Ozires Silva em Curitiba, na cerimônia do prêmio de empreendedorismo que leva o seu nome| Foto: Antonio Costa/Gazeta do Povo

Um piloto na "Noite Oficial dos Ovnis"

O livro Um líder da inovação traz também episódios inusitados. Um deles ocorreu em maio de 1986, quando então presidente Sarney convocou Ozires Silva a Brasília para pedir que assumisse a Petrobras no lugar de Helio Beltrão. Na volta para São José dos Campos, pilotando o próprio avião Xingu da Embraer, Ozires viveu um episódio conhecido como a "Noite Oficial dos Ovnis", quando 20 objetos não identificados foram detectados no espaço aéreo pelo Cindacta de Brasília.

"Vi um corpo bastante mais alongado, talvez da cor de uma lâmpada fluorescente, e circulei várias vezes o meu avião, olhando para baixo e, sinceramente, não sei dizer o que era efetivamente", conta.

No dia seguinte, na coletiva de imprensa, Ozires ficou surpreso. Nenhum jornalista queria saber de petróleo, mas de discos voadores: "Aí foi curiosíssimo, pois, felizmente, embora meu conhecimento sobre pe­­tró­leo fosse acadêmico e distante, as perguntas foram só sobre os UFOs."

"Sua personalidade altiva, correta, honesta e retilínea não lhe permitiu compactuar com o cenário estranho que já se desenhava naqueles dias", diz o companheiro de CTA brigadeiro Sócrates Monteiro da Costa, que era ministro da Aeronáutica no governo de Collor de Mello, quando Ozires ocupava a pasta da Infraestrutura.

Laços afetivos

Nascido em Bauru, cidade com a qual ainda mantém laços fortes, e casado há 60 anos com Therezinha, Ozires Silva se tornou bisavô há pouco menos de um mês – ele tem três filhos e sete netos. É sócio de um empresa de biotecnologia – a Pele Nova, fabricante de material para reconstrução de tecidos a partir do látex – e um requisitado palestrante sobre inovação.

Crítico da falta de investimento do governo em educação e do chamado capitalismo de Estado, acha que o governo deveria se ocupar da regulamentação e da fiscalização da atividade produtiva, deixando os negócios para a iniciativa privada, mais eficaz, ágil e competitiva.

"O setor de aviação é supercontrolado. Por que o governo tem de autorizar uma linha aérea? Se ela não for viável, que a empresa arque com o custo de testar essa linha", afirma.

Feira aeroespacial

O projeto mais recente de Ozires é transformar São José dos Campos na sede da maior feira aeroespacial da América Latina. "Temos um terreno do CTA capaz de abrigar uma feira maior que a de Le Bourget, na França. Vamos ser os maiores do Hemis­fério Sul", garante.

Quando os projetos partem do homem que ajudou a transformar ceticismo na terceira maior empresa de aviação do mundo, não há por que duvidar.

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O engenheiro Ozires Silva, 81 anos, não esquece a mãozinha do destino quando, em abril de 1969, o avião do então presidente Artur da Costa e Silva, impedido de pousar em Guara­­­tinguetá (SP) por causa de um nevoeiro, mudou o pouso para São José dos Campos (SP).

O então major Ozires era a maior autoridade do Centro Técnico Aeroespacial (CTA) naquele dia e cabia a ele receber a inesperada visita do presidente. Sem gabinetes, sem protocolos, sem intermediários, seria uma oportunidade única para conversar com a maior autoridade do país sobre a indústria brasileira de aviões, uma ideia que havia taxiado no CTA depois da criação do primeiro avião de testes 100% brasileiro, o Bandeirante, que não decolava por ceticismo dos militares e do governo.

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Durante a hora em que Costa e Silva esteve no CTA, Ozires percorreu os hangares e vendeu ao presidente a ideia de fabricação do Bandeirante para a Força Aérea Brasileira (FAB). Costa e Silva prometeu "examinar a ideia". Dois meses depois, Ozires foi a Brasília explicar a uma turma de ministros o projeto. O então ministro da Fazenda, Delfim Netto, de início relutante por causa dos custos de um projeto dessa envergadura, acabou se animando. "E qual seria o nome da nova empresa?", perguntou Delfim. "Embraer: Em­­presa Brasileira de Aero­­náutica", respondeu Ozires.

Nascia ali, finalmente, da obstinação de um grupo de militares do CTA e da quebra de hierarquia de um deles, aquela que se transformaria na terceira maior empresa de aviação do mundo, com faturamento estimado de R$ 6 bilhões em 2011. Essas e outras histórias fazem parte do livro Ozires Silva: um líder da inovação, biografia do criador da Embraer, escrita pelo engenheiro Decio Fischetti, que deve ser lançado em abril.

Um líder da inovação poderia render muito mais nas mãos de um escritor ou jornalista acostumado com biografias. O texto se mostra muitas vezes confuso. Mas a trajetória de Ozires – que foi presidente da Petrobras no governo de José Sarney (1986-1988), integrou uma missão à China organizada pelo guru da administração Peter Drucker, foi superministro da Infraestrutura no governo de Fernando Collor de Mello (1990-1991), o grande executor da privatização da Embraer (1994) e presidente da Varig (2000-2002) – não tem como não resultar em histórias interessantes, como as brigas com o então ministro de Minas e Energia Aureliano Chaves sobre os rumos do Proálcool, ou o pedido de demissão do governo Collor, incomodado com o grupo da República de Alagoas que levaria o presidente ao impeachment.

"Minha experiência no governo me deixou claro que, se a Embraer queria se modernizar e competir no disputado mercado internacional de aviação, a saída só poderia ser a privatização", diz Ozires. "O governo é lento e controlador. O governo tem de melhorar o ambiente de investimento, e não controlar setores industriais."

"De uma forma bem objetiva, a Embraer simplesmente não existiria sem o Ozires", resume o presidente da Embraer, Frederico Curado. Foi Ozires quem liderou o time que conduziu o processo de criação da empresa, em 1969, e se tornou seu primeiro presidente, posição que ocupou por 17 anos. Retornou em 1991 para levar a Embraer de forma segura e estável à privatização, em dezembro de 1994. Nessas duas fases absolutamente críticas na história da empresa, a liderança de Ozires Silva foi determinante para seu sucesso.

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