A chegada do senador Jean Paul Prates (PT-RN) à presidência da Petrobras, que ainda precisa ser homologada pelo Conselho de Administração após a renúncia de Caio Paes de Andrade nesta quarta (4), ainda é vista com cautela pelo mercado por conta da falta de sinalizações concretas de como será uma gestão mais política da estatal.
Isso porque o anúncio de Prates foi visto pelo mercado como uma possível intervenção do governo na companhia, o que é vedado pela Lei das Estatais. O principal artigo da legislação proíbe a indicação de políticos para altos cargos nas empresas públicas, e vem sendo alvo de questionamentos desde o final do ano passado.
O maior temor do mercado é de que a gestão mais política – ou menos alinhada com o mercado – traga de volta escândalos de corrupção vistos no passado. A Petrobras em si é a maior preocupação por reavivar os desvios de recursos descobertos pela Operação Lava Jato. Ela perdeu um quarto do valor de mercado em menos de dois meses desde a eleição de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) à presidência.
A queda nas ações continuou na volta aos trabalhos da bolsa de valores em 2023, com uma perda de R$ 22,8 bilhões apenas no primeiro dia de pregão na terça (3). Na quarta (4), operou em baixa durante a manhã e só reverteu a queda à tarde após Prates afirmar à Bloomberg que não haverá intervenção direta nos preços dos combustíveis e nem desvinculação dos preços internacionais.
“Se eu dissesse que a Petrobras controla o preço a ponto de afetar totalmente o mercado nacional, eu estaria reconhecendo uma coisa que eu sou contra dizerem, que a Petrobras é monopólio de refino, que domina o mercado. Não é verdade. Mercado é aberto, importação está aberta, a Petrobras tem como concorrente todas as refinarias do mundo”, disse Prates a jornalistas após participar da posse do vice-presidente da República, Geraldo Alckmin (PSB), como ministro do Desenvolvimento, Comércio, Indústria e Serviços.
A mudança na política de preços era, em especial, o grande temor do mercado por trazer de volta à memória a intervenção feita pela ex-presidente Dilma Rousseff (PT) nos preços dos combustíveis, e que levou a Petrobras a amargar perdas de quase R$ 100 bilhões até 2016.
Igor Lucena, economista e doutor em relações internacionais pela Universidade de Lisboa, explica que este primeiro aceno de Prates ao mercado já mostra que pouco deve mudar na política interna da companhia. Para ele, o que falta mesmo é detalhar o que deve ser feito nessa nova gestão.
“Não vejo grandes espaços para um ‘cavalo de pau’ na administração da Petrobras. O que o mercado se estressa, e com razão, é uma falta de definição sobre as ações. A gente escuta ‘tem que fazer isso, tem que fazer aquilo’, mas não tem ações práticas, se vai ser mais intervencionista ou mais liberal”, analisa.
“O Prates está pegando uma empresa saneada que está gerando caixa e indo muito bem. Ele terá que ter muito cuidado ao mexer em time que está ganhando, e o mercado vai precificar qualquer mudança que venha a fazer. O desafio dele será identificar problemas internos que, com certeza, existem”, completa Felipe Kury, ex-diretor da Agência Nacional do Petróleo (ANP) entre 2016 e 2021 e agora consultor independente na área de petróleo e gás, ressaltando que os órgãos de controle criados após a Lava Jato dão pouca ou nenhuma margem para novos casos de corrupção nas estatais.
Neste meio tempo em que a Lei das Estatais entrou em vigor e a Petrobras adotou a paridade internacional de preços dos combustíveis, o prejuízo passou de R$ 35,1 bilhões em 2016 para um lucro recorde de R$ 106,6 bilhões em 2021. Os números de 2022 ainda não estão fechados, mas a estatal já registra um lucro parcial de R$ 144,9 bilhões segundo apuração da Toro Investimentos.
Como segurar o preço dos combustíveis sem afugentar os investidores
Um dos principais desafios para a gestão de Prates será segurar o preço dos combustíveis sem alterar a paridade com os preços internacionais, que era uma das principais dúvidas do mercado e que foi sanada pelo futuro presidente. No entanto, agora ele terá de pensar em como evitar oscilações bruscas no futuro como as que ocorreram no primeiro semestre de 2022, quando começou a guerra da Rússia contra a Ucrânia.
Uma das soluções adotadas foi a criação de uma banda variável de preços para se evitar reajustes semanais, que é tida por Kury como satisfatória para pequenas oscilações. Junto disso, a desoneração do ICMS e o estabelecimento de um teto entre 17% e 18% nos estados ajudaram a segurar os preços.
“O presidente Prates precisa, a partir do momento em que tomar posse do cargo, dizer qual vai ser o plano de intervenção para os combustíveis no Brasil. O mais correto seria que os lucros da Petrobras que vão para a União fossem para um fundo para suavizar variações dos preços da gasolina e do diesel, de maneira que a população não sofra os impactos de choques externos”, diz Igor Lucena.
A afirmação encontra eco na opinião de Kury, que lembra que o fim da paridade internacional poderia provocar um grande impacto principalmente no diesel e no GLP, o gás de cozinha, que o Brasil ainda depende de importação.
As oscilações de preços do mercado externo recairiam novamente sobre o caixa da Petrobras, que voltaria a ter perdas para bancar a diferença. “São questões que ele vai precisar gerenciar junto do novo ministro de Minas e Energia [Alexandre Silveira, PSD-MG], e eles vão sofrer pressão de todos os lados, principalmente ideológica”, completa.
Novos investimentos já estão planejados, mas dividendos podem diminuir
Embora Prates seja reconhecido pelo mercado por sua experiência na área de óleo e gás como assessor jurídico da Braspetro (Petrobras Internacional) e fundador da primeira consultoria brasileira especializada em petróleo, Gabriel Araújo Garcia, especialista em investimentos da Guide Corretora, diz que a resposta dos investidores vai depender do que ele vier a anunciar de políticas para a estatal.
“Ele questiona a política de investimentos e de precificação de combustíveis da Petrobras. Se ambas medidas forem aplicadas, a companhia provavelmente não conseguirá distribuir dividendos volumosos”, explicou em um informe a investidores.
No final do ano passado, o Conselho de Administração da Petrobras aprovou um novo plano estratégico de investimentos de US$ 78 bilhões (R$ 425 bilhões) até 2027 (veja na íntegra), com foco na cadeia de óleo e gás, sustentabilidade, segurança, meio ambiente, transição energética de baixo carbono e controle do endividamento, com o compromisso de “gerar valor para a sociedade e acionistas”, disse a empresa em um comunicado ao mercado.
No entanto, a própria Petrobras afirma que os investimentos do plano estratégico são uma “previsão”, e que “envolvem riscos e incertezas previstos ou não pela Companhia (tais como riscos relacionados à mudança de governo e possível consequente mudança na administração da Companhia, condições econômicas e comerciais gerais [...])”. Isso é visto como passível de mudança que pode impactar diretamente nos acionistas, segundo Igor Lucena.
“A visão de um governo do PT mais à esquerda é de que essas empresas têm muito mais a oferecer ao Brasil, utilizando seus recursos sejam eles para crédito, para subsidiar gasolina, do que efetivamente dar resultado. Na prática, o que vamos ver é uma diminuição dos resultados líquidos finais da sua lucratividade e muito mais o uso do seu capital financeiro das suas atividades fins para o estímulo da economia”, analisa questionando se esse modelo de indução da economia, já muito usado no passado, ainda é viável.
É algo que o ex-diretor da ANP vê como um ponto de atenção sobre o que vai ser a nova gestão da estatal. Para ele, a Petrobras precisa ter lucro, remunerar adequadamente seus acionistas, ter capacidade de investimentos em áreas estratégicas e ser competitiva. “Mas, por ter o governo como seu principal acionista, também precisa equilibrar estes interesses com os anseios da sociedade, especialmente em momentos de crise”, completa Felipe Kury.
A análise é compartilhada por André Vidal, head de óleo, gás e materiais básicos da XP Investimentos, ao afirmar que “a percepção para risco político aumentou”. No entanto, a corretora mantém a recomendação para a compra de ações da Petrobras por conta dos investimentos que ainda devem ser feitos principalmente na exploração de petróleo do pré-sal e da descoberta de novos campos.
Sem espaço para outros investimentos além dos já planejados
Muitos dos novos investimentos previstos pela Petrobras são para a exploração de petróleo e gás em águas profundas e ultraprofundas, principalmente na camada do pré-sal e na Margem Equatorial (faixa que compreende as águas do litoral do Amapá ao Rio Grande do Norte), com um montante previsto de US$ 64 bilhões (R$ 348 bilhões) até 2027.
Há, ainda, a previsão de se investir em refinarias para a produção de produtos de maior qualidade, como diesel com baixo teor de enxofre e combustíveis com menor pegada de carbono. O que é visto com bons olhos pelo mercado desde que não vá na contramão das políticas econômicas “mais verdes”, segundo o economista Igor Lucena.
“Qualquer investimento que sair do que já foi previsto e aprovado vai ser precificado pelo mercado. A estatal precisa buscar coisas que sejam mais rentáveis e que talvez a iniciativa privada não seja capaz, como na Margem Equatorial, por exemplo, que é uma área muito sensível e que uma empresa pública tem mais facilidade em conversar com outros órgãos”, explica Felipe Kury sobre o potencial dos mais de 300 blocos de exploração desta região do país, “um novo pré-sal”.
Ele salienta que, embora a economia global esteja caminhando para o uso de combustíveis renováveis e menos poluentes, o petróleo pode ser um importante financiador dessa transição energética – colocando a Petrobras como um importante personagem desse movimento.
O que torna ainda mais importante para o futuro presidente da estatal – e para o próprio governo – traçar políticas públicas mais assertivas. E isso inclui não voltar atrás em operações já desinvestidas, como a distribuição de combustíveis (BR Distribuidora e Gaspetro) e campos de baixa capacidade de exploração.
Não à toa, o plano estratégico da companhia prevê que a exploração de campos petrolíferos do pré-sal no Sudeste e na Margem Equatorial vão responder por 83% dos investimentos da estatal até 2027.
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