Maria Josefina Pavezi, mais conhecida como Jo Pavezi, desconstrói o mito de que todo conflito no ambiente de trabalho é ruim. No livro “Convide seu inimigo para um café”, a autora mostra que o conflito tem duas versões: uma funcional, que gera mudanças, e um disfuncional, que causa problemas. A obra elenca vários fatores que desencadeiam os atritos no mundo corporativo e mostra que o grande inimigo somos nós mesmos, com nossos apegos e crenças. Em entrevista à Gazeta do Povo, a psicóloga e coach falou sobre gestão de conflitos, a importância dos líderes e a necessidade de revermos nossas atitudes.
O livro quebra o paradigma de que todo conflito é prejudicial à empresa. Quando um atrito pode ser benéfico para os envolvidos?
O conflito é a maior alavanca da mudança. Dificilmente as organizações se modificam quando está tudo muito arrumadinho. Às vezes, precisa acontecer alguma situação um pouco mais caótica para que um novo patamar de desenvolvimento se estabeleça. O conflito é parte do processo de inovação, porque quando as pessoas estão debatendo novas ideias, um novo rumo organizacional pode acontecer. A ousadia e o conflito são duas molas propulsoras para a inovação dentro das organizações, por isso ele tem que ser bem-vindo.
A senhora pode citar um exemplo prático de quando um conflito resultou em uma inovação?
Eu fiz um trabalho de coaching em uma companhia em que eles estavam com muita dificuldade de compreender que a situação estava mais caótica do que eles imaginavam. Havia uma ilusão de harmonia. Enquanto esse grupo não conseguiu assumir para si a crise que eles estavam vivendo, eles não conseguiram mudar a situação. Foi preciso trazer o conflito à tona, mapear esse conflito, ver onde ele estava baseado. A hora em que o grupo assumiu que tinha uma crise, aí sim o conflito ficou funcional. Agora nós sabemos do que se trata e queremos modificar juntos.
Quais são os conflitos mais comuns no ambiente de trabalho?
O mais comum é a dificuldade de comunicação. Mas a grande base dos conflitos dentro das organizações é a dificuldade que as pessoas têm em trabalhar com expectativas. Outra questão é que dificilmente as pessoas abordam como estão se sentindo. Isso vira um conflito disfuncional que afeta demais o desempenho, a emoção, a parceria e a sinergia do time.
Como os profissionais devem agir diante de atritos?
Identificando que tipo de contribuição você tem para aquela situação e de que forma você pode estabelecer um canal de comunicação transparente entre as pessoas do time. Eu acredito que a assertividade é uma habilidade que todo mundo precisa desenvolver, porque é a habilidade de ser direto, honesto e respeitoso.
O livro se propõe a desestabilizar as ferramentas na gestão de conflitos. Por que essas ferramentas não são tão eficazes?
O ideal é começar a compreender como você reage às situações para criar o seu jeito de lidar com os conflitos. É ser mais espontâneo nas situações, dar uma resposta nova para uma antiga situação, para não ficar preso a uma resposta trazida por alguém.
Com a crise, muitas empresas estão se reestruturando . O que fazer para que essas mudanças não prejudiquem os resultados?
É muito importante mostrar a direção. Dar um cenário bem claro do rumo da organização, quais serão as bases dessa mudança, que tipos de atitudes serão importantes. É fazer um processo de gestão de mudanças bem claro.
Da leitura do livro, entende-se que o inimigo que causa o conflito somos nós mesmos. Quais são as características pessoais desencadeadoras de conflitos?
A minha necessidade de ter razão, de classificar as coisas entre o certo e o errado, a minha expectativa de que o outro tem que mudar primeiro. Esses são elementos frustrantes. Por isso eu conectei todas essas leituras do conflito com os apegos.
Como um profissional deve lidar com seus apegos e defeitos para que eles não prejudiquem sua carreira?
Devem atualizar as crenças. Em vez de procurar o culpado pela situação, comece a refletir “onde é que eu estou preso”, e comece a mapear suas crenças. Você tem o direito de mudar a hora que quiser.
Os resultados de um processo de gestão de conflitos dentro de uma organização são sempre positivos?
As pessoas pensam que gestão de conflito é conduzir as coisas sempre de uma forma pacifica e que fique bom para todo mundo o tempo inteiro. Não é isso. Muitas vezes precisamos desmontar algum tipo de funcionamento, criar uma espécie de caos, para poder reconstruir em novas bases. Às vezes, no meio do caminho, pessoas se vão, processos são modificados, o tipo do negócio pode mudar de rumo.
As revoluções tecnológicas contribuem para aumentar os conflitos nas organizações?
Com o Whatsapp e o e-mail, muitas vezes, as pessoas tentam resolver os seus problemas de relacionamento por mensagem. Não façam isso. Sentiu que bateu uma mensagem e ela desceu quadrada, esquece o celular, chama a pessoa para tomar um café. Não dá para discutir relação por escrito, nem por telefone.
A ousadia e o conflito são duas molas propulsoras para a inovação dentro das organizações.
O feedback é um grande desencadeador de conflitos disfuncionais?
O feedback é um desencadeador de conflitos quando ele não é digerido. A ausência de feedback também pode gerar muitos conflitos. O ideal é lembrar que se você está muito dependente de feedback, seu grau de insegurança está muito alto.
Como um líder pode identificar quando um conflito vai resultar em inovações ou quando será disfuncional, ou seja, vai causar problemas?
As lideranças são muito pouco preparadas para identificar quando a equipe está sofrendo e quando deve promover debate de ideias. É muito importante que os líderes estejam atentos a certa comunicação meio velada do grupo, no sentido de saber que tipo de sofrimento está acontecendo ali, quem não fala com quem, quando o encadeamento dos trabalhos está prejudicado, quando tem quebra de parceria.
Um das soluções para um líder evitar que um conflito funcional vire disfuncional seria criar uma gestão horizontal?
Exatamente. Como que se cria uma gestão horizontal? Estabelecendo confiança. Isso começa com o próprio líder do time, com ele mesmo trazendo suas vulnerabilidades. Ele ser o gestor da área não significa que ele saiba tudo, que ele não possa ter dúvidas. Quando o time sente que o líder é claro naquilo que ele está sentindo, há uma cadeia de ajuda estabelecida imediatamente. É diferente de quando o líder começa a disfarçar, e o time está vendo que o barco está afundado.
No livro, a senhora aponta que os gestores dedicam de 25% a 50% do tempo administrando conflitos. Isso não afeta a produtividade da empresa?
Eu avalio esse dado sobre duas perspectivas. A primeira é uma boa notícia: os líderes estão dedicando bastante tempo para as questões de relacionamento. O outro lado é que os conflitos estão retornando, o que significa que a forma de manejo não está adequada. Tem um custo invisível para a organização que é a falta de preparo dos líderes para lidar com conflitos que retornam, e isso tem um custo.