A vaidade custou caro a Leonil Guimarães, aposentada de 84 anos que vive em Curitiba e tem como um de seus maiores orgulhos um parentesco distante com o ex-deputado Ulysses Guimarães, o "Senhor Diretas". Em meados de 2004, ela tomou um empréstimo de R$ 600 para recuperar os dentes. A princípio parecia uma boa idéia, mas hoje ela não está tão certa. As circunstâncias a levaram a tomar outro financiamento, e agora Leonil está com o orçamento comprometido por mais 33 meses – ou seja, as dívidas só serão quitadas quando ela tiver 87 anos. Até lá, Leonil terá de acostumar-se a comer pouco, já que foi na lista de alimentos que ela conseguiu cortar os gastos.

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O caso é dramático, mas não é único. Desde maio de 2004, quando o governo federal permitiu aos bancos que oferecessem empréstimos consignados (ou seja, com as parcelas do pagamento descontadas dos vencimentos do segurado), 274 mil aposentados e pensionistas já recorreram ao expediente e sacaram R$ 660 milhões. A avidez do público é fácil de ser explicada: as aposentadorias são pequenas e a oferta de crédito para esse tipo de público sempre foi tímida. "Por isso eles comemoram o empréstimo consignado", explica o engenheiro Paulo Ambrozewicz, professor de Administração na PUC. "Mas os juros são absurdos para o momento econômico atual, e muitos têm dificuldade para sobreviver com o que sobra do benefício depois do desconto."

O que acontece com freqüência é que os aposentados deixam-se seduzir pelos longos prazos de pagamento, e esquecem de comparar o valor da parcela com os custos fixos do seu dia-a-dia. Muitos colocam nessa conta itens como alimentação e moradia, mas esquecem-se de somar outros valores. "O idoso tem itens de consumo fixos e caros, que são os remédios", lembra o coordenador do curso de economia do Unifae, Gilmar Mendes Lourenço. "O ideal seria respeitar uma linha que separasse o consumo racional dos estímulos do marketing", afirma. E sempre há o imprevisto, capaz de quebrar qualquer previsão orçamentária.

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A história de Leonil é bem elucidativa sobre isso. Depois de cair em tentação com os R$ 600, ela estava prestes a quitar o financiamento quando o imprevisto apareceu. O sobrinho com quem morava faleceu no início deste ano. A renda domiciliar, que era ampliada com os vencimentos do parente, caiu. Foi então que ela teve de assumir novo empréstimo, para pagar as contas do funeral. Para adaptar-se aos novos tempos, ela teve de mudar-se para uma casa menor. A sua aposentadoria, de R$ 480, tem de ser suficiente para bancar o aluguel – R$ 180 –, as parcelas do financiamento e a comida. "Faço uma listinha do pouco que posso comprar e vou cortando. É difícil parecer rica quando, na verdade, se é pobre", lamenta.

Outra aposentada, Olenice Tonholi, está em situação semelhante. Ela financiou R$ 5 mil para fazer reformas na casa. A cada vez que recebe o salário, com R$ 371 de desconto, ela se arrepende do empréstimo. "Sobra menos para o supermercado", diz. "Esse negócio vira uma bola de neve."

O que move a bola de neve é a taxa de juros. Em maio deste ano, segundo relatório do Banco Central divulgado na semana passada, a taxa média cobrada nos empréstimos consignados era de 2,64% ao mês. Bem inferior aos 4,86% cobrados em outros tipos de operação de crédito pessoal, mas bastante acima de taxas praticadas em outros países – no mercado americano, por exemplo, é possível encontrar taxas entre 0,5% e 0,6% ao mês. No Brasil, o governo federal impôs um limite de 2,9%.

Ingênuos, os aposentados não costumam fazer contas. "Todo empréstimo é bom na hora que você pega o dinheiro", admite Iracema Duarte Silva, membro da Associação dos Aposentados da Previdência Social. "Depois fica difícil de pagar." Ela, que ouve com freqüência reclamações sobre os empréstimos consignados, também sentiu o problema na pele. Tomou dinheiro para comprar móveis – na verdade, um canto-alemão que custou R$ 2 mil – e hoje acredita ter feito um mau negócio.

Para Maria Inês Dolci, coordenadora da Associação Brasileira de Defesa do Consumidor, seria necessário que as instituições financeiras alertassem os clientes a não tomar empréstimos acima de sua capacidade de pagamento. O financiamento pode ser útil para bancar despesas com emergências (um tratamento de saúde, por exemplo), mas não para comprar bens ou favorecer membros da família. E deve ser uma decisão pensada, não por impulso.

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O típico cliente de impulso é como uma senhora de 75 anos ouvida pela reportagem, que preferiu não se identificar. Caminhando pelo Centro de Curitiba, ela recebeu um folheto, entrou em um escritório e pegou um empréstimo de R$ 1.400. Ainda não se arrependeu, tanto que até fez mais um contrato depois disso. "Tinha de pagar umas dívidas", explicou. Com uma pensão de um salário mínimo, da qual por 30 meses serão subtraídos R$ 79, e pagando aluguel, ela só não passa necessidade porque ainda trabalha. "Se tivesse de parar, não saberia o que fazer", confessa.