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Com um passivo estimado em mais de US$ 300 bilhões, a incorporadora chinesa Evergrande ganhou as atenções mundo afora ao comunicar que pode ser incapaz de honrar as obrigações financeiras que vencem nesta quinta-feira (23). O risco de calote derrubou Bolsas mundiais, inclusive no Brasil, num termômetro de aversão ao risco no mercado financeiro. A segunda-feira (20) foi marcada também pela venda de ações da empresa, que fecharam com forte baixa de -10% em Hong Kong.
A preocupação é puxada pela lembrança da crise do Lehman Brothers, banco de investimentos norte-americano que faliu em 2008 gerando uma onda de choque que levou a uma crise financeira internacional. Para o sócio da Zahl Investimentos, Flávio de Oliveira, cabe a comparação entre Evergrande e Lehman Brothers, entretanto o ambiente chinês, de pouca transparência, mantém incerta a avaliação sobre o tamanho do impacto do episódio para a economia do país asiático.
"É contaminação bancária. [Na crise do subprime] eram títulos hipotecários, títulos imobiliários, que não tinham um lastro financeiro adequado, não eram ativos de qualidade, e contaminaram o sistema, a lógica é a mesma. Títulos de emissão imobiliária que não têm solvência", compara. Apesar desse paralelo, falta saber qual o tamanho do problema e se ele está ou não restrito à Evergrande.
"Depende: o problema foi na Evergrande ou foi em todo o setor imobiliário? Porque às vezes você tem um problema em uma empresa localizada (mesmo ela sendo grande) e em outros momentos ter um problema em uma empresa grande significa que o resto das empresas menores pode estar pior. Nesse caso podemos inclusive estar levantando dúvidas sobre o real grau de crescimento da economia chinesa", avalia Oliveira.
Evergrande vai repetir Lehman Brothers?
A quebra do banco Lehman Brothers ocorreu a partir da erosão do sistema de hipotecas imobiliárias dos Estados Unidos, escorado na concessão de crédito de alto risco (o subprime) em larga escala e que não foi amparado pelo FED, o banco central americano, quando a insolvência veio à tona. O cenário levou a uma escalada de crise global, com crédito secando e disparada do dólar. A preocupação atual nos mercados financeiros está de olho no tamanho do risco e o possível impacto.
O grupo Evergrande é um conglomerado e incorporador imobiliário chinês considerado o mais endividado do mundo. É a segunda maior companhia de construção civil do país, com dívidas junto a credores, fornecedores, investidores do exterior e compradores que não receberam seus imóveis — são cerca de 1,5 milhão de apartamentos nessa condição.
Para analistas, o governo chinês deve se movimentar para evitar uma crise similar àquela de 2008, mas não necessariamente com a injeção de dinheiro na companhia. Medidas acessórias poderiam ser a obrigatoriedade de venda de ativos (como áreas reservadas para erguer novos empreendimentos).
Criada em 1996, a empresa surfou em um boom imobiliário abastecido pela crescente urbanização do país, que chegou a destinar 75% do dinheiro das famílias à habitação e acelerou o crescimento econômico do setor e da própria China. Naquele cenário, a Evergrande recebeu empréstimos de bancos e investidores, mas o aumento da regulação sobre a construção civil por parte do governo (com foco em evitar comportamentos imprudentes) e a desaceleração na demanda por apartamentos colocou a empresa em uma rota de difícil solução.
Nesta terça-feira (21), o fundador e presidente da empresa Xu Jiayin se pronunciou por meio de carta aos funcionários, conforme o jornal estatal Securities Times. O executivo afirmou que a companhia irá retomar obras, garantir a entrega dos imóveis e "dar uma resposta responsável aos compradores, investidores, sócios e instituições financeiras". A empresa tem cerca de 800 empreendimentos inacabados espalhados pela China.
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