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Após sucessivos adiamentos, diversos substitutivos e com uma série de emendas de plenário, a Câmara dos Deputados concluiu nesta quinta-feira (2) a votação do projeto que altera regras do Imposto de Renda, uma das etapas da reforma tributária do governo. O texto que passou é o substitutivo do relator Celso Sabino (PSDB-PA), que contém diversas alterações em relação ao texto original, enviado pelo governo em junho.
Na versão que sai da Câmara, as principais mudanças são o aumento da faixa de isenção do Imposto de Renda da Pessoa Física (IRPF) para R$ 2,5 mil e uma redução de 7 pontos na alíquota do Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e de até 1 ponto na da Contribuição Social sobre Lucro Líquido (CSLL), condicionada à revogação de benefícios fiscais.
Outra mudança importante é a volta da tributação sobre lucros e dividendos após 25 anos de isenção. Um destaque do Republicanos aprovado nesta quinta-feira fixou a alíquota de 15% sobre esse tipo de rendimento – o governo e o relator defendiam um porcentual de 20%.
O texto prevê ainda o fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP) para empresas e altera alíquotas de ganhos com renda fixa e variável, além de prazos para apuração de ganhos na bolsa.
O descontentamento de empresários, que viam risco de aumento de carga tributária, de um lado, e de estados e municípios, que temiam a perda de arrecadação, de outro, travou por mais de um mês o andamento da proposta. No fim, um acordo entre Sabino e líderes da oposição, articulado pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), permitiu a aprovação do texto.
Lira fez pressão para acelerar o trâmite da matéria na Casa. Por ter sido distribuída a mais de três comissões de mérito, a proposta precisaria ser analisada ainda por uma comissão especial. Com a aprovação de um requerimento de urgência, no entanto, o texto foi levado direto ao plenário, dispensando o trabalho dos colegiados.
No entanto, divergências tanto por parte de oposicionistas quanto de líderes de partidos da base do governo levaram a três adiamentos na votação. O acordo para colocar o projeto em pauta envolveu concessões a partidos de oposição, como a retirada da restrição ao desconto simplificado do IRPF, o que deve reduzir a arrecadação do governo.
“Longe de querer impor a minha vontade, cheguei à presidência da Câmara com o compromisso de dar mais voz e importância ao poder mais transparente, representativo e democrático do país. Ontem [quarta-feira (1º)], quando muitos davam como fadado ao fracasso, deputados e deputadas aprovaram o texto base que muda as regras do Imposto de Renda. Um texto construído com muito debate entre governo e oposição, porque aqui na Câmara o partido majoritário é o do progresso do Brasil”, declarou Lira nesta quinta.
O projeto ainda terá de ser votado pelo Senado antes de ser submetido à sanção ou veto do presidente Jair Bolsonaro (sem partido). Segundo o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), não deverá haver veto presidencial quanto ao fim do JCP ou à taxação de lucros e dividendos. “Se, por algum acaso, houver veto, o governo fará acordo para derrubá-lo”, disse.
Confira as principais mudanças previstas no projeto aprovado pela Câmara:
Faixa de isenção para pessoa física sobe para R$ 2,5 mil
Para as pessoas físicas, uma das principais mudanças é o aumento da faixa de isenção do imposto, que sai dos atuais R$ 1.903,99 para R$ 2,5 mil, que já estava na proposta original do governo. Também devem ser alteradas as faixas de incidência das diferentes alíquotas de acordo com o salário do contribuinte. Veja como deve ficar a tabela:
Emendas apresentadas em plenário que visavam ampliar o reajuste da tabela, aumentar a faixa de isenção do IRPF ou majorar o valor das deduções acabaram rejeitadas.
Desconto simplificado fica limitado a R$ 10.563,60
Para quem o contribuinte que opta por fazer a declaração simplificada do IRPF, que dá direito a um desconto de 20% sobre o tributo recolhido, o limite de redução cairá para R$ 10.563,60 – atualmente, podem ser deduzidos até R$ 16.754,34 na modalidade.
A opção continuará disponível para todos os contribuintes, independente de renda. Na proposta original do projeto de lei, o governo queria restringir a declaração simplificada apenas para quem ganha até R$ 40 mil por ano, o que significaria que quem ganha mais do que cerca de R$ 3,3 mil por mês teria necessariamente de fazer a declaração completa, que permite deduzir apenas gastos com dependentes, saúde, educação e previdência.
Houve resistência à medida por parte da oposição porque havia uma expectativa de que a mudança aumentaria a carga tributária de contribuintes de classe média. Para garantir a aprovação do projeto, Sabino retirou do texto o limite de renda para este tipo de declaração. Segundo o deputado, com a mudança, nenhuma pessoa física do país terá aumento de carga tributária.
Lucros e dividendos serão tributados em 15%, mas há exceções
Após 25 anos isentos, lucros e dividendos distribuídos devem voltar a ser tributados, com algumas exceções, caso seja mantida a versão do projeto aprovada pela Câmara. Um destaque do Republicanos fixou a alíquota do tributo em 15% sobre esse tipo de rendimento.
Estarão dispensados da cobrança, no entanto, os acionistas de empresas optantes pela apuração por lucro presumido, do Simples Nacional e que tenham faturamento anual de até R$ 4,8 milhões, ou seja, aquelas consideradas de micro e pequeno porte.
Além disso, ficam isentos ainda os lucros e dividendos pagos por:
- empresas integrantes do mesmo grupo econômico;
- entidades de previdência complementar e afins;
- incorporadoras imobiliárias submetidas ao regime especial de tributação mediante patrimônio de afetação; e
- fundos de investimento em ações.
A intenção de recolher imposto sobre lucros e dividendos veio do Ministério da Economia, que queria aplicar, no entanto, taxa de 20%. O governo queria ainda que apenas rendimentos de até R$ 20 mil mensais, de acionistas de micro e pequenas empresas, ficassem isentos. Mas a pressão de empresários fez com que o relator ampliasse o benefício na quarta versão de seu relatório.
Os plenário da Câmara rejeitou destaques apresentados pelo PT e pelo PSOL que propunham uma alíquota progressiva sobre a distribuição de lucros e dividendos.
Outra emenda, sugerida pelo PSD, previa a não incidência do imposto sobre os lucros e dividendos apurados até 2021 e distribuídos até 31 de dezembro de 2022, mas também foi rejeitada.
Redução de alíquotas de IRPJ e CSLL
O texto aprovado pelos deputados prevê uma redução de 7 pontos porcentuais na alíquota do IRPJ de uma única vez, já a partir de 2022. Com isso, o imposto-base deve cair dos atuais 15% para 8%. O adicional de 10% para lucros que ultrapassem R$ 20 mil mensais permanece.
A CSLL, por sua vez, deve ter uma redução de até 1 ponto porcentual – meio ponto em duas etapas, condicionadas à revogação de benefícios fiscais de PIS/Pasep e Cofins destinados a setores específicos.
A calibragem das alíquotas foi um dos principais pontos de discussão entre o governo, a Câmara, o setor produtivo e representantes de estados e municípios. Na proposta do governo, a redução do IRPJ seria de apenas 5 pontos porcentuais (2,5 em 2022 e 2,5 em 2023). Sabino chegou a apresentar um relatório preliminar com um corte de 12,5 pontos no imposto, mas acabou recuando após críticas de prefeitos e secretários estaduais de fazenda.
Na votação dos destaques, o Novo defendeu um período de transição para as mudanças nas alíquotas do IRPJ e da tributação sobre lucros e dividendos, enquanto PSDB propôs uma redução ainda maior no imposto da pessoa jurídica, para 5,5% a partir de 2023. Ambas as emendas foram rejeitadas.
Apuração de IRPJ e CSLL passa a ser trimestral
Hoje, as empresas tem a opção de apurar o IRPJ e a CSLL trimestral ou anualmente. A proposta é que a apuração seja obrigatoriamente trimestral para todas as companhias. Além disso, o prejuízo fiscal e a base de cálculo negativa da CSLL apurados em um trimestre poderão ser aproveitados apenas nos três seguintes, porém sem a limitação de 30% prevista na legislação vigente.
Fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP)
Outra medida prevista no projeto é o fim dos Juros sobre Capital Próprio (JCP), uma forma de distribuição de lucros entre acionistas que pode ser tratada como despesa no resultado da empresa. Hoje, esse mecanismo é utilizado pelas companhias para reduzir a base de incidência do IRPJ e da CSLL.
O projeto original do governo previa o fim da dedutibilidade do JCP da apuração do lucro real das empresas, mas no substitutivo Sabino optou por propor a revogação de toda a sistemática.
Atualização de valor de imóvel com alíquota de 4% em 2022
Caso mantido o texto aprovado na Câmara, contribuintes que tenham imóveis em território nacional poderão atualizar o valor de seus bens constantes em suas declarações de IRPF com a incidência de uma alíquota reduzida de 4%. A opção deve ser feita até 29 de abril de 2022, data limite para a entrega da declaração de ajuste anual do IRPF.
Atualmente, o valor pago na compra é mantido enquanto se tem a propriedade do imóvel, e a atualização é feita apenas quando ocorre a venda, com uma incidência de alíquota de 15% a 22,5% sobre o ganho de capital.
Atualização de ativos no exterior com taxa de 6% em 2022
Para quem mantém ativos no exterior, inclusive lucros acumulados em empresas controladas, também será possível fazer a atualização de valores com uma alíquota reduzida sobre o ganho de capital. A taxa, neste caso, será de 6%, devendo o imposto ser recolhido até 29 de abril de 2022. Os ativos não precisarão ser internalizados, podendo ser mantidos fora do país e terão o custo de aquisição atualizado para que o ganho patrimonial não seja novamente tributado no futuro.
Mudanças na tributação sobre investimentos em renda fixa e variável
O texto prevê ainda modificação nas alíquotas de tributação dos investimentos em renda fixa, fundos abertos e fechados (multimercados). Fica extinta a tabela regressiva, segundo a qual incidem alíquotas que vão de 22,5% a 15% dependendo do prazo de resgate. A proposta é de uma cobrança fixa de 15%.
As operações em bolsa de valores também passarão a ter alíquota de 15%, com apuração trimestral, para todos os mercados. Hoje, a apuração é mensal, com taxa de 15% em mercados à vista, a termo, de opções e de futuros, e de 20% para operações de day trade e cotas de fundos de investimento imobiliário (FII).
Fundos de Investimento Imobiliário (FII) e dividendos de fundos de investimento permanecem isentos
Um dos pontos polêmicos na proposta do Executivo foi a ideia de taxar a distribuição de rendimentos de FIIs para pessoas físicas, hoje isentos, em 15%. A ideia foi duramente criticada por investidores e pelo setor imobiliário, que via risco de aumento de preços para o consumidor. O item foi retirado pelo relator e, portanto, o rendimento continuará isento.
Dividendos de fundos de investimento tampouco serão taxados. Em uma versão anterior da proposta do relator, havia a previsão de uma alíquota de 5,88%. No texto aprovado na Câmara, a distribuição desses fundos será incorporada ao valor patrimonial das cotas, sendo tributados apenas na retirada.
Outra mudança diz respeito ao chamado come-cotas, uma antecipação do IR em fundos como de renda fixa e multimercados, que hoje ocorre duas vezes por ano, em maio e novembro. Agora, caso o projeto aprovado seja mantido, o come-cotas será cobrado com periodicidade anual, no mês de novembro, com alíquota de 15% ou 20%, dependendo do prazo médio dos investimento do fundo.
Fim de benefícios fiscais para compensar queda na arrecadação
Como forma de compensar as renúncias fiscais com a redução na alíquota do IRPJ e da CSLL e a atualização da tabela do IRPF, o projeto aprovado prevê a revogação de subsídios a empresas dos setores químico e farmacêutico, crédito presumido a produtores e importadores de medicamentos, além das isenções de PIS e Cofins para termelétricas na compra de carvão e gás. Agentes públicos passarão a recolher Imposto de Renda também sobre o auxílio-moradia, hoje isento do tributo.
Com isso, existe uma expectativa de que produtos como cosméticos, de perfumaria e medicamentos fiquem mais caros.
Em uma versão anterior do substitutivo, Sabino propunha o fim de benefícios fiscais também à indústria de embarcações, aeronaves e suas peças, mas a medida foi retirada no texto aprovado.
Mudanças em tributação sobre mineradoras
Para compensar a perda de arrecadação de estados e municípios com as alterações no IR, o projeto de lei prevê ainda mudanças na Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (CFEM). Haverá um adicional de 1,5% sobre as operações relativas a ferro, cobre, bauxita, ouro, manganês, caulim, níquel, nióbio e lítio.
O relator havia sugerido anteriormente repassar a parte que cabe da CFEM que cabe à União para estados e municípios, com o objetivo de compensar as perdas na arrecadação com o IRPJ. Entretanto, o texto aprovado mantém a divisão atual.
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