A participação do Brasil no Fórum Econômico Mundial de Davos, na Suíça, não se limita à apresentação do que o governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pretende fazer para atrair investimentos externos. O evento evidenciou a preocupação dos investidores estrangeiros com os recentes acontecimentos políticos.
A manifestação que terminou com a depredação das sedes dos Três Poderes em Brasília no dia 8 rondou parte do painel “Brazil: A new roadmap” (“Brasil: um novo roteiro”), realizado na manhã desta terça (17) com a participação dos ministros da Fazenda, Fernando Haddad, e do Meio Ambiente e Mudanças Climáticas, Marina Silva. Os acontecimentos foram o primeiro tema abordado pela mediadora do encontro, a chefe da Agenda Regional do Fórum na América Latina, Marisol Argueta de Barillas.
No painel, de aproximadamente 45 minutos, Haddad e Marina expuseram o programa econômico e de meio ambiente que Lula pretende implantar nesta nova gestão presidencial. Boa parte das medidas da agenda econômica, como a reforma tributária e outras de ajuste fiscal, terá de passar por discussões no Congresso com uma forte oposição, classificada como de “extrema direita” por Haddad.
“Ela não só se organizou e ganhou as eleições de 2018, como governou por quatro anos com total liberdade de aprovar tudo o que bem entendeu no Congresso, e será indiscutivelmente, a força de oposição a Lula, não tenho a menor dúvida”, afirmou o ministro.
Marina Silva falou em um trabalho de “estabilização da democracia” para executar as medidas pretendidas pelo presidente. “Estabilidade democrática passa pela nossa capacidade de dar respostas”, disse a ministra, afirmando que as instituições de Estado deram respostas aos ataques em Brasília menos de 24 horas depois.
Haddad e Marina fizeram críticas à gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) na economia – principalmente – e no meio ambiente. Haddad disse ter assumido um ministério com um “tremendo desequilíbrio das nossas contas que precisa ser resolvido”. Ele classificou as medidas adotadas por Bolsonaro no segundo semestre de 2022 como "socialmente aceitáveis", mas de cunho eleitoreiro, e disse que provocaram um grave problema fiscal.
Haddad omitiu, porém, que grande parte da incerteza sobre as contas públicas veio da proposta de emenda à Constituição (PEC) articulada pelo novo governo para permitir despesas de aproximadamente R$ 170 bilhões acima do teto de gastos, principal âncora fiscal do país.
Já aprovada, a PEC fura-teto – que prevê a apresentação de uma nova regra fiscal até o fim de agosto – causou forte oscilação dos preços de ativos como ações, câmbio e títulos públicos após a eleição de Lula, e está entre as principais razões para a piora das expectativas para a taxa básica de juros – desde a eleição de Lula, a projeção para a Selic ao fim de 2023 subiu mais de um ponto porcentual, de 11,25% para 12,50% ao ano. Quando o ministro da Fazenda mencionou a PEC, mais adiante, não abordou seu impacto fiscal; limitou-se a dizer que ela serve para dar suporte à execução de políticas públicas.
“Estamos herdando um problema que foi causado não pela pandemia, mas pela eminente derrota do governo anterior diante das eleições. O governo anterior, diante do prognostico desfavorável, tomou uma série de medidas muito socialmente justas, mas absolutamente eleitoreiras pela forma e momento em que foram adotadas. E também de renúncia de receita na ordem de 1,5% do Produto Interno Bruto brasileiro (PIB)”, citou Haddad. Segundo ele, o objetivo da equipe econômica é zerar o déficit em dois anos e retomar a relação entre despesas e receitas ao nível pré-pandemia, de 18,7% do PIB no plano federal.
O ministro da Fazenda afirmou que essa medida será possível se o atual governo conseguir aprovar a reforma tributária pretendida que já tramita no Congresso, junto de um novo plano regulatório em áreas como a concessão de crédito à população, reindustrialização voltada à transição ecológica e integração econômica regional com outros países da América do Sul – como Chile, Colômbia e Argentina, de presidentes que ele chamou de "progressistas". Segundo ele, isso fará o Brasil “voltar a crescer acima da média mundial como aconteceu nos oito anos do governo do presidente Lula”.
Haddad fala em reforma tributária e ajuste fiscal com aumento de impostos
A aprovação da PEC fura-teto antes mesmo da largada do governo Lula foi descrita por Haddad como necessária para dar suporte aos antigos e “novos ministérios que estavam sem orçamento” para a execução de políticas públicas.
Haddad disse que o governo pretende fazer a reforma tributária em duas etapas ainda neste ano. "A reforma tributária que queremos voltar no primeiro semestre (...) é sobre o imposto sobre consumo. Mas no segundo semestre nós queremos votar uma reforma tributária sobre a renda. Para desonerar as camadas mais pobres do imposto e para onerar quem hoje não paga imposto. Muita gente no Brasil hoje não paga imposto. Então, nós precisamos reequilibrar o sistema tributário brasileiro para melhorar a distribuição de renda no Brasil", disse.
O ministro também citou o pacote de ajuste fiscal que inclui medidas de reoneração de setores da economia que, para ele, foram “irresponsavelmente favorecidos com fins eleitorais no ano passado”. O principal ponto das medidas anunciadas por Haddad na semana passada é justamente o aumento da arrecadação, em volume muito superior aos cortes de despesas.
No entanto, nesta segunda-feira (16), Haddad disse a jornalistas que não vai revogar a redução do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) feita por Bolsonaro, “para sinalizar para a indústrias que nós queremos aprovar a reforma tributária”. No mesmo dia, o vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, Geraldo Alckmin, falou em "acabar com o IPI" na reforma.
Haddad também citou medidas de renegociação de dívidas para que consumidores possam ter novamente acesso a crédito; melhorias no sistema de garantias – o Novo Marco Legal das Garantias, apresentado pelo governo Bolsonaro, está parado no Senado –; aumento do salário mínimo “um pouco acima da inflação”; agenda regulatória para melhorar o ambiente de investimento do Brasil com parcerias público-privadas e concessões; entre outras.
O ministro também afirmou que a política de integração regional buscada pelo novo governo vai compensar a falta de um “boom de commodities” como o vivido nas duas primeiras gestões de Lula, entre 2003 e 2010, quando a China consumiu grande parte das matérias-primas produzidas pelo Brasil.
“Vamos ter que fazer diferente agora. Já que não temos o ‘boom de commodities’, vamos fazer um ‘boom’ de integração para favorecer o comércio, as transações financeiras, o sistema de crédito, integrar isso tudo para a nossa região chamar a atenção do mundo e atrair investimentos”, completou.
Segundo Haddad, a agenda internacional de Lula ainda está sendo montada, mas terá foco principalmente nos países da América do Sul com vistas também à preparação para a realização do fórum do G20, o grupo das 20 maiores economias do mundo, no ano que vem. Atualmente, o Brasil ocupa a 12.ª posição no ranking.
Marina diz que governo quer aliar desenvolvimento econômico com políticas ambientais
Marina Silva afirmou que o governo buscará um desenvolvimento econômico aliado às políticas ambientais. Para ela, a presença de Lula na COP27, no Egito, antes mesmo de tomar posse como presidente, foi o primeiro sinal de retorno do país às discussões internacionais.
“O nosso compromisso interno é de, até 2030, alcançar o desmatamento zero, de fazer com que o Brasil possa transitar de uma economia intensiva em carbono para uma de baixo carbono. A transição energética, a agricultura de baixo carbono, a bioeconomia, com a completa concordância do ministro da Fazenda”, disse a ministra citando, ainda, que o Brasil quer liderar uma iniciativa global de proteção às florestas sobretudo nos “países mais vulneráveis”.
Ela afirmou que o Fundo Amazônia está sendo recomposto pelo governo, citando também mais de R$ 500 milhões para políticas de proteção ao meio ambiente, e a retirada de recursos de doação para este fim do teto de gastos. Marina ainda citou a importância da candidatura da cidade de Belém para sediar a COP30 em 2025 como a “materialização” destas iniciativas de proteção ambiental.
O que, segundo Fernando Haddad, será o caminho para o “engajamento de líderes de negócios” estrangeiros, que ele cita como fundamental. “Temos que convencer as grandes corporações, na medida do que o sistema permite, a assumirem determinados compromissos públicos com consequências práticas, em meio ambiente, igualdade de gênero, combate ao racismo, sustentabilidade, nova matriz energética, não adquirir produtos de países que não respeitam os direitos humanos”, completou.
Além do painel de discussões desta terça (17), Haddad e Marina vêm participando de uma série de reuniões com líderes e empresários em Davos, como encontros com dirigentes do Fundo Monetário Internacional (FM) e da Meta, dona do Facebook.
Pela manhã, o ministro da Fazenda teve encontros com o ministro saudita do investimento, Al-Fahli; com Mark Malloch Brown e Alexander Soros, respectivamente presidente e presidente do conselho de administração da Open Society, a fundação do investidor George Soros; e com Ian Bremmer, presidente da consultoria Eurasia.
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