Pequenos produtores de leite não são o alvo típico da evolução tecnológica. Com baldes e um banquinho, fazem o mesmo há gerações: ordenham vacas. Quando muito, têm um refrigerador para guardar a produção por algumas horas. Mesmo assim, um empurrão da ciência pode fazer muita diferença, como provam os pesquisadores da Embrapa Gado de Leite, localizada em Minas Gerais. Eles criaram um kit com baldes e materiais de limpeza que, quando usado corretamente, melhora a qualidade do leite ao reduzir a contaminação por bactérias. Sem microchips, laser ou nanotubos de carbono. O investimento do produtor? Menos de R$ 200.
Entusiastas da inovação tecnológica dizem que ela é o principal motor do desenvolvimento. Muito desse prestígio vem do fato de que melhorias técnicas aumentam a produtividade e a qualidade de vida das pessoas. E não são somente as invenções de ponta, criadas em laboratórios cibernéticos, que entram nessa conta. Soluções simples, muitas vezes baratas, ou que não apresentam um apelo comercial à primeira vista, também fazem parte do argumento que relaciona desenvolvimento com a evolução da tecnologia.
Em geral, tecnologias que emergem fora do eixo comercial e que provocam algum tipo de melhoria de vida são chamadas de "sociais". O conceito engloba de pequenas ferramentas até métodos de ensino. As novidades nessa área têm de ter custo baixo, simplicidade, e precisam levar a um ganho econômico ou na qualidade de vida. O kit da Embrapa é exemplar. Custa pouco e melhora o padrão do leite, o que pode garantir alguns centavos a mais no preço pago ao produtor.
Os pesquisadores da Embrapa partiram da constatação de que alguns produtores entregavam aos compradores um leite com nível baixo de bactérias. Descobriram que eles tinham um cuidado especial com a higiene. Assim, decidiram desenvolver o kit que facilita a mistura de água com cloro para fazer a limpeza da vaca na hora da ordenha. "Nos casos mais graves de contaminação, a queda na presença de bactérias foi de 92%", conta o pesquisador Guilherme Nunes de Souza. Agora, a Embrapa trabalha na difusão da tecnologia. Imprimiu 40 mil cartilhas explicando o método e tem organizado palestras para educar pequenos produtores em sete estados.
O Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar) tem um departamento que desenvolve tecnologias sociais. O projeto mais difundido é o de biodigestores para criadores de porcos. Os dejetos gerados na produção são colocados em grandes bolsas, onde liberam o gás metano, usado na produção de energia. O tratamento foi adotado por grandes companhias, como Sadia, e até gera créditos de carbono, por evitar a emissão do gás causador do efeito estufa na atmosfera. Em outra frente, o Tecpar criou tecnologias para ajudar na separação de lixo reciclável. Um processo separa o papel do plástico e do alumínio das embalagens longa vida, enquanto em outro projeto foi montada uma prensa manual.
"A tecnologia social só serve quando ela simplifica e barateia as atividades. Tem de ser algo do tamanho do problema", diz Alexandre Akira Takamatsu, gerente da área de tecnologias sociais do Tecpar. No caso da prensa projetada pelo instituto, os pesquisadores partiram do fato de que o material reciclável vale mais quando compactado. "Uma prensa industrial custava R$ 20 mil na época. Chegamos a um modelo que custava 10% disso", conta Takamatsu. O uso da máquina, segundo uma conta feita pelos técnicos do instituto, aumentaria em cinco vezes o valor do lixo recolhido.
O problema muitas vezes é fazer uma tecnologia social chegar ao mercado. O Tecpar, por exemplo, não tem como finalidade produzir os equipamentos que desenvolve e espera que haja interesse da iniciativa privada em tocar a ideia já pronta. "É preciso adquirir escala de produção e muitas vezes as empresas que estão no mercado resistem a novas ideias", diz o gerente do Tecpar. Entidades públicas, como a Fundação Banco do Brasil e a Financiadora de Estudos e Pesquisas (Finep), e organizações não-governamentais têm sido as principais fontes de recursos para tocar projetos de tecnologia social.