A economia brasileira caminha para fechar este ano com um bom resultado e deve continuar crescendo em 2011. O momento favorável, no entanto, exige atenção, em especial para se evitar uma pressão inflacionária e o consequente uso de um remédio amargo o aumento dos juros que possa comprometer esse crescimento. A avaliação é do economista Gustavo Loyola, ex-presidente do Banco Central e atualmente sócio-diretor da Tendências Consultoria.
"De um lado temos uma economia forte e que deve continuar crescendo nos próximos anos. De outro, a situação desfavorável dos outros países, o que ajuda a atrair investimentos para o país", diz. O efeito colateral, entretanto, é o excesso de entrada de dólares e a consequente valorização do real. "O Brasil é vítima de seu próprio sucesso", avalia Loyola, que comandou o Banco Central por duas vezes entre 1992 e 1993 na gestão de Fernando Collor e entre 1995 e 1997 no governo FHC. Na semana passada, em passagem por Curitiba para uma palestra na Feira de Gestão do FAE Centro Universitário, Loyola falou à Gazeta do Povo. Confira os principais trechos da entrevista.
Ao avaliar o resultado do Produto Interno Bruto do primeiro trimestre, o senhor afirmou que o crescimento de 9% era insustentável. É possível afirmar que o Brasil encontrou o ponto de equilíbrio?
O PIB de 2010 deve fechar em torno de 7%, um patamar abaixo do índice anualizado do primeiro trimestre. Ainda assim, acho que o PIB ainda está rodando acima do real potencial da economia brasileira. Existe uma certa demanda excedente sobre a oferta o que pode levar a uma pressão inflacionária em 2011. Para o ano que vem, prevemos um crescimento do PIB de 4,8%, já levando em conta que o BC vai elevar os juros para conter a inflação, que deve fechar o próximo ano em 5,2%, acima da meta do Banco Central. Para que viesse para o centro da meta, seria necessário um maior aperto monetário, que provocaria certamente uma redução no ritmo de crescimento da economia. A meta de 4,5% só deverá ser atingida em 2012.
O que está pressionando a demanda?
A demanda tem vários componentes, e todos eles estão muito fortes. O investimento privado tem crescido fortemente, o que é bom no médio prazo, já que ajuda a expandir a capacidade produtiva da economia. Em segundo lugar, o consumo das famílias se mostra bastante vigoroso, o que também é positivo, pois é um sinal de bem-estar da população. A outra parte dessa equação envolve os gastos do governo. Para evitar que haja necessidade de se reduzir o gasto das famílias ou o investimento privado, seria necessário que o governo diminuísse seus gastos. O ideal é ter uma política fiscal capaz de conter a demanda quando necessário para que não seja preciso usar de uma política monetária com juros mais elevados prejudicando o consumo das famílias e o investimento privado.
Mas, para o trabalhador, o bom momento deve se manter em 2011?
Existem vários fatores por trás desse "boom" da economia brasileira. Um deles é o aumento da massa salarial. O número de postos de trabalho está crescendo assim como o valor real dos salários. Quando se multiplica a o número de trabalhadores por um salário mais alto significa que a população brasileira está tendo seu poder de compra aumentado em termos reais, o que aquece a economia. O segundo fator é a expansão do crédito. As pessoas têm sua renda aumentada e crédito a disposição e, em um ambiente econômico de confiança, "arriscam" mais, tomando crédito sem a preocupação de perderem seus empregos.
No que diz respeito ao volume de crédito, o Brasil já está perto do limite?
Ainda não. Acho que o que vai acontecer no Brasil é um gradual aumento da parcela relativa ao crédito imobiliário. Mas como esse crédito é de longo prazo, o ônus em termos de prestação mensal não deve aumentar muito sobre as famílias. Ainda estamos no início deste processo de expansão do crédito imobiliário. O México, por exemplo, um país emergente, tem pouco mais de 10% do seu PIB ligado ao crédito imobiliário, enquanto o Brasil tem 3%. Ou seja, para chegar ao mesmo nível do México, o crédito imobiliário brasileiro tem de triplicar de tamanho. Ainda estamos na fase saudável do crédito. A crise do subprime mostrou que se não forem tomados os cuidados necessários, esse crescimento pode se tornar patológico. Mas esse é um estágio mais avançado, longe da situação do Brasil de hoje.
A valorização do real com a entrada de dólares no Brasil representa um risco macroeconômico?
Existe hoje uma separação muito clara entre os países desenvolvido e os países em desenvolvimento. As economias emergentes apresentam crescimento muito elevados e têm a perspectiva de crescimento firme para os próximos anos. Enquanto isso, as economias desenvolvidas estão crescendo muito pouco e com perspectivas de baixo crescimento. Isso determina a existência de dois tipos de políticas monetárias. Enquanto nos países emergentes as taxas de juros estão mais "normais", nos países desenvolvidos elas estão praticamente zeradas e os governos estão "rodando a maquininha" e fazendo dinheiro. A tendência, portanto, é que as moedas desses países se desvalorizem, com um fluxo de capital para os países com melhores perspectivas. Mas esse fluxo de capital não é apenas em busca de taxas de juros. No fundo, o dinheiro que está vindo hoje para o Brasil é de empresas que veem a oportunidade de uma economia que está crescendo, dinheiro que está sendo investido na bolsa brasileira.
Isso pode levar o país a um processo de desindustrialização, como afirmam alguns economistas?
Não acredito nessa história de desindustrialização. Acho que a manutenção do câmbio sobrevalorizado por muito tempo pode levar certos setores, de fato, a ter problemas. Por outro lado, o câmbio baixo cria oportunidades, possibilitando, por exemplo, que algumas indústrias baixem seus custos com importações. Mas teremos de lidar com essa questão do real forte com uma politica fiscal forte.
O que é preciso se feito?
Precisamos que a taxa de juros seja um pouco mais baixa. No fundo, é preciso aumentar a poupança do setor público, que precisa deixar de ser tão gastador quanto é. O Banco Central também deve continuar com o processo de intervenção no câmbio. Custa caro, mas não tem outro jeito. Se o BC não o fizer, o dólar pode chegar a R$ 1,50. Medidas como a taxação do IOF sobre investimento, são medidas meio desesperadas, no sentido de que tem algum efeito no curto prazo, mas são insuficientes para resolver a questão. Para resolver de fato a questão do câmbio é preciso medidas macroeconômicas, de médio e longo prazos, que passam, necessariamente, pela reformulação da política fiscal.