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Fim do protecionismo? Como governo e especialistas veem a abertura comercial do país

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No discurso de abertura da 75.ª Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro, o presidente Jair Bolsonaro afirmou que o Brasil estaria abandonando em seu mandato uma tradição protecionista e passando por uma abertura comercial.

Agora, quase um mês depois, anunciou a assinatura de três protocolos com os Estados Unidos para facilitar o comércio entre os países, desburocratizar a regulação e reduzir a corrupção. O pacote é considerado um primeiro passo para um futuro acordo de livre comércio entre os dois países.

A inserção comercial é uma das agendas prioritárias do ministro da Economia, Paulo Guedes. Ela é baseada em três pilares:

  • redução de barreiras não tarifárias, ou seja, ações de desburocratização e facilitação das exportações e importações;
  • reforma tarifária, o que envolve reduzir tarifas de importação, algo que depende do Mercosul e da melhora do ambiente de negócios, para não matar a indústria local; e
  • acordos internacionais, feitos via Mercosul ou bilateralmente. (saiba mais sobre os três pilares ao fim da matéria).

A mais recente iniciativa de abertura comercial foi a assinatura, na segunda-feira (19), do pacote de protocolos não tarifários com os Estados Unidos, no âmbito do Agreement on Economic and Trade Partnership (ATEC). O pacote inclui protocolos sobre temas não-tarifários: facilitação de comércio, anticorrupção e boas práticas regulatórias.

Esses protocolos, diz o governo, têm o objetivo de melhorar o ambiente de negócios, dando maior previsibilidade jurídica e transparência e contribuindo, assim, para facilitar comércio e investimentos entre os dois países. O acordo estava sendo negociado desde 2011 e é visto pelo governo brasileiro como um primeiro passo para um amplo acordo comercial bilateral entre Brasil e Estados Unidos.

Na fala à ONU, Bolsonaro citou como exemplos outras medidas em andamento que visam a abertura comercial:

  • o processo de acessão do país à OCDE, o chamado clube dos países ricos; o apoio à reforma da Organização Mundial do Comércio (OMC);
  • as reformas econômicas internas, como a previdenciária (já aprovada), a tributária e a administrativa (em andamento), que melhoram o ambiente de negócios e facilitam a abertura; e
  • os novos marcos regulatórios, como do saneamento (aprovado) e do gás natural (em tramitação), que têm potencial para atrair investimentos.

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Especialistas veem medidas como paliativas

Apesar de importantes, especialistas consultados pela Gazeta do Povo afirmam que as medidas adotadas pelo governo até aqui acabam sendo “paliativas”. Eles afirmam que o Brasil não reduziu amplamente as alíquotas de importação, como planejava, e que os acordos bilaterais, fundamentais para a inserção internacional, ainda não saíram do papel. Até acordos negociados em bloco, como entre Mercosul e União Europeia, estão ameaçados.

“Da forma como está, nós ainda não implementamos uma política generalizada de abertura comercial. Temos de fato apenas o Mercosul e está em tratativa o acordo Mercosul-União Europeia, mas estamos longe de ter a tradição protecionista abandonada”, diz Francisco Américo Cassano, professor e pesquisador em Relações e Negócios Internacionais na Universidade Presbiteriana Mackenzie.

“O que precisamos para ter essa tradição protecionista abandonada? Zerar alíquotas sobre todos os produtos, só taxando aqueles concorrentes desleais. Da forma como está, protegemos a indústria nacional, desfavorecendo o consumidor local. E ainda provocamos o mesmo tipo de reação lá fora”, completa.

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Acordos bilaterais estão travados; com EUA, negociação avançou

Sobre os acordos bilaterais, Cassano lembra que até há a intenção de o governo brasileiro avançar com as negociações, em especial com países como Estados Unidos, Japão e Coreia do Sul, mas que a pandemia travou esse tipo de negociação e surgiram outras prioridades e empecilhos.

Para Cassano, o Brasil deveria sair do Mercosul caso o bloco continue travando a negociação de acordos bilaterais. “O Mercosul é muito mais interessante para os outros parceiros que para nós.”

Alexandre Chaia, professor de economia do Insper, também concorda que os acordos bilaterais são fundamentais para o processo de abertura comercial, mas lembra que o governo vem colocando interesses ideológicos à frente das relações comerciais.

“O governo Bolsonaro, apesar de ter dito que ia acabar com a ideologia, é o espelho do governo PT: só mudou o lado. O interesse do Brasil na abertura comercial é trazer investidor estrangeiro e não está sendo feito, porque focaram em interesses ideológicos. Do ponto de vista de comércio internacional, foi muito ruim o governo ficar no começo batendo em China, Arábia Saudita”, lembra Chaia.

“O Paulo Guedes [ministro da Economia] é a favor de uma abertura, de uma integração comercial. Bolsonaro nunca foi a favor da abertura. Ele só queria se aproximar dos Estados Unidos e de Israel. Alguma coisa na relação com esses países ele até conseguiu melhorar, mas à custa de piorar com China e Oriente Médio”, completa o professor do Insper.

O governo diz que teve avanços importantes nos últimos meses nas negociações com Canadá, Coreia do Sul, Singapura, Líbano e Israel, e que há expectativa de lançamento de novas frentes de negociação com Indonésia, Vietnã, México e países de América Central e Caribe, além de abrir bases para um futuro acordo Brasil-EUA com os protocolos assinados nesta semana.

Sobre a aproximação com os Estados Unidos, os professores afirmam que ela têm, no momento, um lado ruim, já que o presidente Donald Trump adotada uma política muito protecionista e de retaliação à China, principal parceiro comercial do Brasil. Com isso, o Brasil acaba "comprando uma briga" que não é sua.

Ascensão à OCDE

Em relação ao processo de ascensão do Brasil à OCDE, os professores consideram a iniciativa positiva, mas com um peso mais simbólico do que prático.

“A ascensão do Brasil à OCDE tem um peso mais simbólico do que prático. Não deve ser o objetivo maior do governo para inserção internacional. A implementação do acordo Mercosul-União Europeia e o fechamento de acordos bilaterais são muito mais importantes em termos de comércio internacional”, diz Cassano.

“O governo brasileiro aceitou abrir mão da condição de país em desenvolvimento pra poder se associar à OCDE, mas isso ainda não aconteceu. A entrada seria uma boa, só que ela é só um selo”, pondera Chaia.

Investimento estrangeiro

Os professores lembram, ainda, que abertura comercial não se resume a redução de tarifas e de pouco adiantará caso o Brasil não trabalhe acordos comerciais bilaterais amplos.

“Tem que continuar fazendo acordo comerciais. E o Brasil não tem trabalhado em acordo bilaterais. Até tiveram algumas viagens internacionais de Bolsonaro no início do governo, quando ele foi até a Arábia Saudita, aos Emirados Árabes, mas não é uma política recorrente”, avalia Chaia, citando como um reflexo da falta de foco o baixo fluxo de capital estrangeiro no país. “O Brasil perdeu força, não é mais citado para alocação de recursos, para investimento estrangeiro.”

Bolsonaro, em discurso à ONU, chegou a citar que estaria havendo um aumento do investimento estrangeiro no país, inclusive na pandemia, o que demonstraria a confiança do mundo em seu governo. Dados oficiais mostram que é o contrário.

Reportagem da Gazeta do Povo mostrou que, no primeiro semestre de 2020, entraram no Brasil US$ 61,4 bilhões em capital produtivo, o valor mais baixo em quatro anos. Em contrapartida, US$ 38,6 bilhões deixaram o país nos seis primeiros meses deste ano, o maior volume para um primeiro semestre da série histórica do Banco Central, iniciada em 1995.

Os três pilares da abertura comercial em andamento, segundo o governo

Procurado pela Gazeta do Povo, o Ministério da Economia afirmou que a abertura comercial está sim em andamento. A estratégia do governo está ancorada em três pilares, segundo a pasta:

  • redução de barreiras não tarifárias ao comércio internacional;
  • reforma da estrutura tarifária do comércio exterior brasileiro; e
  • negociações de acordos internacionais.

No tocante à redução de barreiras não tarifárias, o Ministério da Economia diz que a principal iniciativa é o Portal Único de Comércio Exterior.

“Por meio dele, já foi possível reduzir o tempo médio para se exportar no Brasil de 13 dias para menos de 7 dias, gerando uma economia anual de custos – decorrente da diminuição dos atrasos nos embarques – de mais de R$ 40 bilhões. O grande desafio agora passa pela reforma do processo de importação, que já está em curso e deverá ser concluída até o fim do atual governo”, diz a pasta em nota.

O ministério afirma que o governo também tem feito alterações importantes nos controles aplicados sobre as compras externas do país, como a eliminação de exigências desnecessárias de licenças de importação automáticas e não automáticas para 210 produtos, que juntos foram responsáveis por um total importado de US$ 5,6 bilhões em 2019. A medida possibilitou uma economia de R$ 23 milhões por ano em taxas que deixaram de ser pagas pelos importadores para a emissão dessas licenças.

Outro exemplo de eliminação de burocracia foi o encerramento do Siscoserv, sistema para o setor privado que criava redundâncias na prestação de informações ao governo e que não tinha regras totalmente claras.

Ainda segundo o Ministério da Economia, outra ação adotada que contribuirá para o aumento da corrente de comércio e a recuperação da economia brasileira é a nova regulamentação do regime de drawback, mecanismo que desonera de tributos as importações e aquisições domésticas de insumos utilizados na produção de bens para exportação.

“O principal avanço trazido pela nova portaria diz respeito à abordagem de concessão e controle do drawback, focada agora nas quantidades envolvidas nas operações e não mais nos valores monetários, o que reduz os custos de utilização do regime e facilita o ingresso de novos exportadores”, afirma a pasta.

Em relação ao pilar “reforma da estrutura tarifária do comércio exterior brasileiro”, o Ministério da Economia ressalta que ele depende do andamento da agenda de reformas estruturantes internas, “uma vez que a implementação de revisão tarifária ampla estará sujeita ao avanço da agenda de reformas e de medidas que confiram maior competitividade para a indústria nacional”.

A pasta diz, ainda, que a revisão da Tarifa Externa Comum é uma das prioridades atuais do Mercosul, uma vez que, desde o seu estabelecimento, em 1º de janeiro de 1995, ela jamais foi objeto de revisão ampla. “Entende-se ser importante aproximar a estrutura tarifária do Mercosul aos níveis praticados internacionalmente, por meio da implementação gradual dos níveis tarifários a serem definidos, de forma a acomodar as necessidades de adaptação do setor produtivo à nova realidade tarifária.”

Sobre o terceiro pilar, o de “negociações de acordos internacionais”, o governo afirma que a estratégia já está em andamento e que os resultado podem ser verificados desde 2019, com a conclusão das negociações comerciais entre Mercosul-União Europeia e Mercosul-Associação Europeia de Livre Comércio (EFTA), além dos acordos automotivos do Brasil com Argentina, Paraguai e México.

A pasta afirma que as negociações internacionais bilaterais com Canadá, Coreia do Sul, Singapura, Líbano e Israel tiveram avanços importantes, mas não cita quais foram esses avanços. Ainda segundo o Ministério da Economia, há “grande expectativa de lançamento de novas frentes de negociação com Indonésia, Vietnã, México e países de América Central e Caribe”.

Sobre os Estados Unidos, o ministério ressalta o pacote de protocolos não tarifários com os Estados Unidos, assinado na segunda-feira (19), o que pode formar a base para um “futuro amplo acordo comercial entre Brasil e Estados Unidos”.

Por fim, o governo cita que formalizou em maio de 2020 a decisão de aderir ao Acordo sobre Compras Governamentais (GPA, na sigla em inglês) da Organização Mundial do Comércio (OMC), que tem como objetivo a abertura dos mercados de contratações públicas dos seus integrantes.

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