Pela primeira vez um veículo regional vai comandar a Associação Nacional de Jornais (ANJ), instituição que reúne 154 empresas jornalísticas associadas, responsáveis por mais de 90 por cento da circulação brasileira de jornais. O capixaba Carlos Fernando Lindenberg Neto, diretor geral da Rede Gazeta, que edita os jornais A Gazeta e Notícia Agora, de Vitória, tornou-se presidente da Associação Nacional de Jornais no começo desta semana, durante o 9.º Congresso Brasileiro de Jornalismo, realizado em São Paulo. Café, como é conhecido, é formado em Economia pela PUC-Rio e desde 1988 trabalha na Rede Gazeta, seguindo a tradição da família. Agora, aos 46 anos, acumulará suas funções no grupo com a presidência da ANJ, sucedendo Judith Brito, da Folha de S. Paulo.
De que maneira o fato de vir de um grupo regional vai afetar a sua gestão?
A ANJ trabalha em um modelo colegiado, em favor de todos os seus associados, que são 154 jornais distribuídos por todos os estados brasileiros. E é natural que as mudanças capazes de responder aos desafios do negócio jornal sejam direcionadas pelos grandes jornais, a quem cabe o papel de formulação e experimentação. A ANJ está coordenando bem esse debate, especialmente com o Comitê de Estratégia Digital, mas o processo é permanente e o que pretendo fazer, até pelo dever que minha origem impõe, é levar a informação reunida nos comitês da associação a todos os jornais associados.
A ideia é levar informação útil para a tomada de decisão?
Sim, quero aumentar a percepção do valor da entidade entre os jornais regionais. Com informação e liberdade, cada associado poderá encontrar sua própria maneira de obter melhores receitas no mundo digital, grande desafio do momento.
O caminho do pagamento pelo conteúdo digital é quase unanimidade entre os veículos. Ele não deveria ter surgido antes?
No começo da web ninguém sabia direito onde isso daria. Fomos entrando nesse universo sem precificar, o que é um modelo insustentável. Tanto assim que a bolha digital não tardou para quem não tinha outro negócio como lastro. Produzir informação confiável custa caro e a publicidade nos meios digitais não veio no ritmo esperado, ao mesmo tempo em que concorrentes de outros ramos, como o Google, sem os mesmos compromissos dos jornais com a sociedade, foram muito eficientes em ganhar dinheiro. Então, a monetização de conteúdos chega com quase 20 anos de atraso.
Que preço os jornais pagam pela demora na correção de rumo?
Vejo duas consequências principais desse atraso: a perda de receita e, portanto, a perda de oportunidade de investimentos nos jornais e ainda o fato de que acostumamos mal o público. Mas aprendemos a lição. Tirando um ou outro veículo, todos perceberam que o caminho é o adotado pelo The New York Times com o sistema de pagamento na versão digital.
InformaçãoInteração crescente com o público deve marcar futuro das redações
O jornalista norte-americano Bill Kovach, co-autor de Fundamentos do jornalismo: o que os jornalistas devem saber e o público exigir, defendeu, em sua apresentação no 9.º CBJ, esta semana, em São Paulo, a conexão dos jornais com o público como o caminho mais certeiro para o sucesso dos veículos.
Para o veterano editor, a informação não é mais prerrogativa exclusiva de jornalistas porque o fator interação entrou na agenda das redações. "O público ávido por notícias está crescendo e não diminuindo. Cabe aos jornais desenvolver maior engajamento e envolvimento sem abrir mão da seleção e da checagem, características do jornalismo. O público deve ser convidado a sugerir assuntos que o jornal possa aprofundar", recomenda.
Kovach cita a cobertura do furacão Katrina, em 2005, como um marco na interação entre público e redações. O Katrina mudou o fluxo de informação porque os canais tradicionais falharam e os editores aproveitaram a tecnologia para convidar os cidadãos que viviam a tragédia a relatar suas experiências. Algo semelhante ocorreu logo a seguir, durante o vazamento de óleo no Golfo do México.
É em coberturas de grande relevância que a interação deve ser explorada, diz, ao mesmo tempo em que alerta: o uso indiscriminado das ferramentas de engajamento pode produzir o efeito oposto ao desejado, banalizando a participação do público em vez de valorizá-la. O ex-editor do The New York Times ressalta que tanto quanto para os demais conteúdos a seleção por critérios jornalísticos deve ser aplicada às ações de engajamento, levando-se em conta, acima de tudo, o interesse e a atratividade das informações compartilhadas.