Com a recente devolução à União do Aeroporto do Galeão, no Rio de Janeiro, já são dez os ativos de infraestrutura de transportes licitados desde 2011 e cujos contratos de concessão foram rescindidos pelas empresas controladoras. A razão, em todos os casos, foi a inviabilidade financeira dos negócios, frustradas após duas graves crises econômicas enfrentadas pelo Brasil em menos de uma década.
Agora, o Ministério de Infraestrutura trabalha para relicitar os seis contratos de concessão de rodovias que somam pouco mais de 4 mil quilômetros de extensão, além de três aeroportos que movimentam cerca de 15 milhões de passageiros, e da ferrovia Malha Oeste, que liga os estados de São Paulo e Mato Grosso do Sul.
A relicitação consiste na devolução amigável do ativo seguido de leilão e assinatura de novo contrato com o vencedor do certame. O procedimento foi criado em 2017, no governo de Michel Temer (MDB), para gerar segurança jurídica e garantir a continuidade da prestação dos serviços com qualidade, uma vez que a concessionária deve manter a qualidade e os requisitos de segurança operacional até que a nova empresa assuma as operações do aeroporto.
As concessões agora revertidas foram realizadas no governo Dilma Rousseff (PT) e vieram carregadas de projeções que acabaram frustradas. Nos editais de leilão das rodovias, por exemplo, estimava-se um crescimento médio do PIB de 2,5% ao longo de toda a vigência dos contratos. Diante do cenário otimista que se via à época, as empresas chegaram a pagar ágios de até 673% nos leilões.
Algumas das concessionárias teriam estabelecido compromissos que se mostraram impraticáveis, como descontos de até 61,13% em tarifas de pedágio e duplicações de centenas de quilômetros em poucos anos. Além disso, o envolvimento de várias empresas do setor em denúncias da Operação Lava Jato nos anos seguintes também acabou por impedi-las de contratar financiamentos com taxas de juros subsidiadas pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES).
Entre as concessões devolvidas estão a BR-040 entre Brasília e Juiz de Fora (MG), que estava sob responsabilidade do grupo Invepar, que tinha entre os sócios a OAS; trecho da BR-163 no Mato Grosso do Sul, cujo leilão foi vencido pelo grupo CCR; e a BR-163 entre Cuiabá e Rondonópolis (MS), concedida à Odebrecht.
Também estão na lista a concessão da BR-101, no Rio de Janeiro (Arteris); trechos das BRs 060, 153 e 262 que ligam Distrito Federal, Goiás e Minas Gerais (Triunfo Concebra); e da BR-393, entre Minas Gerais e Rio de Janeiro (Grupo K-Infra).
Primeira relicitação criará jurisprudência para as demais
A primeira relicitação deve ser a do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, na região metropolitana de Natal. A instalação foi a primeira a ser concedida à iniciativa privada, em leilão realizado em 2011, e é considerado o maior terminal exportador do Nordeste.
Na ocasião, a Inframérica, de controle argentino, vencedora da licitação, assinou contrato para exploração, ampliação e manutenção do aeroporto por um prazo de 28 anos. Em março de 2020, no entanto, o grupo decidiu romper unilateralmente o acordo em razão do baixo tráfego de passageiros, “negativamente impactado” pela crise econômica que o Brasil já enfrentava.
À época da devolução, o Ministério da Infraestrutura disse considerar a devolução um “movimento natural de mercado”. Segundo a pasta, a estruturação da relicitação será muito mais moderna, diante da “curva de aprendizado” trilhada pelo setor desde 2011. “Estamos confiantes de que será um ativo muito disputado num leilão futuro”, informou a pasta, em nota.
Para que um ativo devolvido seja relicitado, duas etapas precisam ser cumpridas. A primeira é o processo de devolução amigável em si, que consiste na assinatura de um termo aditivo ao contrato de concessão vigente entre as partes. No documento estão listados serviços que devem ser observados pela concessionária durante o período de transição.
No caso do Aeroporto de São Gonçalo do Amarante, o aditivo já foi assinado com a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac).
A segunda etapa é a elaboração de um novo processo de concessão, com o objetivo de contratar outra concessionária interessada em explorar o serviço.
O novo leilão do aeroporto chegou a entrar na lista de concessões programadas pelo governo em 2021, mas acabou adiado por não ter sido liberado pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A previsão mais otimista do governo é de que o martelo possa ser batido ainda em 2022.
Entre os imbróglios que precisam ser superados está a indenização que deve ser paga ao concessionário originais. Há valores controversos, relacionados a investimentos que já foram feitos e, portanto, teriam de ser reembolsados, que possivelmente precisarão passar por arbitragem.
O entendimento inicial do TCU era de que seria necessário aguardar um laudo a respeito das indenizações feito por uma empresa verificadora independente que ainda precisaria ser levado a audiência pública e colocado no edital do novo leilão. O Ministério da Infraestrutura considera, no entanto, que as duas questões podem correr em paralelo, o que aceleraria a licitação ainda para o primeiro semestre de 2022.
Por tratar-se do primeiro julgamento entre os ativos que serão relicitados, a decisão dos ministros da corte deve servir como jurisprudência aos demais processos. No mercado, diante da dificuldade de execução de contratos, especula-se que outras empresas também devem entregar seus ativos assim que ficar claro de que modo as atuais devoluções serão conduzidas.
Aeroportos de Viracopos e do Galeão estão na fila de relicitação
Do resultado da análise depende, por exemplo, a relicitação do Aeroporto de Viracopos, em Campinas (SP), que também está nas mãos do TCU. O terminal, segundo mais importante do país no setor de cargas, foi leiloado em 2012 e acabou devolvido pelo consórcio Aeroportos Brasil, formado pelos grupos UTC e Triunfo, também em março de 2020.
Ao pedir o rompimento do contrato, a empresa citou as altas outorgas contratuais em um momento de recessão econômica pelo qual o país passava. Além disso, reclamou que a Anac não teria promovido a desapropriação de áreas no entorno do aeroporto, o que inviabilizou sua exploração comercial a partir da construção de centros de convenção, hotéis, e lotes que seriam ofertados ao mercado privado.
Ao pedir a devolução do Aeroporto do Galeão, a empresa Changi Airports, de Singapura, também citou os impactos da crise econômica, além da pandemia de Covid-19, como fatores que inviabilizaram a operação do ativo. A solicitação foi feita no último mês de fevereiro e ainda está em análise pela Anac. Enquanto isso, continua sob operação da concessionária.
Confira em que pé estão os ativos em processo de devolução:
BR-040 entre Minas e DF – Grupo Invepar
- Etapa do processo de devolução: prorrogação de 18 meses no termo aditivo firmado com a ANTT.
- Etapa do processo da nova concessão: leilão previsto para o 1.º semestre de 2023.
BR-163/MS – Grupo CCR
- Etapa do processo de devolução: aditivo firmado com ANTT.
- Etapa do processo da nova concessão: projeto em estudos, com previsão de leilão no 1.º semestre de 2023.
BR-101/RJ – Grupo Arteris
- Etapa do processo de devolução: pedido aprovado pela ANTT, aditivo em elaboração.
- Etapa do processo da nova concessão: projeto em fase de contratação de estudos.
BR-163/MT, entre Cuiabá e Rondonópolis – Grupo Odebrecht
- Etapa do processo de devolução: pedido protocolado, aprovado pela ANTT, em análise pelo Ministério da Infraestrutura.
- Etapa do processo da nova concessão: projeto em fase de contratação de estudos.
BR- 060/153/262, entre DF-GO/GO-MG e Betim-MG – Grupo Triunfo Concebra
- Etapa do processo de devolução: aditivo firmado com ANTT.
- Etapa do processo da nova concessão: projeto em estudos, com previsão de leilão no 1.º semestre de 2023.
BR-393/MG/RJ – Grupo K-Infra
- Etapa do processo de devolução: pedido de relicitação em análise pela ANTT.
- Etapa do processo da nova concessão: projeto em fase de contratação de estudos.
Aeroporto de São Gonçalo do Amarante (RN) – Grupo Inframérica
- Etapa do processo de devolução: aditivo firmado com Anac.
- Etapa do processo da nova concessão: em análise pelo TCU.
Aeroporto de Viracopos (Campinas-SP) – Grupo UTC e Triunfo
- Etapa do processo de devolução: aditivo firmado com Anac.
- Etapa do processo da nova concessão: em análise pelo TCU.
Aeroporto do Galeão (RJ) – Grupo Changi
- Etapa do processo de devolução: pedido protocolado, em análise pela Anac.
- Etapa do processo da nova concessão: procedimento de manifestação de interesse dos estudos em estruturação pelo Ministério da Infraestrutura.
Malha Oeste – Grupo Rumo
- Etapa do processo de devolução: aditivo firmado com a ANTT.
- Etapa do processo da nova concessão: projeto em fase de estudos.
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