O presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) começou o mandato apostando na força de seu discurso para tentar reduzir "na marra" a taxa básica de juros (Selic), apontada por economistas como principal responsável pela freada da economia brasileira a partir dos últimos meses de 2022.
De um lado, o petista defende a revisão das metas de inflação, que em sua visão são muito baixas e levam o Banco Central a exagerar na dose dos juros para tentar batê-las. De outro, tem feito ataques diretos ao presidente do BC. Nomeado pelo antecessor Jair Bolsonaro (PL) e com mandato até o fim de 2024, Roberto Campos Neto desfruta de autonomia formal garantida por lei e é considerado por Lula como culpado pelo atual patamar dos juros – o maior em mais de seis anos.
Por ora, a estratégia de Lula não funcionou, e nada indica que possa alcançar algum êxito. Economistas ortodoxos entendem que o caminho para reduzir os juros é outro.
O economista Sílvio Campos Neto, sócio da Tendências Consultoria, diz que o Brasil já encontrou esse caminho no passado recente, mas parece tê-lo esquecido. Em artigo para o site do Instituto Millenium, ele defende que a alternativa é seguir adiante com a agenda de reformas implementada a partir de 2016.
O economista aponta que, daquele momento em diante, políticas fiscais e parafiscais de curto prazo foram reorientadas para reverter a tendência de expansão de gastos, "seja com o enxugamento de programas de investimento do governo e das estatais ou com a redução drástica das concessões de crédito subsidiado através de bancos públicos, em especial o BNDES".
Mas o grande legado desse período, segundo ele, foram as reformas institucionais. "[Elas] efetivamente alteraram a percepção de risco fiscal do país e permitiram a ocorrência de uma queda sem precedentes do custo do capital – notem a menção mais abrangente, pois não basta apenas reduzir a Selic, mas sim toda a estrutura a termo [de longo prazo] da taxa de juros, o que só ocorre com a melhora dos fundamentos”, escreveu o economista.
Segundo ele, o estabelecimento do teto de gastos públicos, a criação da Taxa de Longo Prazo (TLP, em substituição à subsidiada TJLP) e a reforma da Previdência tiveram papel relevante para que a taxa Selic caísse de 14,25% ao ano, em outubro de 2016, para 6,5%, em março de 2018.
Segundo Cláudia Moreno, head de Economia Brasil do C6 Bank, uma conjunção de medidas permitiu a redução sem que houvesse uma elevação da demanda. “A política fiscal era contracionista, o que ajudava o trabalho do BC por dois canais: primeiro, pela contenção da demanda; segundo, pela redução dos riscos fiscais, que ajudaram a valorizar o real”, diz a economista.
Dificuldade para reduzir os juros
A taxa básica de juro (Selic) está em 13,75% ao ano, o nível mais elevado desde dezembro de 2016. E não há sinais de que vá cair, pelo menos nos próximos meses. “Entendemos que a autoridade monetária brasileira será mais cautelosa a iniciar o ciclo de redução da Selic”, destaca Moreno.
Embora tenha perdido força, a inflação ainda está bem acima da meta. A variação acumulada em 12 meses foi de 5,77% até janeiro, ante um objetivo de 3,25%, com 1,5 ponto de tolerância, estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional (CMN).
“O que mais preocupa é a inflação de serviços, que segue dificultando a queda do IPCA. Os preços no segmento estão cedendo lentamente em razão da dinâmica da inércia inflacionária e do atual aquecimento do mercado de trabalho. Essa persistência da inflação dificulta a queda nos juros”, afirma a economista do C6 Bank.
Bruno Mori, economista e sócio da consultoria Sarfin, aponta que há outros complicadores, como a revisão dos preços da gasolina, com o fim da desoneração do PIS/Cofins, e a chance de alta no preço de commodities. “Se o dólar ficar entre R$ 5 e R$ 5,20, não teremos problemas”, pondera.
Mori diz que um fator que explica o atual patamar da Selic é o fato de que ela esteve muito baixa anteriormente – entre agosto de 2020 e março de 2021, ficou em 2% ao ano. Outro dificultador, segundo o economista, é que historicamente a meta de inflação foi mais elevada do que atual. “Há tempos que as projeções não convergem para a meta. Uma meta mais adequada faria com que o aumento na taxa de juros não fosse tão grande”, avalia.
Ao mesmo tempo, o cenário político e econômico limita as oportunidades para um corte no juro. No início de novembro, a expectativa das instituições financeiras era de encerrar 2023 com uma Selic a 11,25%, 2,5 pontos porcentuais abaixo do nível atual. Agora a projeção mediana é de 12,75%, o que representaria um corte de apenas 1 ponto.
As expectativas de inflação para os anos seguintes também estão se afastando do centro da meta. Bancos, corretoras e consultorias consultadas para o boletim Focus projetam uma inflação de 4,02% para o ano que vem, diante de uma meta de 3%, com intervalo de tolerância entre 1,5% e 4,5%.
Arcabouço fiscal é o ponto de partida
Analistas ouvidos pela Gazeta do Povo sinalizam que a continuidade do ímpeto reformista poderia abrir espaço para cortes nos juros. “O arcabouço fiscal é a deixa para o Banco Central estabelecer as diretrizes para um corte nos juros”, diz Ariane Benedito, economista e especialista em mercado de capitais.
Sérgio Goldenstein, economista da Warren, lembra que o Copom deu um recado duro na última reunião, realizada no início de fevereiro. “A postergação do ciclo de redução de juros deve-se à piora nas expectativas de inflação”, diz. E essa piora tem ligação com a incerteza sobre a questão fiscal.
A promessa de Haddad é de que o novo arcabouço seja apresentado ainda em março. Na segunda-feira (6), o ministro disse que o desenho da nova regra já foi concluído na Fazenda e agora será tratado com a área econômica do governo, para depois ser apresentado a Lula e enviado ao Congresso Nacional.
Para Moreno, do C6 Bank, é importante endereçar o quanto antes a questão da sustentabilidade do endividamento público. “A escolha de um mecanismo que traga equilíbrio às contas públicas é fundamental para manter os investidores interessados em títulos do governo brasileiro – e isso, no contexto atual de dívida alta e incerteza fiscal, tem papel decisivo sobre a taxa de câmbio e, portanto, a inflação. Em particular medidas que controlem gastos e aumentem a eficiência do Estado são bem-vindas”, diz a especialista.
Mas, por si só, o arcabouço fiscal não vai ser suficiente para resolver o problema das contas públicas, diz o co-head de investimentos da Arton Advisors, Raphael Vieira: "Ele tem de vir aliado a uma vontade do governo de gastar menos com a máquina pública e caminhar nessa direção".
Juros devem demorar a voltar a um dígito
Mesmo se o novo arcabouço fiscal sair logo do papel, a volta da taxa Selic a um dígito deverá demorar. As projeções do boletim Focus sinalizam isso para 2025, apenas. “A inflação deve cair a passos lentos”, diz a economista do C6 Bank. A sinalização do relatório Focus é de que o juro volte a patamares inferiores a 10% apenas em 2025.
Segundo Goldenstein, da Warren, as novas regras fiscais precisam ser críveis. O mercado mostra sinais de ceticismo em relação às contas públicas apesar de, em janeiro, ter havido um superávit primário de R$ 99 bilhões e o endividamento público ter recuado a 73,1% do PIB, o menor nível desde julho de 2017.
De acordo com o Itaú, a grande surpresa positiva em janeiro, relativamente às contas públicas, pode estar relacionada à menor execução de despesas em início do governo.
“A implementação da PEC da Transição [a PEC fura-teto] implica em um aumento significativo no gasto público em 2023, sugerindo um risco de volta a uma trajetória de elevação da dívida pública, após um superávit e queda da dívida temporários em 2022, fruto do alto montante de receitas extraordinárias, crescimento e inflação elevados, além de commodities em preços elevados”, aponta a equipe de análise econômica do banco.
O Itaú aponta que tal cenário, na ausência de ações corretivas – como o sucesso da implementação das medidas de ajuste anunciadas por Haddad para 2023 e a apresentação de um arcabouço fiscal crível e sustentável –, pode levar a um novo ciclo de crescimento baixo com inflação e juros altos.
Outro limitante para o corte nos juros, segundo Vieira, da Arton, é o cenário externo: "Se os Estados Unidos mantiverem os juros elevados ou acenarem para um cenário de juros ainda maiores, aqui fica muito difícil de cortar efetivamente os juros. Não temos expectativa, hoje, de vermos os juros [no Brasil] de volta ao patamar de um dígito no curto e médio prazo."
Ruídos políticos também dificultam redução dos juros
O arcabouço fiscal não pode ser considerado como uma “bala de prata” na guerra contra os juros altos. Parte da deterioração nas expectativas de inflação pode ser atribuída às declarações do presidente Lula contra o Banco Central.
“Os ruídos causados pelo presidente, como a discussão das metas de inflação, funcionam como um tiro no pé. Reduzem o espaço para a queda dos juros”, diz Goldenstein.
Mas não é só essa questão que preocupa o mercado. “Não existe problema em ter opiniões divergentes, desde que se respeitem as regras do jogo”, afirma Mori. Outro problema é a possibilidade de reversão de políticas econômicas já adotadas.
“É preciso estabilidade na condução da política econômica e segurança jurídica para poder viabilizar investimentos. Só assim se consegue dar previsibilidade para os investidores”, ressalta o sócio da Sarfin.
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