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Roberto Campos Neto, presidente do Banco Central (BC), é alvo frequente do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e seus aliados, incluindo ministros e parlamentares. As críticas estão relacionadas principalmente à taxa de juros, que estaria dificultando o crescimento econômico.
Mas os petistas também se incomodam com a articulação de Campos Neto no Congresso para ampliar a autonomia do Banco Central, suas posições sobre o parcelamento sem juros no cartão de crédito e o vínculo com o ex-presidente Jair Bolsonaro, que o colocou no comando do BC.
Para os petistas, o fato de Campos Neto ter ido votar na eleição de 2022 vestindo uma camiseta amarela seria prova irrefutável de seu "bolsonarismo" – e, nesse raciocínio, tal conexão política motivaria o presidente do BC a jogar contra a economia brasileira para prejudicar o governo do PT.
Nem a proximidade do fim de seu mandato, em dezembro, refreou os ataques. Os mais recentes vieram nesta quarta-feira (5), da presidente do PT, deputada Gleisi Hoffmann. "Está mais do que na hora de mudar. É um absurdo a gente ter um presidente do Banco Central que tem atuação política como tem o Campos Neto. É claramente política, não há justificativa para ficar esse juro estratosférico", disse Gleisi à CNN.
Na entrevista, a presidente do PT afirmou que é preciso baixar os juros para pôr mais dinheiro em circulação e fazer a economia crescer. O objetivo principal do BC, porém, é controlar a inflação – o que significa conter a circulação de dinheiro, quando necessário. E, nesse sentido, a resiliência da economia brasileira é um dos principais desafios enfrentados pela instituição em sua tentativa de evitar uma aceleração dos preços.
No primeiro trimestre, o PIB cresceu 0,8% em relação ao último trimestre de 2023, ligeiramente acima do ponto médio das expectativas (0,7%). O mercado de trabalho gerou 958 mil empregos com carteira assinada no primeiro quadrimestre, 33% a mais do que no mesmo período de 2023. A taxa de desemprego caiu de 8,5% para 7,5% em um ano, e nesse período a massa de rendimentos – soma de todos os valores recebidos pelos trabalhadores – aumentou 7,9% acima da inflação.
Na semana passada, ao comentar o bom desempenho do mercado de trabalho, a coordenadora de pesquisas domiciliares do IBGE, Adriana Beringuy, citou entre os fatores determinantes a queda dos juros e da inflação – sinal de que a política monetária conseguiu conciliar as duas coisas.
Além da economia aquecida, que exerce pressão sobre a inflação que o BC tenta conter, outros desafios na condução da política monetária são:
- o rombo das contas públicas, equivalente a 2,4% do PIB pelo critério do déficit primário, ou 9,4% do PIB quando incluídos os juros da dívida;
- o rebaixamento das metas fiscais de 2025 e 2026; e
- a incerteza sobre quando os Estados Unidos reduzirão seus juros.
Tanto o rombo das contas públicas quanto o rebaixamento das metas fiscais têm relação direta com a atuação da gestão de Lula, mas o presidente e seus aliados preferem ignorar os efeitos das finanças governamentais sobre a inflação.
Dessa forma, os ataques a Campos Neto não devem parar tão cedo, especialmente se na próxima reunião o Banco Central mantiver a taxa básica de juros (Selic) nos atuais 10,5% ao ano. A possibilidade de isso ocorrer é de 85%, segundo indica a negociação de contratos de opção na B3, a bolsa de valores brasileira.
A mediana das expectativas de bancos e consultorias, porém, ainda indica que a aposta majoritária é de corte de 0,25 ponto na taxa, igual ao da última reunião, segundo o boletim Focus, do BC. O próximo encontro do Comitê de Política Monetária (Copom) será nos dias 17 e 18.
Lula personifica ataques ao BC em Campos Neto
Lula fez várias declarações sobre o trabalho de Roberto Campos Neto. A mais recente ocorreu em 29 de maio, durante o anúncio de medidas de auxílio às empresas e ao agronegócio do Rio Grande do Sul, afetado por chuvas e inundações.
“Eu espero que o presidente do Banco Central veja a nossa disposição de reduzir a taxa de juros [do BNDES] e ele, quem sabe, colabore conosco, reduzindo a taxa Selic para a gente poder emprestar a taxa de juros ainda mais barata”, afirmou Lula, que rotineiramente personifica em Campos Neto as decisões referentes à taxa básica de juros.
Tais decisões, porém, não são tomadas exclusivamente pelo presidente do Banco Central. Além dele, oito diretores da autoridade monetária também participam da avaliação nos encontros do Copom, que acontecem a cada 45 dias. Na última reunião, em 7 e 8 de maio, os cinco integrantes do colegiado nomeados pelo ex-presidente Jair Bolsonaro votaram por um corte de 0,25 ponto percentual, enquanto os quatro escolhidos por Lula preferiam redução de 0,5 ponto percentual.
Os ataques a Campos Neto começaram logo após a posse de Lula na presidência da República em seu terceiro mandato. Segundo ele, o Brasil tem “cultura” de juros altos e Campos Neto devia dar explicações. Ao longo dos meses seguintes, Lula ressaltou que o país não podia ficar “refém” do presidente do BC, que este estaria “brincando com o país” e que tanto Campos Neto e o BC “jogam” contra a economia.
Para Gleisi, Campos Neto é "irresponsável", "arrogante" e um "especulador medíocre"
Gleisi Hoffmann, a mais feroz crítica de Roberto Campos Neto e do Banco Central dentro do PT, costuma atacar nos dias seguintes à reunião do Copom. Em 18 de maio, acusou Campos Neto de sabotar a economia com comportamento “irresponsável e arrogante” e criticou-o por não ter informado o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, da decisão de reduzir o ritmo da queda dos juros.
“É fato que Campos Neto não avisa o governo de suas pretensões em relação à política de juros, como ele disse. Avisa o mercado. Foi o que fez, com quase um mês de antecedência, numa palestra nos EUA, dizendo que o Copom ia mudar o ritmo de queda nos juros”, escreveu Gleisi em sua conta no X (ex-Twitter) em 18 de maio.
A ata da reunião de março do Copom, publicada no dia 26 daquele mês, já sinalizava para essa possibilidade. “Se a incerteza prospectiva permanecer elevada no futuro, um ritmo mais lento de distensão monetária pode revelar-se apropriado, para qualquer taxa terminal que se deseje atingir”, destacou o documento.
Campos Neto já foi chamado pela dirigente do PT de “especulador medíocre” e de “ameaça constante e cada vez maior ao crescimento econômico que o Brasil tanto precisa”. Gleisi afirmou em março que “os juros exorbitantes do BC derrubaram os investimentos e estagnaram o crescimento no segundo semestre [de 2023]”.
Nesta quarta (5), Gleisi insinuou que Campos Neto "vai ser investigado pela Polícia Federal". Ela fez referência a uma apuração solicitada pelo Ministério Público junto ao Tribunal de Contas da União (TCU) para identificar “identificar eventuais desvios de finalidade" pelo Copom na definição da taxa Selic. O subprocurador Lucas Furtado apontou "grande influência", na definição dos juros, das projeções de bancos, corretoras e consultorias coletadas pelo BC por meio do boletim Focus.
O gatilho foi o fato de uma das instituições consultadas no Focus – de um total de aproximadamente 130 – ter feito, em maio, um reajuste abrupto na projeção para a inflação em 2026. Isso fez com que, de uma semana para outra, a projeção máxima para o IPCA daquele ano saltasse de 5,7% para 8% no boletim Focus.
Mas, como o BC olha mais para a mediana – isto é, o ponto médio – das expectativas, e não para a média, movimentos individuais como o citado têm pouco ou nenhum efeito sobre o resultado geral. Tanto que, naquela ocasião, a mediana das previsões para a inflação em 2026 continuou em 3,5%. Nas semanas seguintes, com mais instituições fazendo pequenas alterações, o ponto médio subiu para 3,6%.
Fernando Haddad também já criticou presidente do BC
As críticas à atuação de Roberto Campos Neto não se restringem somente a Lula ou Gleisi. Outras lideranças petistas que ocupam ministérios já dispararam ataques desde o início do mandato. Mesmo o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, que busca manter uma convivência mais pacífica com Campos Neto, já teceu críticas à condução do BC.
O ministro já disse que juros altos produzem efeitos perversos sobre a economia e afetam a arrecadação. Em junho de 2023, afirmou que o Copom estaria contratando problemas futuros ao não baixar a taxa Selic – ela só começou a cair em agosto.
Mais recentemente, no fim de março, o ministro criticou a articulação do presidente do BC no Senado para a aprovação da PEC 65/2023, que dá autonomia financeira e orçamentária à instituição. Haddad se queixou da falta de alinhamento com o governo.
Outro grande crítico do trabalho de Campos Neto é Luiz Marinho, ministro do Trabalho. No ano passado, ele mencionou que a Selic elevada sacrifica a população de baixa renda e que a taxa de juro em patamares elevados era uma “insanidade monetária” e “inaceitável”.
A mais recente crítica de Marinho ao trabalho de Campos Neto foi no fim de março. Segundo ele, aumentar os juros, como foi feito entre março de 2021 e agosto de 2022, é uma maneira “burra” de controlar a inflação. “Não estou criticando o Banco Central. Estou alertando que eles precisam estudar mais os fundamentos da economia”, disse.
Para Marinho, existem duas ferramentas para controlar a inflação. A primeira, que ele considera “burra”, envolve restrições, aumento de juros e corte de crédito. A segunda, que ele vê como mais inteligente, é pelo lado da oferta.
“Se a demanda de consumo crescer, as empresas não devem esperar faltar mercadoria no supermercado. Elas devem antecipar a velocidade da linha de produção, contratando mais pessoas e oferecendo mais produtos”, disse o ministro do Trabalho.
Em contraste com as declarações de Marinho, a autoridade monetária brasileira – que tem corpo técnico entre os mais qualificados do funcionalismo público – foi escolhida como o banco central do ano pela Central Banking. A editora americana justificou o prêmio afirmando que o BC brasileiro “tem se esforçado para controlar a inflação enquanto moderniza o sistema financeiro do país”.
Parlamentares do PT solicitaram moção de repúdio a Campos Neto
Em novembro de 2023, parlamentares do PT, liderados pelos deputados Lindbergh Farias e Alencar Santana, solicitaram uma moção de repúdio contra Campos Neto na Câmara. A motivação para tal ação não foi a política monetária, mas sim declarações sobre a restrição de compras parceladas no cartão de crédito.
Durante uma sessão no Senado, o presidente do BC afirmou que o crédito rotativo deveria ser eliminado para auxiliar no combate à inadimplência.
No requerimento assinado por Lindbergh e Santana, eles argumentaram que “não existem evidências” de que as compras parceladas sem juros no cartão de crédito sejam “causas determinantes” da inadimplência das famílias.