O mundo deveria se preocupar com o WhatsApp? Será que ele se tornou uma força nova e virulenta da desinformação global e dos truques políticos?
Ou melhor, o mundo deveria se alegrar com o WhatsApp? Afinal, o aplicativo não forneceu um meio para as pessoas em todos os lugares se comunicarem de forma segura através de mensagens criptografadas, que estão fora do alcance da vigilância do governo?
Essas são questões profundas e complicadas. No entanto, a resposta para todas elas é simples: sim.
Nos últimos meses, o aplicativo de mensagens, que é propriedade do Facebook e tem mais de 1,5 bilhão de usuários em todo o mundo, criou novas dinâmicas políticas e sociais assustadoras. Na Índia, este ano, mensagens falsas sobre sequestradores de crianças se tornaram virais no WhatsApp, levando uma multidão a agir com violência e matar dezenas de pessoas.
O WhatsApp comunicou que estava trabalhando para reduzir a disseminação de informações falsas pelo aplicativo. Os críticos acreditam que eles não estão fazendo o suficiente – e há algum mérito em suas afirmações. No entanto, quanto mais você se aprofunda nos problemas, mais intransponíveis eles podem parecer, mesmo que a empresa esteja movendo o céu e a terra para minimizá-los.
O problema é a ideia?
Ao contrário do Facebook, do Twitter ou do Instagram, o WhatsApp não é uma rede social. É simplesmente um aplicativo de mensagens de texto, no qual a maioria das conversas é privada e não mediada por qualquer tipo de algoritmo destinado a aumentar a interação. Isso significa que o WhatsApp tem pouco controle sobre qual conteúdo é mais repassado e qual deve ser descartado; na maioria dos casos, a empresa nem consegue ver o que está acontecendo no WhatsApp porque o serviço criptografa as mensagens automaticamente.
Então, o problema real pode não ser tanto a empresa WhatsApp ou o produto WhatsApp, mas algo mais fundamental – a ideia WhatsApp.
Quando você oferece a todo mundo acesso à comunicação gratuita e privada, muitas coisas maravilhosas podem acontecer – e o WhatsApp tem sido uma dádiva de Deus para populações vulneráveis como migrantes, dissidentes e ativistas políticos. No entanto, muitas coisas terríveis também estão mais propícias a acontecer – e pode ser impossível eliminar o mal sem amordaçar o bem.
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Diante disso, o WhatsApp é uma nova realidade, poderosa e permanente, e seus problemas talvez não possam ser resolvidos, apenas gerenciados de modo pontual e às vezes de forma insatisfatória. Para melhor ou para pior, vamos ter que aprender a conviver com isso.
O que não quer dizer que o WhatsApp não tenha ferramentas para controlar a bagunça que criou. Este ano, após a violência das multidões na Índia – um problema que existia antes do WhatsApp e talvez tenha simplesmente tomado maiores proporções pelo aplicativo – a empresa instituiu regras para limitar a "viralidade" das mensagens.
Antes, as pessoas do mundo todo podiam encaminhar livremente uma mensagem do WhatsApp para qualquer um. Agora, estão restritas a compartilhar uma mensagem para até 20 conversas distintas, seja com um indivíduo ou com um grupo de no máximo 256 pessoas. (Segundo o WhatsApp, os grupos médios têm seis pessoas.) Na Índia, porém, o WhatsApp tem um limite de encaminhamento ainda mais restritivo: cinco conversas.
O WhatsApp caracterizou os limites como uma experiência. À medida que a empresa aprende mais sobre como esses limites afetam o comportamento dos usuários, de acordo com um porta-voz, pode-se introduzir restrições adicionais, mais sintonizadas com as necessidades.
Força chave na difusão de fake news?
É precisamente essa sensibilidade do WhatsApp que torna os rumores sobre o serviço tão perniciosos. A familiaridade no WhatsApp gera uma confiança, que na maioria das vezes é um grande bem social. Em situações que exigem rapidez, porém, com grandes interesses em jogo – desastres naturais, guerras, ataques terroristas ou eleições – a confiança no WhatsApp é invertida, tornando-se uma força-chave por trás da viralização de mensagens falsas.
Pelo menos essa foi a conclusão de um estudo de 2016 feito por Tomer Simon, pesquisador da Universidade de Tel Aviv, que analisou como as pessoas usavam a Internet durante emergências.
O estudo de Simon diz respeito ao sequestro, no verão de 2014, de três adolescentes israelenses que estavam pedindo carona na Cisjordânia. O sequestro levou a uma enorme incursão militar israelense na Cisjordânia; os meninos foram encontrados mortos mais de duas semanas depois.
As forças armadas israelenses haviam instituído uma ordem para a divulgação de informações sobre o sequestro, mas, no WhatsApp, os israelenses começaram a divulgar histórias sobre "algo" que podia estar acontecendo. Através de cuidadosa pesquisa de campo, Simon coletou e procurou identificar a fonte de muitos rumores que se espalharam no WhatsApp nas primeiras horas após o sequestro.
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Simon descobriu que os rumores tinham uma quantidade notável de detalhes. Vários incluíam os nomes dos meninos sequestrados, que não tinham se tornados públicos. Alguns compartilharam fatos importantes sobre a busca. E, pelo menos um, parecia ter deliberadamente a intenção de enganar – dizia que os meninos haviam sido resgatados e que os militantes que os sequestraram foram mortos.
Simon rastreou os rumores até chegar a fontes surpreendentes: jornalistas e outros civis que foram informados sobre a operação e que usaram o WhatsApp para vazar detalhes para suas famílias ou colegas em pequenos grupos privados.
O boato de que os meninos foram resgatados foi o mais amplamente divulgado. Das pessoas que Simon entrevistou, "duas compartilharam apenas com um membro da família, duas compartilharam com o grupo da família no WhatsApp, uma compartilhou com o grupo de WhatsApp de oficiais da IDF (Forças de Defesa de Israel, na sigla em inglês), uma compartilhou verbalmente com seus colegas durante seu turno e um se recusou a responder a pergunta", escreveu ele.
Essa história não tem a ver com boatos maliciosos e indiscriminados, segundo Simon. É a história de algumas pessoas que confiavam em outras pessoas, que por sua vez confiavam em outras pessoas, cada uma passando o que considerava ser informações importantes e necessárias para amigos e colegas.
É uma história da natureza humana. E é por isso que, além de aprender a inibir nossa tendência natural de compartilhar, é difícil saber o que pode ser feito sobre as notícias falsas disseminadas pelo WhatsApp.
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