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O mercado do futuro já existe: não tem caixas e nem filas, só câmeras e sensores

São Francisco, nos EUA, ganhou a sua primeira Standard Market, uma loja sem caixas registradoras e totalmente automatizada onde os compradores que baixaram o aplicativo podem pegar o que quiserem e simplesmente sair. | CAYCE CLIFFORD/NYT
São Francisco, nos EUA, ganhou a sua primeira Standard Market, uma loja sem caixas registradoras e totalmente automatizada onde os compradores que baixaram o aplicativo podem pegar o que quiserem e simplesmente sair. (Foto: CAYCE CLIFFORD/NYT)

Em uma tarde recente, o mais novo mercado da cidade estava tentando descobrir se eu ia comprar, roubar ou deixar para trás um saco de pipocas com queijo cheddar branco – e eu também.

Do lado do mercado: 27 câmeras no teto e uma grande quantidade de dados comportamentais.

Do meu lado: uma indecisão incapacitante.

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No começo de setembro, San Francisco abriu sua primeira Standard Market, uma loja sem caixas registradoras e totalmente automatizada. Os compradores que baixaram o aplicativo do mercado podem entrar no espaço de 175 metros quadrados, pegar o que quiserem e simplesmente sair. Não há um portão de check-in nem um escâner de códigos na saída. As câmeras do teto identificam o comprador e os itens e determinam quando aqueles produtos saem da loja com aquela pessoa. Ou, pelo menos, essa é a ideia.

A startup por trás dessa operação é a Standard Cognition, que levantou US$11,2 milhões em capital de risco e formou parcerias com quatro redes varejistas em todo o mundo. Este primeiro mercado é um protótipo para mostrar a tecnologia e resolver problemas. O objetivo ambicioso é colocar essa tecnologia em 100 lojas por dia até 2020.

Cinco dos sete fundadores vieram da Securities and Exchange Commission, onde criaram softwares de inteligência artificial para detectar fraudes e violações comerciais antes de criar a Standard Cognition em 2017. Agora, esses especialistas em fraude estão trabalhando para discernir algo igualmente complicado: se estou roubando um pacote de pipoca.

Câmeras e sensores para eliminar as filas do caixa

O Standard Market é o mais recente lançamento na briga emergente da automação do varejo, em que as companhias estão colocando câmeras e sensores e usando aprendizado de máquina em supermercados para substituir a fila do caixa. Em janeiro, a Amazon abriu ao público seu primeiro mercado Go, sem caixas, em Seattle; e desde então inaugurou mais lojas. Na China, existem várias experiências com lojas sem caixas, usando etiquetas de identificação por frequência de rádio e processos que envolvem escanear um código Quick Response ou o rosto do comprador.

O Standard Cognition funciona de maneira diferente. Ele depende exclusivamente das câmeras do teto e do software de inteligência artificial para descobrir o que você está comprando. As câmeras documentam os movimentos dos compradores, a velocidade, o comprimento do passo e o olhar. A loja percebe quando olhei para um cartaz e por quanto tempo. Sabe se diminuí o ritmo, peguei uma barra de chocolate e coloquei de volta. Pode ver se meu corpo está de frente para os chips de manga, mas meu rosto está voltado para a pipoca.

E sabe (ou está tentando saber) quando estou planejando roubar.

O objetivo é prever e impedir o furto em lojas porque, ao contrário das lojas Go da Amazon, que têm um portão parecido com uma catraca do metrô para entrar e sair, o Standard Market tem as portas abertas e o caminho desimpedido.

Aprendemos os comportamentos das pessoas que estão saindo”, explicou Michael Suswal, um dos fundadores e diretor de operações da Standard Cognition. A trajetória, o olhar e a velocidade são especialmente úteis para detectar o roubo, disse ele, acrescentando: “Se eles vão roubar, o passo é mais largo e eles estão olhando para a porta

Assim que o sistema decide que detectou um potencial comportamento de roubo, um atendente da loja recebe uma mensagem e vai encontrar a pessoa para “uma conversa educada”, afirmou Suswal.

Prever o roubo exige obter vários dados sobre os compradores, entre eles muitos que ainda não existem – “ou pelo menos ninguém está disposto a nos dar”, disse ele.

Então, alguns dias antes da abertura do Standard Market, a Standard Cognition contratou 100 atores para fazer compras lá por quatro horas. No Japão, a equipe trabalhou em uma cadeia de lojas de conveniência, cujo nome não divulgou, em um esforço bastante útil para coletar de dados.

A Standard Cognition disse que, ao contrário do reconhecimento facial, a empresa não coleta informações biométricas, uma possibilidade que incomodou os especialistas em privacidade que observam a evolução da tecnologia.

Mais tecnologia, menos empregos? Talvez não

O crescimento da tecnologia que elimina o caixa poderia prejudicar a força de trabalho americana, afinal, existem quase cinco milhões de trabalhadores de vendas no varejo nos Estados Unidos. No entanto, quando estava lançando a tecnologia da Standard Cognition, Suswal descobriu que a maioria dos donos de lojas não pensa em substituir os funcionários. Em vez disso, eles querem que seus empregados percorram mais as lojas, na esperança de atrair compradores de volta ao varejo tradicional ao vivo.

“Todos falaram sobre novos serviços, que tornem as compras mais divertidas e mostrem que vale a pena fazer compras off-line”, explicou Suswal.

E falam sobre dados. Enquanto o dono de uma loja pode examinar os recibos para ver quem comprou um ketchup genérico, a tecnologia que elimina a caixa pode ajudar a saber se o comprador primeiro pegou um vidro do ketchup Heinz e quanto tempo passou olhando para ele. Basicamente, agora os proprietários podem ver o que o cliente não comprou.

Em uma sexta-feira recente, uma fila se estendia na rua do Standard Market, enquanto um segurança na porta recebia um comprador de cada vez para a experiência automatizada. A loja fica no sofisticado bairro de Mid Market, em San Francisco, entre o restaurante paquistanês, Chanvi Eatery, e a Huckleberry Bicycles, uma loja de bicicletas de alto nível. Do lado de fora, as pessoas estavam baixando o aplicativo e digitando seus números de cartão de crédito.

Yoshimasa Takahashi, de 32 anos, que trabalha com finanças ali perto estava saindo da loja. Um recibo apareceu em seu celular. Dizia que ele tinha comprado macarrão e um pacote de Macaroni & Cheese Kraft – no entanto, ele não havia levado o Macaroni & Cheese da Kraft.

“Eu mexi nele, mas não saí com ele do mercado”, disse Takahashi, sorrindo por causa de sua vitória sobre a tecnologia.

O segurança lhe deu um reembolso.

Lá dentro, Rebecca Schiffman, de 28 anos, estava trabalhando na loja. Ela era funcionária da Whole Foods quando a equipe da Standard Cognition a recrutou, gostou da ideia de sair de trás de uma caixa registradora e disse que não se incomodava em ter que intervir no caso de potenciais ladrões.

“Eu fazia isso o tempo todo de qualquer maneira”, afirmou.

Por enquanto, o horário de funcionamento é restrito – a loja ficará aberta apenas meio período às quartas e sextas-feiras, enquanto a tecnologia está sendo ajustada. E a seleção de alimentos é extremamente limitada. A loja tem apenas 2,3 metros quadrados dedicados à comida porque, segundo os fundadores, eles ainda não obtiveram as licenças necessárias para aumentar as ofertas. Por causa disso, há uma variedade estranha de itens – Fritos, Apple Jacks e Starbucks Frappuccinos – muito parecida com o que pode ser encontrado em uma máquina de petiscos de um dormitório de estudantes.

Como funciona?

Para fazer compras, abri meu telefone, que piscou com uma luz azul, deixando a loja saber que eu tinha entrado. E vaguei por ali, jogando itens na minha sacola e saí.

Do lado de fora, encontrei Suswal. Um minuto se passou, e uma notificação apareceu no meu telefone com o recibo: uma pipoca de cheddar branco e um rolo de papel higiênico por um total de US$ 1,19.

Na verdade, saí com dois sacos de pipoca. Eu tinha brincado com o segundo saco, pensei em comprá-lo, considerei meus planos para o jantar, coloquei de volta e finalmente o peguei de maneira impulsiva. O sistema errou.

“Isso não deveria acontecer”, disse Suswal. E ainda assim aconteceu. Ele deu de ombros e disse que eu tinha vencido.

Então, fui embora com o saco extra de pipoca de US$ 0,99 e nem me senti mal. Logo, a Standard Cognition e outras lojas parecidas provavelmente ficarão melhores, vão detectar perfeitamente onde esse lanche foi e meu movimento será registrado e previsto pelos dados intermináveis da inteligência artificial.

Por enquanto, porém, não. A tecnologia não é boa o suficiente. E eu estou coberta de migalhas.

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