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O presidente Jair Bolsonaro tem feito críticas públicas à política de preços da Petrobras, que desde 2016 acompanha as variações da cotação do petróleo no mercado internacional. Porém, essa mesma política foi defendida por Bolsonaro em sua campanha à Presidência da República, quatro anos atrás.
"Os preços praticados pela Petrobras deverão seguir os mercados internacionais, mas as flutuações de curto prazo deverão ser suavizadas com mecanismos de hedge apropriados", diz a proposta de governo que o então candidato apresentou em 2018. O documento, batizado de "O caminho da prosperidade", foi registrado no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e está disponível para consulta.
Embora tenha a União como maior acionista, a Petrobras é listada em Bolsa de Valores e tem milhares de sócios privados. A ideia de não interferir em sua gestão de preços segue o receituário liberal do ministro da Economia, Paulo Guedes, assim como a ideia de ampliar a participação privada no setor de combustíveis, também defendida no programa de governo apresentado quatro anos atrás.
A estatal tem acompanhado, eventualmente com alguma defasagem, as variações do preço do petróleo no exterior, conforme proposto por Bolsonaro. É o que ela fazia desde o governo Temer, quando foi implementado o regime de preço de paridade de importação (PPI). Na última quinta-feira (10), após quase dois meses sem elevar preços, a empresa anunciou um reajuste de até 25% nos valores cobrados nas refinarias, em reação à forte alta das cotações do barril.
No início da semana passada, antes mesmo do anúncio do aumento, Bolsonaro defendeu mudanças na política de preços. “Tem uma legislação errada feita lá atrás, em que você tem uma paridade do preço internacional. Ou seja, o que é tirado do petróleo, leva-se em conta o preço fora do Brasil. Isso não pode continuar acontecendo", disse.
Ao menos por enquanto, a política de preços segue em vigor. Pode ter pesado para isso o temor de desabastecimento de diesel. Parte do combustível vem do exterior, e importadores diziam não ter mais condições de competir com o diesel vendido pela Petrobras no mercado interno a preços defasados, mais baixos.
O discurso dos importadores foi endossado pela própria estatal no comunicado em que justificou ao reajuste. A empresa afirmou que o aumento era necessário para garantir o suprimento do mercado, "sem riscos de abastecimento, pelos diferentes atores responsáveis pelo atendimento às diversas regiões brasileiras: distribuidores, importadores e outros produtores, além da Petrobras".
Na tentativa de amenizar o impacto para o consumidor, o Congresso aprovou na madrugada de sexta-feira (11) projeto enviado pelo governo para alterar o cálculo do ICMS (tributo estadual) dos combustíveis e zerar até o fim do ano PIS e Cofins (tributos federais) sobre diesel, biodiesel, gás de cozinha e querosene de aviação. Bolsonaro sancionou a lei no mesmo dia.
Em 2021, crise entre Bolsonaro e Petrobras levou à saída do presidente da empresa
O inconformismo de Bolsonaro com os preços da Petrobras leva a especulações sobre a eventual saída do presidente da empresa, o general da reserva Joaquim Silva e Luna. A crise é similar à que levou o chefe do Executivo a determinar a saída de Roberto Castello Branco do comando da companhia, há pouco mais de um ano.
Indicado para o lugar de Castello Branco, Luna e Silva assumiu a estatal em abril de 2021. No discurso de posse, o general disse que buscaria reduzir a volatilidade de preços, mas sem desrespeitar o alinhamento com as cotações internacionais.
Meses depois, novamente incomodado com aumentos de preço, Bolsonaro disse ter vontade de privatizar a Petrobras e avisou que discutiria o assunto com a equipe econômica. "É muito fácil: aumentou a gasolina, culpa do Bolsonaro. Eu já tenho vontade de privatizar a Petrobras. Vou ver com a equipe econômica o que a gente pode fazer. O que acontece? Não posso melhor direcionar o preço do combustível, mas quando aumenta, a culpa é minha", disse o presidente. A ideia da privatização, porém, não prosperou.
A adoção da paridade com o exterior, ainda no governo Temer, foi uma espécie de resposta liberal à política dos governos petistas, em especial o de Dilma Rousseff. Ao praticar preços inferiores aos de mercado, de forma a ajudar no combate à inflação, a Petrobras acumulou perdas bilionárias e inviabilizou a participação privada no setor.
Governo não criou mecanismo para absorver flutuações de curto prazo
Embora até agora tenha mantido o PPI, o governo ainda não cumpriu parte do que propôs para os preços dos combustíveis em 2018: a criação de um mecanismo de "hedge" (cobertura, salvaguarda) para absorver as flutuações de curto prazo.
Um fundo de estabilização de preços chegou a ser discutido, mas o Ministério da Economia sempre foi contra a iniciativa, de forma que o Executivo não formalizou proposta nesse sentido.
O fundo acabou sendo proposto pelo Congresso. Foi aprovado na semana passada pelo Senado, e ainda precisa passar pelo crivo da Câmara. O projeto também altera o modelo de precificação da Petrobras, amplia o auxílio-gás e cria o auxílio-gasolina.
Nos primeiros meses de 2021, Bolsonaro fez algumas tentativas para conter a alta de preços ao consumidor. Além de tentar mudar a legislação do ICMS, o que só conseguiu há poucos dias, o presidente assinou decreto obrigando postos a exibir a composição dos preços e tributos sobre os combustíveis.
Na mesma época, Bolsonaro editou decreto zerando as alíquotas de PIS e Cofins sobre o diesel por dois meses – março e abril – e sobre o GLP de forma permanente.
Estatal tem vendido refinarias e outros ativos, e governo abriu mercado de gás natural
Outro ponto em que a Petrobras vem cumprindo o plano de governo de Bolsonaro é na questão da venda de ativos para o setor privado.
"Deveremos promover a competição no setor de óleo e gás, beneficiando os consumidores. Para tanto, a Petrobras deve vender parcela substancial de sua capacidade de refino, varejo, transporte e outras atividades onde tenha poder de mercado", diz a proposta de governo apresentada em 2018 pelo então candidato.
O programa que a Petrobras chama de "desinvestimentos" também começou no governo Temer e teve sequência na atual gestão. A companhia já vendeu mais de 80 ativos, entre eles duas refinarias, uma na Bahia e outra no Amazonas, e a Unidade de Industrialização do Xisto, no Paraná.
Sem amarras para definir seus preços, a primeira refinaria privatizada pela Petrobras – a Landulpho Alves (RLAM), na Bahia – vinha cobrando 27% mais caro pela gasolina até semana passada, em comparação aos preços da estatal, antes do reajuste anunciado na quinta-feira.
Além de alinhamento aos preços internacionais e venda de ativos da Petrobras, o plano de Bolsonaro em 2018 pregava o fim do monopólio da Petrobras no mercado de gás natural, com medidas para abrir o mercado. A mudança do marco legal, elaborada pelo governo e batizada de Nova Lei do Gás, foi sancionada pelo presidente em abril de 2021.