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O Brasil sonhou em fazer chips. Mas por enquanto conheceu só suas dificuldades

Brasil patina no desenvolvimento e na fabricação de semicondutores (chips) | Nabor Goulart/Ceitec/Divulgação/
Brasil patina no desenvolvimento e na fabricação de semicondutores (chips) (Foto: Nabor Goulart/Ceitec/Divulgação/)

O governo brasileiro tem o sonho antigo de transformar o país em um produtor de chips. As primeiras negociações começaram no início dos anos 2000, durante a escolha do padrão de tevê digital, e, quase vinte anos depois, continuamos procurando uma porta de entrada na produção de semicondutores (chips). Contamos somente com a Ceitec, uma fábrica estatal deficitária, e algumas poucas iniciativas privadas. Dominar a tecnologia e a sua fabricação é essencial porque, cada vez mais, a eletrônica está sendo embutida nos objetos e o futuro passa pelas cidades inteligentes e pela Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês).

O primeiro projeto nacional para ter uma fábrica de chips aconteceu durante a escolha do padrão de tevê digital, no início dos anos 2000. O governo, durante a seleção de qual padrão seria usado para migrar o sinal analógico para o digital, condicionou a escolha de um sistema estrangeiro à contrapartida de construir uma fábrica de semicondutores no Brasil. O governo japonês e a Toshiba chegaram a manifestar interesse, mas o acordo para a construção da indústria não vingou.

A alternativa encontrada pelo governo foi construir uma fábrica pública. A Ceitec foi criada em 2008 e instalada em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, com o objetivo de transformar o negócio estatal em uma empresa líder no mercado nacional de semicondutores. Também era objetivo que a Ceitec puxasse a formação do polo tecnológico brasileiro de chips. Mas, apesar de ter desenvolvido alguns produtos, como um chip de monitoramento de gado, a Ceitec ainda é uma empresa deficitária.

A companhia só foi ter a sua primeira receita em 2012, no valor de R$ 189 mil. O governo já teve que integralizar R$ 200 milhões para aumento de capital da Ceitec, além do capital social de R$ 42 milhões. Desde a sua fundação, a empresa acumula prejuízo de R$ 117 milhões. O presidente da Ceitec, Paulo de Tarso Luna, afirma que, apesar dos números desafiadores, a indústria está no caminho certo: “Todas as grandes indústrias passaram por isso. Primeiro veio o aporte governamental para desenvolvimento da tecnologia e formação da equipe e depois a curva ascendente tendo o Estado como principal cliente”.

As outras iniciativas passam pelo setor privado ou por institutos de pesquisa. Há, por exemplo, a Unitec em Minas Gerais, a HT Micron no Rio Grande do Sul e o Instituto Eldorado e a Smart Modular Technologies em São Paulo. Sozinhos, porém, eles não conseguem colocar o país no radar da indústria mundial de semicondutores. Uma novidade que pode mexer - ainda que pouco - com esse cenário é a fábrica da Qualcomm em parceria com a ASE que será erguida no interior de São Paulo em até quatro anos.

Na visão do professor Jacobus Swart, da Faculdade de Engenharia Elétrica e Computação da Unicamp, a indústria nacional está muito atrasada no cenário mundial de semicondutores.

“Temos poucos casos de sucesso e temos pouca experiência na área. Falta que as empresas apostem mais em chips dedicados [projetos encomendados] e o governo demande mais soluções. Há muitas oportunidades nas áreas de smart grid, agricultura de precisão, cidades inteligentes e IoT.”

O atraso brasileiro é verificado tanto nos projetos quanto na fabricação dos chips. Enquanto no exterior se fazem chips com menos de 50 nanômetros, o país fabrica unidades de 600 (caso da Ceitec), 110 e 90 nanômetros, consideradas tecnologias antigas, caras e suscetíveis a erros.

Até mesmo o domínio da tecnologia, ou seja, a capacidade de projetá-la é um desafio para nós. São poucos os laboratórios por aqui que trabalham com projeto e design de chips abaixo de 100 nanômetros. Isso acontece muito pela falta de mão de obra qualificada. Segundo estimativas do Instituto Eldorado, temos apenas mil projetistas de semicondutores no país.

Para José Eduardo Bertuzzo, gerente executivo de produtos do Instituto de Pesquisas Eldorado, o Brasil precisa, até pelo seu tamanho, dominar a tecnologia de projeto de chips e a fabricação. “Temos que ter os dois, não podemos abdicar disso. O que se pode discutir é o que vem primeiro. Para ter uma fábrica, como a Ceitec, é preciso investimento intensivo. A parte de design [projeto do chip] é menos intensiva de capital. Você consegue formar gente capacitada e abrir uma projetista com poucas pessoas. O desafio é balancear as duas necessidades”. O pesquisador ainda completa: “O que não pode é investir tudo em fábricas de chip e não investir na formação de mão de obra e em empresas dedicadas ao design do chip”.

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