“Tenho sido apresentado a todo tipo de gente interessante, e que ainda paga para almoçar comigo.”| Foto: Lourdes Segade/The New York Times

Crise

Chave do problema está na demografia

A mensagem sombria de Hugh, em colunas de jornal, aparições na televisão e em rádios espanholas e reuniões com autoridades, é quase sempre a mesma: uma vez que a Espanha e outros países em dificuldades na zona do euro, como Grécia, Portugal, Irlanda e Itália, não podem desvalorizar a moeda de forma unilateral, têm poucas alternativas a não ser suportar, em vez disso, o que seria essencialmente uma desaceleração interna de 20%. Isso significa que os salários dos setores público e privado precisam ser reduzidos nessa proporção, aproximadamente, se esses países quiserem algum dia recuperar competitividade, aumentar as exportações e levantar o dinheiro necessário para pagar suas dívidas.

"Por que esses países não acompanharam o resto da Europa?", pergunta o blogueiro. "É uma questão demográfica. À medida que as populações envelhecem, há menos pessoas na faixa dos 20 aos 40 anos para comprar novas casas, de modo que se passa a economizar mais. Quanto mais jovem um país, mais dependente de crédito ele será para conseguir crescer", explica.

A Alemanha, onde a idade média é de 45 anos e está subindo, com a população total começando a diminuir, é uma nação de poupadores, e políticas públicas têm incentivado manter sob controle os salários e turbinar as indústrias exportadoras. Em contrapartida, gregos, irlandeses e espanhóis, mais jovens, mergulharam num frenesi de empréstimos, impulsionado em especial pela crescente demanda por novas moradias e bens de consumo que, em muitos casos, levou a bolhas e, por fim, a falências no setor de habitação. Os salários foram empurrados para cima, estimulando o consumo, mas logo se tornou quase impossível para as indústrias desses países competirem com os austeros alemães, holandeses e outros europeus do norte. Os economistas, dependentes como são, em sua maioria, de seus "promíscuos e essencialmente inúteis" modelos econômicos, critica Hugh, deixaram passar o que, segundo ele, era um desfecho facilmente previsível. E é por isso, acrescenta, "que agora estamos nessa enrascada".

A tese demográfica de Hugh não é estanque: na verdade, foi a Itália, e não a Grécia, que ele atacou primeiro. Mas a Itália, talvez porque seu nível de endividamento total já era muito alto e sua população, mais velha, seguiu uma política de maior austeridade fiscal que as de seus vizinhos e evitou uma bolha imobiliária.

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Novos fãs

Ofertas tentadoras dão trabalho a Hugh

Hugh atraiu um séquito de seguidores entre os analistas financeiros. "Edward já escrevia muito claramente sobre os desequilíbrios na Europa e o risco de uma crise bem antes de isso sequer ter aparecido na tela do radar dos analistas econômicos", observa Jonathan Tepper, da Variant Perception, uma empresa de pesquisas de Londres que presta serviços para hedge funds e investidores abonados. "Ele é uma máquina de pensar."

Ao mesmo tempo, Hugh está decidido a resistir a algumas das tentações que têm cruzado seu caminho ultimamente. Conta que recusou ofertas lucrativas de alguns fundos para fornecer análises exclusivas, pois não queria que suas opiniões fossem monopolizadas por apenas uma organização – embora admita que está refletindo sobre a proposta que recebeu para integrar o grupo permanente de colaboradores de Nouriel Roubini.

E, quando o Michael Milken Institute – financiado por Milken, um dos condenados pelo

"boom de títulos podres" nos anos 80, mas que conseguiu escapar com uma fortuna mesmo depois de ser obrigado a arcar com uma multa de US$ 550 milhões – pagou US$ 3 mil por um breve relatório sobre o Leste Europeu que Hugh fez em um dia, o blogueiro deu o dinheiro a um amigo que estava tendo problemas para quitar a hipoteca, contou ele. "Não quero um cheque de Michael Milken, muito obrigado", diz.

Em Barcelona, vivendo basicamente de um salário de subsistência como professor de inglês para estrangeiros em tempo parcial, ele publicava um post atrás do outro no deserto da internet. Era o auge da insensatez política, ele avisou, pensar que os alemães, avarentos e idosos, poderiam conviver sob a mesma moeda com os mais jovens irlandeses, gregos e espanhóis, ávidos usuários de cartões de crédito, com quem compartilham a zona do euro.Mas agora que a crise da dívida soberana europeia preocupa os mercados mundiais, levando a baixas na cotação do euro quase todos os dias e levantando dúvidas sobre o futuro da união monetária, as caudalosas reflexões do blogueiro se tornaram leitura obrigatória para um público influente e ganham cada vez mais audiência no mundo todo, incluindo gente em posições-chave na Casa Branca.

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Ele chegou a ser cortejado pelo Fundo Monetário In­ter­nacional, que lhe pediu que fosse a Madri para auxiliar na análise da economia espanhola. "É muito bom, na verdade", diz Edward Hugh, 61 anos, expressão divertida, recostando-se dentro do carro luxuoso que o levava a sua mais recente palestra, organizada pelo Círculo de Economia, um influente grupo de lobby empresarial de Barcelona.

Mas, em outros aspectos, sua vida mudou muito pouco. Ele até precisou pedir dinheiro emprestado de amigos para comprar roupas apresentáveis para comparecer à conferência com políticos e empresários espanhóis. E ainda se sustenta principalmente com as aulas de inglês em Barcelona, onde vive há duas décadas.

"Acho que sou anticíclico", diz, com uma risada. "Nos anos em que todos estavam se dando bem aqui, eu não ganhava nada. Agora sou um nome conhecido na Catalunha", acrescenta. Bem, não exatamente. A ideia do economista como uma celebridade pop nos moldes de um Nouriel Roubini – que antecipou que o mercado imobiliário dos Estados Unidos entraria em colapso, o que lhe deu a fama que mais tarde o transformou num consultor de grife mundial – ou de um Paul Krugman, economista ganhador do Nobel que mantém uma coluna de opinião no New York Times, está ainda por nascer na Eu­­ropa e, em particular, na Espanha. Mas, enquanto há dúvidas sobre como os governos europeus poderão escapar da armadilha da dívida e retomar o crescimento, Hugh, que há anos vem refletindo sobre o assunto, pela primeira vez recebe alguma atenção por seus insights e sabedoria.

E a principal proposta de Hugh – de que a Alemanha abandone o euro, o que quase imediatamente derrubaria de forma aguda o valor da moeda, melhorando a competitividade dos países mais fracos deixados para trás – parece bem mais o post atrevido de um blog do que solução prática. Ainda assim, a súbita vulnerabilidade da zona euro e a busca incessante de respostas por autoridades, investidores e economistas transformaram suas divagações antes obscuras em verdadeira febre. "Ele é um canal de informações que valorizo muito", afirma Brad DeLong, um economista da Universidade da Califórnia, em Berkeley, funcionário do Tesouro americano no governo do presidente Bill Clinton e ele mesmo um blogueiro de destaque.

Rede de apoio

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Nascido em Liverpool, Hugh estudou na London School of Economics, mas tinha mais afinidades com filosofia, ciências, sociologia e literatura. Suas ecléticas atividades intelectuais o afastaram não só de um doutorado, mas também de uma carreira estável como professor universitário em tempo integral. Vendo a si próprio mais como um europeu do que como um inglês, mudou-se para Barcelona em 1990.

Os posts de seu blog refletem seus interesses variados, muitas vezes citando Bob Dylan, Charles Bukowski, Jean-Paul Sartre, Friedrich Nietzsche e até mesmo o comportamento sociável de seus amados bonobos, a espécie de primata que é o parente mais próximo do ser humano no reino animal. Hugh cultiva a aparência pálida e desgrenhada de quem passou entre 12 e 14 horas por dia sentado em frente a um computador nos últimos 10 anos. Mas Hugh não é um recluso. Seu espírito alegre e gregário e sua adesão quase religiosa aos princípios de reciprocidade e troca o tornam um adepto por excelência do trabalho colaborativo e em rede. Ao abraçar os costumes de Barcelona (fala fluentemente o catalão), criou também sua própria rede de apoio entre donas de casa de meia-idade, algumas das quais já o hospedaram em sua peregrinação de endereço em endereço.

Atualmente, vive em uma fazenda num vilarejo de 60 habitantes no norte da Espanha, de onde escreve para uma série de blogs – entre eles, "A Fistful of Euros Global Economy Matters", e outros mais especializados, dedicados às economias de países como Japão, Hungria, Letônia e Grécia. Acima de tudo, porém, o que mais faz é ler e pensar. "Na Idade Média, curiosidade em excesso era considerada pecado", e a observação vem acompanhada de outra risada. "Mas, com a internet, sinto que posso fazer aquilo de que gosto. O que, por sua vez, me faz sentir que posso, realmente, fazer alguma coisa."

Tradução: Christian Schwartz