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Comércio exterior

O Brasil nunca precisou tanto da China quanto hoje

Movimento de contêineres no porto de Hong Kong | Anthony Kwan/
Bloomberg
Movimento de contêineres no porto de Hong Kong (Foto: Anthony Kwan/ Bloomberg)

Os negócios entre Brasil e China vão bater recordes neste ano. Nos dez primeiros meses do ano, as exportações atingiram US$ 53,2 bilhões. As importações, depois da forte queda por causa da recessão de 2015-2016, vão aumentar pelo segundo ano seguido: segundo a Secretaria de Comércio Exterior (Secex), até outubro, elas já estavam em US$ 29,9 bilhões, US$ 2 bi a mais do que o registrado em todo o ano passado.

 Não dá para negar que os laços com a segunda maior economia do mundo são muito fortes. E apesar de o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) ter admitido ao embaixador Li Jinzhang, na semana passada, que pode ampliar os negócios com a China, ainda há algumas dúvidas se o relacionamento entre os dois países poderá avançar ainda mais. 

 As incógnitas foram plantadas pelo presidente eleito ao longo dos últimos meses. Em março, ele esteve em Taiwan, considerada pela China como uma província rebelde. E durante a campanha criticou que empresas chinesas querem comprar terras no Brasil e dominar setores estratégicos da economia brasileira. No dia 30, o jornal chines Global Times, ligado ao regime, informou que se o Brasil desprezar o princípio básico sobre Taiwan, após a posse de Bolsonaro, isso poderá custar um grande negócio. 

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 E na segunda-feira da semana passada, segundo a Folha de S. Paulo, Zhang Zhongjung, professor da Escola Central do Partido Comunista - órgão central de formação da elite governamental chinesa - disse que “se o presidente eleito menospreza toda essa realidade de parcerias, isso nos traz um certo desânimo.”

 Segundo o diretor do Centro Brasil-China da Escola de Direito da Fundação Getúlio Vargas, Evandro Menezes de Carvalho, a visita de Bolsonaro a Taiwan acabou se mostrando como uma postura com falta de cautela.

“Não se toma atitudes com risco diplomático. É preciso ser realista nas relações comerciais e diplomáticas.” O Brasil mantém relações diplomáticas com a China desde 1974, no governo Geisel. E, dez anos depois, foi um militar na presidência, o general João Batista Figueiredo que fez a primeira visita de um chefe de Estado brasileiro ao país oriental. 

Tom Harper, pesquisador do doutorado em ciência política da Universidade de Surrey (Reino Unido) que estuda as relações diplomáticas entre a China e a América Latina, avalia:

 Acredito que a relação entre China e Brasil será um pouco mais cautelosa, Bolsonaro fez algumas declarações de apoio a Taiwan durante a campanha eleitoral, mas ainda é necessário ver se ele vai colocá-las em prática.

 O especialista da FGV destaca que é necessário um gesto concreto de Bolsonaro para reduzir essa “animosidade”. Menezes de Carvalho destaca que é uma questão que precisa ser tratada diplomaticamente. Uma das alternativas seria o novo governo se comprometer com o reconhecimento de que só há uma China, diz ele.

 Exportações

“A partir de 1° de janeiro, não vai dar para brigar desnecessariamente com a China”, diz Roberto Dumas, professor de economia internacional e comércio exterior do Ibmec. A balança comercial entre os dois países é amplamente favorável para o Brasil. Nos dez primeiros meses do ano, o saldo positivo foi de US$ 23,3 bilhões, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex). A alta em relação ao ano anterior foi de quase 24%.

No ano, as exportações brasileiras para a China atingiram US$ 53,2 bilhões, uma expansão de 28,5% em relação ao registrado em igual período do ano passado, quando foram comercializados US$ 41,4 bilhões em mercadorias brasileiras na China. E, apesar do superávit, a pauta brasileira é pouco diversificada. Cinco produtos de baixo valor agregado concentram 90,2% dos produtos vendidos por lá: soja, petróleo, minério de ferro, pasta química e carne bovina desossada. 

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 “Assim como a China, muitos países necessitam de produtos que o Brasil exporta. A soja, o minério de ferro, o petróleo e, em menor medida, a celulose, se destacam, pois são todos insumos importantes para os chineses. O Brasil é também muito competitivo nesses produtos”, explica a Confederação Nacional da Indústria (CNI). 

 E com o novo modelo de crescimento da China, focado no consumo, eles vão precisar de mais commodities, como, por exemplo, proteína animal, produzida em larga escala pelo Brasil. “E além disso, no que somos bons? Em aviões. Para que brigar desnecessariamente com os chineses”, questiona Dumas. O Fundo Monetário Internacional (FMI) estima que até 2022, o país mais populoso do mundo crescerá a um ritmo de cerca de 6% ao ano. 

 A CNI acredita que a China continuará a ser o principal destino para os produtos brasileiros.

Entre as grandes economias é a que cresce mais aceleradamente. Além disso, a China apresenta uma grande demanda por energia e alimentos, que são duas áreas em que o Brasil é um de seus maiores fornecedores.

Harper, da Universidade de Surrey, lembra que no cenário da guerra comercial entre as duas maiores economias do mundo, o Brasil teve alguns ganhos. “Pequim trocou algumas de suas cadeias de fornecedores, particularmente de soja e carne, dos Estados Unidos para o Brasil.” 

A entidade empresarial aponta que na relação com os chineses, um dos grandes desafios do governo é conseguir derrubar barreiras impostas pela China a produtos de maior valor agregado. Um dos produtos que mais sofre com isso é o suco de laranja. A taxação varia de acordo com a temperatura com a qual é exportado: se inferior a -18ºC paga 7,5% de imposto de importação, caso contrário, ele quadruplica. 

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Outro exemplo de barreira que os chineses impõem em relação aos produtos brasileiros é a sanitária. A Administração Geral de Quarentena, Inspeção e Supervisão da Qualidade (AQSIQ) da China institui recorrentemente medidas sanitárias, sem fundamentação científica, com vistas a evitar a propagação da febre amarela. Com isso, ela passa a exigir que embarcações e contêineres provenientes do Brasil apresentem certificados de fumigação contra o mosquito transmissor da febre. 

Para a CNI, o perfil das exportações para a China também pode ser melhorado por meio de ações de promoção comercial de produtos de maior valor agregado no país asiático.

Os industriais apontam que no caso de produtos de maior valor agregado, o Brasil ainda tem de se tornar mais competitivo no mercado chinês. “Um dos aspectos é a mão de obra mais barata que a brasileira”, destaca a entidade. 

Importações 

O Brasil importa produtos de maior valor agregado do gigante asiático. Os cinco produtos mais comprados são plataformas de perfuração ou exploração de petróleo, barcos-faróis e similares, partes para aparelhos de telefonia, partes para aparelhos de radiodifusão e televisão e células solares em módulos ou painéis. Nos dez primeiros meses do ano, as importações brasileiras de produtos Made in China foram de US$ 29,9 bilhões, 32,3% a mais do que no mesmo período de 2017.

Segundo a CNI, a pauta é mais desconcentrada porque a China é competitiva em vários segmentos da indústria. Uma parte dessa importação é de insumos para a indústria brasileira, e outra é de produtos finais que concorrem com os brasileiros.

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“Temos também o chamado custo Brasil que reduz a competitividade dos produtos brasileiros quando eles são comparados com os chineses. Além disso, em muitos casos, enfrentamos um comércio desleal, que torna os produtos chineses artificialmente competitivos”, diz a entidade por meio de nota.

Segundo Carvalho, da FGV Rio, esta assimetria (entre exportação de produtos de baixo valor agregado e importação de mercadorias de alto valor agregado) é uma grande questão bilateral. E ele diz que a resposta cabe ao Brasil: é uma questão de falta de investimento em ciência e tecnologia mais de cá do que de lá. Faltam produtos de maior valor agregado a serem oferecidos pelo Brasil. Uma prova disso é o baixo número de empresas brasileiras do setor de tecnologia que estão participando da Feira de Importação de Xangai.” 

Parceiro de investimentos 

Além de ser o principal parceiro comercial, a China é um importante parceiro para investimentos. O analista britânico destaca que os orientais veem grande potencial na América Latina, particularmente em relação a mercados e recursos, o que tem motivado seu impulso na região. 

No ano passado, o estoque de investimentos diretos da China na América Latina e Caribe atingiu US$ 115 bilhões, 46% a mais do que em 2016, segundo a Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal).O investimento chinês, por enquanto, está concentrado em áreas reduzidas. Dados do órgão mostram que, entre 2005 e 2017, ele foi direcionado a poucos setores – 80% para as áreas de mineração e hidrocarbonetos – e destinos – 81% para Brasil, Peru e Argentina. 

O Brasil tem grandes gargalos na infraestrutura e na logística e um dos principais países que tem disponibilidade de recursos para investir nesta área é a China, destaca Gabriel Kohlmann, da consultoria Prospectiva. 

Tanto Kohlmann quanto Dumas avaliam que os receios de Bolsonaro em relação a áreas consideradas como estratégicas - e que resultam de sua formação militar, nacionalista e antiglobalista - podem ser contornadas por meio de um arcabouço legal e de supervisão governamental bem definidos. 

Aproximação com a China x aproximação com os Estados Unidos 

A maior aproximação de Bolsonaro com Trump só irá afetar o relacionamento entre o Brasil e a China se houver alguma aproximação mais concreta, como investimentos no Brasil, destaca Carvalho. Mas não há sinalizações concretas para isto. As últimas duas personalidades de alto escalão do governo Trump que estiveram no Brasil, o ex-secretário de Estado Rex Tillerson e o secretário de Defesa, Jim Mattis, não deram sinais disso e só alertaram para o aumento da presença chinesa no país. 

“O que há, no momento entre o Brasil e os Estados Unidos são iniciativas em áreas pontuais como a cooperação em cibersegurança, defesa e telecomunicações”, enfatiza Kohlmann, da Prospectiva. 

Dumas acredita que por trás da postura de Bolsonaro está um desejo de ampliar as parcerias comerciais e de investimentos com os Estados Unidos. Mesmo com a ameaça do presidente americano Donald Trump em sobretaxar as compras de produtos Made in Brasil, as exportações para a maior economia mundial cresceram 7,1% no comparativo entre os dez primeiros meses de 2017 e 2018, atingindo US$ 23,8 bilhões. E as importações foram de US$ 23,7 bilhões, 14,3% a mais do que no ano anterior.

A CNI destaca que as relações comerciais do Brasil com os Estados Unidos e a China são complementares.

A China é o primeiro mercado, para o Brasil, em termos de comércio internacional e a pauta é concentrada em produtos básicos. Os Estados Unidos são o primeiro mercado quando consideramos as exportações de produtos industrializados.

O professor do Ibmec ressalta que é muito importante para o Brasil reforçar seu relacionamento com os Estados Unidos, mas “não dá para encarar como se fosse uma amizade de escola. É preciso reforçar as relações bilaterais com o maior número possível de países.”

Harper, da Universidade de Surrey, destaca que não se deve esperar maior interesse dos Estados Unidos em relação à América Latina. A exceção seriam áreas que tenham mais impacto no público interno, como a dos imigrantes ou a negociação do acordo comercial com o México que substitui o Nafta.

Desde a última metade do governo Obama, a América Latina recebe pouco interesse americano. O analista britânico aponta que os Estados Unidos estão dando muito mais atenção para o Oriente Médio, particularmente na questão nuclear iraniana. “Bolsonaro tem se mostrado pró-americano neste momento e tradicionalmente a direita brasileira tem apoiado muito os EUA, embora nem sempre tenha sido recompensada. Quem vai ditar o rumo desta história é o que farão os americanos.” 

Mesmo tendo visitando Taiwan, caso não receba um apoio prático dos americanos, o especialista britânico não descarta uma virada do presidente eleito em direção à China. Há precedentes nesta história. “Se não forem recebidas ofertas, é possível que Bolsonaro tome uma rota similar a Duterte, nas Filipinas, e busque investimentos chineses para desgosto de Washington.”

Kohlmann diz que os Estados Unidos só passarão a se preocupar mais com a presença chinesa na América Latina caso os orientais influenciem na dinâmica interna ou política da região.

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