença é o Brasil ter 6% da população com mais de 65 anos e gastar 12% ou 13% do PIB com aposentadorias e pensões. Gasta o mesmo do que um país com três vezes mais idosos. Quando a população envelhecer de verdade, o que vai acontecer? Vamos ter 50% de carga tributária para financiar?

O governo diz que não há saída sem mais impostos.

A saída tem sempre sido aumentar impostos. Uma coisa é resolver o orçamento do ano que vem e outra mais complicada é mostrar que o problema fiscal está equacionado. Aumentar impostos não resolve o segundo problema. Nossa carga tributária era 27,5% do PIB em 1994 e ela hoje está em 37% do PIB. Ela subiu dez pontos e nós não melhoramos nossas contas públicas. A gente piorou. Se não atacar o gasto, não adianta.