A máxima "o cliente sempre tem razão" está longe de ser justificativa para toda e qualquer atitude do consumidor inclusive à luz do Código de Defesa do Consumidor. Apesar de ter sido criado para defender os direitos do comprador, o documento que baliza as relações de consumo no país não endossa comportamentos abusivos, seja qual for o lado do balcão. Os princípios do documento, como a boa-fé, valem para fornecedores e clientes, e mesmo empresas têm direito a indenizações em caso de difamação ou dano moral.
"O Código de Defesa não tem um capítulo dos deveres do consumidor, mas está estruturado dentro do conceito de boa-fé, que é a noção de que ambas as partes do contrato têm deveres de lealdade e transparência. O contrato não é uma guerra, é uma cooperação; e o consumidor tem direito de reclamar, mas não de forma abusiva", esclarece o advogado e professor de Direito Civil das Faculdades Integradas do Brasil (Unibrasil), Frederico Glitz. Ele, que atua também com direito empresarial, lembra de reclamações que se tornaram célebres pela abusividade, como a de um consumidor de Santa Catarina que estendeu uma faixa em frente uma loja reclamando de seus produtos, e a de outro que publicou um anúncio em um jornal afirmando que os serviços de uma determinada empresa eram de má qualidade. "São casos de abuso de direito, em que a fama comercial das empresas foi denegrida", pondera Glitz. "Se o consumidor se sentir prejudicado, cabe a ele procurar o Judiciário ou o Procon e preterir uma indenização. É esse equilíbrio que tem ter, se não vira selva."
Contrato
Quem lida diretamente com o atendimento ao cliente é quem mais sofre com os eventuais abusos dos consumidores. Na maioria das vezes, opinam, o conflito é provocado por clientes que não prestaram a devida atenção ao contrato, e que exigem aquilo a que não têm direito por exemplo, a troca de um produto fora do prazo determinado pela lei ou o ressarcimento por um defeito que eles mesmos provocaram.
O gerente de uma loja de móveis em Curitiba, que preferiu não se identificar, conta que é comum aparecerem consumidores criando confusão. "Praticamente toda semana temos algum problema com clientes. Em alguns casos, eles chamam a polícia para vir junto." A maioria das reclamações, diz ele, é motivada por trocas após o vencimento do prazo dado em lei. "Esse cliente entende o não como mau atendimento. Xingamentos e desacatos são freqüentes, mas já houve casos de consumidores que ameaçaram funcionários com armas de fogo", conta o gerente, que já registrou inclusive um boletim de ocorrência contra uma cliente que cuspiu em sua cara.
Há quem prefira relevar as ofensas, como o vendedor de uma loja de eletrodomésticos, que também não quis se identificar. "Se eu fosse levar tudo a ferro e fogo, teria processado os clientes que me chamaram de ladrão depois de acharem um produto caro, como se fosse minha culpa. Eles não se importam se é ofensivo", afirma.
Na companhia telefônica GVT, a grande maioria das reclamações infundadas vem de consumidores inadimplentes, que pedem a renegociação das dívidas e não se conformam com as condições oferecidas pela empresa, ou que negam terem feito determinadas ligações, como explica o diretor de atendimento, Frederico Gomes. "Se o cliente usou o telefone, se temos o registro dessas ligações e se ele assinou contrato conosco, devemos cobrar. Há consumidor que quer parcelar a dívida em 20 vezes. Isso não é razoável."
Em casos como esse, comenta o advogado e professor de Direito da Universidade Positivo Eros de Moura Cordeiro não cabe ao cliente usar o Código de Defesa do Consumidor como subterfúgio para reclamar. "Uma vez informado sobre as condições do negócio, o consumidor tem o dever de cumprir o contrato. Ele não pode se escusar de sua obrigação dizendo que é a parte fragilizada da relação."