Ao mesmo tempo em que uma bomba atômica destrói milhares de vidas, mas deixa estruturas físicas intactas, Davos continua ignorando o fato de que a cultura que o suporta já morreu.
Na superfície, o Fórum Econômico Mundial continua sendo um evento de ostentação único que ocorre em uma pequena cidade alpina, aonde estradas escorregadias cheias de gelo conduzem a chácaras eduardianas e vários hotéis com carros luxuosos na garagem.
Não se precisa de muita observação para ver que a crise econômica que assolou várias empresas parece ter passado longe de Davos. Talvez o Fórum seja, de fato, uma festa no fim do universo. Ao mesmo tempo em que uma bomba atômica destrói milhares de vidas, mas deixa estruturas físicas intactas, Davos continua ignorando o fato de que a cultura que o suporta já morreu.
O alarme não representa o mesmo que o arrependimento, e pouquíssimas pessoas aqui irão admitir que fizeram algo errado. O presidente do JP Morgan Chase, James Dimon, é uma exceção: "Eu assumo toda a culpa, sim. Só Deus sabe a estupidez de algumas coisas que cometemos".
Dimon pode declarar estas palavras com a confiança de um sobrevivente. As falhas vieram à tona. Menos oligarquias compareceram ao fórum este ano, que não pode mais contar com a presença do ilustre Lehman Brothers.
Os líderes políticos que apareceram também vêm mostrando cautela, preocupados em não serem acusados de estarem se banqueteando enquanto o número de desempregados aumenta em suas terras natais. Os ministros britânicos reduziram suas delegações e existe uma ordem vinda dos altos escalões do governo inglês: "Nenhum membro das delegações britânicas poderá se dar ao luxo de esquiar".
Não existe um senso real de culpa coletiva ou considerações meticulosas sobre o que fazer para resolver a crise além de reconstruir um mundo que acabou de se perder. Davos tem o ar carregado de um inquérito aeronáutico ocorrendo dentro de uma empresa aérea que ainda quer continuar voando.
O choque é real, o sofrimento mal começou, mas ninguém em Davos parece pensar que isto representa ser menos importante ou menos rico. Para a maioria dos participantes, a humildade é um véu temporário que deve ser usado até que o tempo das vacas menos magras retorne.
É difícil precisar quem sofreu de verdade e quem está apenas fingindo. Em um corredor escuro no centro do prédio de concreto do congresso, sobrenomes bilionários ainda brilham em crachás brancos. Davos é uma cidade onde os homens de classe realmente alimentam os mexericos sobre os "podres de rico". Trajando roupas luxuosas, seus cabelos mostram ter sido escovados com esmero e divididos em várias camadas e ondas o que mostra cabeleireiros disciplinadíssimos, ao contrário dos mercados.
Tarde da noite, o networking rolou solto pelo saguão do principal hotel da cidade. Entre as conversas animadas podia-se ouvir: "Há alguns anos me pediram para ser secretária do Fed"... "Larry Summers me mandou um e-mail semana passada dizendo que não viria"... "Encerraram nosso projeto semana passada..."
Os absurdos de Davos são infinitos: o sistema computadorizado de cadastro que os delegados usam para trocar e-mails entre si mais parece um Orkut de luxo.
Talvez dentro das pequenas salas de reunião cada uma com quatro cadeiras de couro branco e uma palmeira dentro de um vaso se encontre uma solução para a verdadeira catástrofe financeira. Entretanto, três dias em Davos não oferecem esperança. O que ninguém quer admitir é que talvez não exista solução alguma, apenas uma piora ainda mais drástica do quadro.
Tradução: Thiago Ferreira