Entenda as questões do PIB| Foto:

Contradições

Indicador tem distorções

Quando um economista diz que o PIB vai crescer 5%, como se tem projetado para o desempenho do Brasil em 2010, significa que haverá mais produção, mas não é possível dizer a que custo porque a conta guarda dezenas de contradições. Um exemplo bastante usado é o dos acidentes de trânsito. Quando há uma colisão, o PIB aumenta, pois há demanda por serviços de oficinas e peças. Em casos mais graves, são exigidos serviços e materiais médicos. O PIB esconde que, no fundo, há um desperdício.

"Quando você bebe água mineral, contribui mais para o PIB do que tomando água da torneira. Mas não se leva em conta que o impacto ambiental de uma garrafa de plástico e do transporte em caminhões é exponencialmente maior do que abrir a torneira", compara o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP. Assim, o PIB se torna um guia distorcido para políticas públicas, dando mais espaço para a quantidade do que para a qualidade.

Outra contradição é que o PIB é pouco útil para se medir a herança das gerações futuras. "Ele diz bem o que a economia produz agora, mas não indica se isso é sustentável", diz o economista Carlos Young, professor da UFRJ. Assim, a exploração de recursos naturais aparece nas estatísticas como crescimento do PIB, sem indicar se essa atividade deixará como herança maior qualidade de vida. (GO)

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Renda é um fator de satisfação

O uso do PIB como medida para guiar políticas públicas tem muito a ver com sua simplicidade e com o fato de ele ser uma avaliação aproximada da direção para onde vai a renda e o emprego. Para as alternativas de medição o que vale são os resultados da atividade econômica. Na tentativa de mostrar o tamanho da lacuna no PIB, uma equipe da ONG Redifining Progress calculou a evolução da economia dos Estados Unidos usando um novo método, o Indicador de Progresso Genuíno (IPG). Ele retira do PIB os custos com acidentes de trânsito, degradação do meio ambiente, de deslocamento nas grandes cidades, entre outros. A conclusão foi que, de 1950 a 2004, o IPG dos EUA cresceu a uma taxa anual de 4%, enquanto o PIB subiu 9% ao ano – a qualidade de vida, portanto, melhorou menos do que dizem os números do PIB.

Outra metodologia alternativa é o índice de Felicidade Interna Bruta (FIB). A ideia apareceu no Butão em 1972 – pequeno país da região do Himalaia – e ganhou adeptos entre economistas que estudam a relação entre riqueza e felicidade. O FIB engloba sete variáveis de qualidade de vida, inclusive uma econômica. Quase 30 anos depois, o FIB inspirou uma série de estudos sobre bem-estar e felicidade.

"Aumentos de renda tendem a elevar a satisfação das pessoas com suas vidas nas camadas mais pobres. A partir do ponto em que a renda ultrapassa um certo nível, em torno de US$ 10 mil por ano, a relação entre dinheiro e felicidade passa a ser mais tênue", comenta o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP. Isso significa que após deixarem a condição de pobreza, as pessoas passam a dar mais valor para a qualidade de vida e não tanto para a renda.

Os estudos mostram, porém, que os países mais ricos tendem a ter populações mais felizes. O pesquisador Adrian White, da Universidade de Leicester, na Inglaterra, fez um índice de satisfação com a vida que foi liderado pela Dinamarca, em companhia de outros países pequenos e ricos, como Suíça e Áustria. Em outro índice, chamado de World Happiness Database e que reúne dados de centenas de pesquisas, a Dinamarca aparece em segundo lugar, atrás da Costa Rica – uma das nações mais estáveis (na economia e na política) da América Latina.

Os diferentes rankings de satisfação com a vida trazem no fim da lista as nações mais pobres do planeta, quase todas na África. Países de renda intermediária, como o Brasil, se destacam em alguns estudos, principalmente aqueles que dão maior peso para pesquisas de opinião. Estão na frente nações menores, com sociedades mais homogêneas, desigualdade pequena, boa renda per capita (e não necessariamente a maior renda), serviços públicos de qualidade e que prezam a conservação do meio ambiente. Ser mais rico ajuda a elevar a felicidade da população, mas não é a única condição para isso. (GO)

Ciclista passeia em Copenhague, na Dinamarca: país, que incentiva o uso de bicicletas, se orgulha de ser o mais feliz do mundo

Se houvesse uma eleição para número mais importante da economia, o Produto Interno Bruto (PIB) provavelmente venceria no primeiro turno. Cortejado por economistas, que tentam decifrar suas nuances e tendências, e por políticos, cuja sorte muitas vezes depende de uma expansão forte para mostrar ao eleitorado, o PIB é uma espécie de síntese da trajetória de um país. Mas sua escolha não seria sem oposição: cada vez mais economistas pedem uma alternativa viável para medir desenvolvimento sem as falhas que traz a simplicidade do PIB.

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A principal crítica ao uso do PIB como determinante de políticas públicas é que ele não mede o bem-estar das pessoas. Há também outros buracos, como o fato de ele não englobar atividades que estão fora dos mercados (como o trabalho doméstico não remunerado), a ineficiente incorporação de serviços prestados pelo Estado (como atendimento de saúde) e sua omissão sobre os impactos ambientais das atividades produtivas.

No ano passado, uma comissão liderada por dois vencedores do Nobel de economia – Joseph Stiglitz e Amartya Sen – entregou um relatório sobre o assunto encomendado pelo presidente da França, Nicolas Sarkozy. O objetivo era apresentar um caminho para desenvolver uma alternativa ao PIB. A recomendação dos especialistas é que o novo indicador foque na economia dos domicílios, o que levaria em conta o rendimento real das famílias, e não a média da economia dada pelo PIB per capita. Com isso, seria corrigida uma distorção importante na medição do produto: o aumento na riqueza de uma camada pequena da população pode elevar o PIB per capita sem melhorar a qualidade de vida da maioria da população.

Outra recomendação é que o novo indicador vá além da medição numérica da renda, para englobar o sentimento de bem-estar. É certo que a qualidade de vida aumenta com acesso a educação, saúde e bons empregos, algo que geralmente é melhor em países de maior renda. Mas o time dos notáveis contratado por Sarkozy propõe algo mais subjetivo, a medição da satisfação das pessoas com suas vidas. Diversas pesquisas têm se debruçado em descobrir o grau de felicidade da população e isso agora poderia completar a medida do desenvolvimento econômico. As pessoas podem, por exemplo, ficar mais ricas, mas sem tempo para o lazer, ou com problemas de saúde causados pelo estresse.

O relatório também prega a adoção de indicadores de sustentabilidade. No modelo atual de medição do PIB, não é levado em conta que a próxima geração contará com menos recursos naturais, terá o ar mais poluído, ou máquinas e prédios velhos e degradados. O ponto mais importante nessa crítica é o ambiental. A medição normal do produto considera a extração de um minério, por exemplo, como um aumento da produção, sem levar em conta a redução no estoque disponível.

Desenvolvimento

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"O PIB não é a soma das riquezas, como dizem, é a uma medida da atividade, da demanda agregada em um período. Ele independe do produto ser usado para o bem ou para o mal. E é uma forma indireta de medir emprego", define o economista Carlos Young, professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e especialista na área de recursos naturais. O indicador, segundo o professor, é limitado por não mostrar como ocorre a produção – se de forma sustentável ou não – e não deve ser usado como medida de desenvolvimento de longo prazo.

Para Young, porém, os defeitos do PIB não são razão para que ele seja completamente descartado. "Ele continuará a ser usado, mas precisa ser aperfeiçoado", diz. Uma das mudanças seria uma medição mais acurada da nova economia – serviços prestados pela internet, por exemplo, e que escapam da medição oficial. Além disso, ele sugere que seja criado um componente de sustentabilidade que possa ser associado ao PIB para que se registre o impacto da produção sobre os recursos naturais. Para isso, seria necessário coletar dados, criar indicadores e depois fazer a relação com a atividade econômica.

Economistas mais críticos do PIB preferem uma abordagem nova, como propõe a dupla Stiglitz-Sen. "A ideia do relatório de medir a renda dos domicílios ao invés da produção das fábricas é boa porque dá uma visão mais realista da qualidade de vida das pessoas", diz o economista Ladislau Dowbor, professor da PUC-SP. "Fazemos uma conta errada, que não apresenta os resultados da economia. A produção de um carro a mais é apresentada como crescimento, mas não se leva em conta o tempo perdido em congestionamentos", comenta. A gasolina gasta no trânsito parado, aliás, também integra o PIB.

A tentativa mais bem-sucedida de complementar o conceito de PIB foi o Índice de Desenvol­­vimento Humano (IDH), criado pela Organização das Nações Unidas (ONU) e que leva em conta, além do PIB per capita, indicadores de educação e saúde. "O IDH foi um passo adiante para guiar políticas públicas, mas mesmo ele é bastante limitado. Uma elevada esperança de vida aumenta o IDH, mas não sabemos se a vida das pessoas tem qualidade. Quando as crianças estão matriculadas na escola, ele também sobe, mas não sabemos se elas estão aprendendo", pondera Geraldo Biasoto Jr., diretor da Fundação de Desenvolvimento Administrativo de São Paulo (Fundap), e que em 2004 participou da elaboração do Índice DNA Brasil, uma tentativa de agregar indicadores complexos sobre a qualidade de vida no país. "Hoje temos muito dados além do PIB para guiar as políticas públicas. Talvez não seja o caso de buscarmos algo muito sintético, mas de aproveitar melhor informações segmentadas."