A retomada da economia mundial, puxada principalmente pela China, está impulsionando o preço das commodities – produtos em estado bruto ou com pequeno grau de industrialização, produzidos em larga escala e demandados internacionalmente.
O movimento favorece e prejudica o Brasil ao mesmo tempo. A vantagem para o país é o forte ingresso de dólares com as vendas de produtos como soja, minério de ferro e petróleo. O problema está na alta da inflação.
A entrada de recursos proporcionada pela venda de soja, ferro e outras matérias-primas deveria estar jogando para baixo a cotação do câmbio, como ocorreu no superciclo de commodities dos anos 2000. Mas, por uma série de fatores, que ampliaram a percepção de risco em relação ao país, o dólar ficou mais caro.
Dessa forma, o custo das matérias-primas está subindo em dólar e avançando ainda mais na conversão para reais, o que explica o rápido avanço da inflação – que, na última quarta-feira (17), levou o Banco Central a elevar a taxa de juro acima das expectativas, na primeira alta em quase seis anos.
Com isso, o aumento de renda dos produtores de commodities não está associado ao crescimento do poder de compra da maioria da população, como ocorreu no superciclo de commodities da década de 2000. Desta vez, sem ajuda de um câmbio favorável para compensar o aumento (em dólar) de produtos como os alimentos, o poder aquisitivo está diminuindo. À inflação elevada, ruim por si só, soma-se agora a alta de juros, que encarece o crédito.
Em outros tempos, o real desvalorizado foi mais benéfico para a indústria nacional, ao deixar mais barato (e competitivo) o produto brasileiro no mercado externo. Mas o avanço da participação de componentes importados tornou mais complexo o cenário.
Hoje quase um quarto dos insumos usados pela indústria vem de fora, segundo dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) e da Fundação Centro de Estudos de Comércio Exterior (Funcex). Com isso, a alta do dólar encarece os custos de boa parte do setor industrial brasileiro, limitando ou anulando os efeito positivo da exportação.
Preços das commodities subiram 50% em 12 meses
As commodities tiveram uma alta de 50,48% em 12 meses, segundo o Banco Central. Quem liderou o ritmo da alta foram as commodities metálicas. Alumínio, minério de ferro, cobre, estanho, zinco, chumbo, níquel, ouro e prata tiveram uma variação média de 75,74% no período. As agropecuárias aumentaram 46,16% e as ligadas à energia (como o petróleo, o gás natural e o carvão), 41,75%.
Segundo os analistas Vinícius Araújo e Gustavo Senday, da XP Investimentos, a perspectiva de crescimento econômico chinês sustenta a projeção de um ciclo de alta nas commodities à frente. O que é uma ótima notícia para quem produz essas mercadorias: mais dólares entrando no caixa, e dólares que valem quase 10% mais que há um ano na conversão para a moeda brasileira.
O país asiático cresceu 2,3% no ano passado, diante de um encolhimento de 4,4% no PIB global. E fixou uma meta “tímida” de crescimento de 6% para este ano, mas o Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta uma expansão de 8,1%.
“Caso este cenário se concretize, o forte crescimento chinês poderá sustentar uma maior demanda por commodities, dado que o país asiático possui 1,4 bilhão de habitantes e é responsável por 14%, 45% e 57% do consumo global de petróleo, soja e aço, respectivamente”, escrevem os analistas.
A comemoração dos 100 anos do Partido Comunista Chinês (PCC), em 2021, é outro fator que pode favorecer uma expansão na demanda por commodities, já que pode se refletir em mais investimentos em infraestrutura, ressaltam Araújo e Senday.
Outros fatores também podem impulsionar esta situação, aponta a XP Investimentos:
- os temores ligados ao aumento de inflação no mundo ao longo dos próximos anos, o que faz das commodities um instrumento de proteção (hedge);
- auxílios econômicos sem precedentes na economia global, que podem influenciar na elevação do consumo;
- o foco dado a energias limpas por parte do governo Biden, nos EUA, e pela União Europeia; e
- o baixo investimento na capacidade de produção de commodities nos últimos cinco anos.
Ao mesmo tempo, há fatores que podem inibir esta alta. Um deles é que a imunização da China está ocorrendo de forma mais lenta – até o dia 28, ela era de 3,65 doses por grupo de cem pessoas, contra 22,73 doses nos Estados Unidos, segundo o site Our World in Data, da Universidade de Oxford (Reino Unido). Outro fator que pode conter o avanço das commodities são eventuais mudanças na política monetária dos principais BCs mundiais, causadas por um retorno com força da inflação mundial.
O professor Alexandre Chaia, do Insper, atribui a alta no preço das commodities a um outro movimento: o mundo deve sair da pandemia mais integrado, com um retorno ao multilateralismo a níveis pré-pandemia. “Estamos voltando ao normal, com menos protecionismo. É um efeito da troca de presidente nos Estados Unidos. Biden valoriza mais órgãos como a Organização das Nações Unidas (ONU) e a Organização Mundial do Comércio (OMC).”
Ele acredita que esse movimento deve fortalecer o agronegócio brasileiro, que teve um avanço recorde em 2021. Segundo cálculos feitos pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada (Cepea), da Esalq/USP e da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA), o PIB setorial teve um avanço de 24,3% no ano passado. A atividade passou a representar 26,6% do PIB brasileiro.
Alta das commodities impacta na inflação
O consumidor já está sentindo os reflexos dessa alta nas commodities. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), a alimentação no domicílio ficou 19,42% mais cara nos doze meses encerrados em fevereiro.
Outro impacto é visto nos preços do atacado, que aumentaram 40,11% no mesmo período, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). Analistas apontam que pelo menos uma parte dessa alta deve chegar ao consumidor final.
“Mas não dá para transferir tudo, porque a indústria tem uma grande capacidade ociosa”, explica Celson Plácido, diretor de investimentos da Warren. Isso, segundo ele, pode contribuir para a fragilização de empresas e favorecer o movimento de fusões e aquisições.
Outro dificultador, segundo Rafaela Vitória, economista-chefe do banco Inter, está relacionada à capacidade ociosa no mercado de trabalho. A taxa de desemprego, medida pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), encerrou 2020 em 13,9%.
A expansão da soja
Uma das commodities agrícolas que mais subiu de preço foi a soja. O banco de investimentos Itaú BBA projeta que a oleaginosa tenha ficado 62% mais cara, em dólar, nos 12 meses encerrados em fevereiro. O impacto dessa alta foi repassado ao consumidor: no mesmo período, o preço do óleo de soja aumentou 87,59%.
Um conjunto de fatores explica esta pressão sobre a soja, explica o gerente da consultoria de agronegócio do banco, Guilherme Belloti Mello: o balanço de oferta e demanda bem apertado nos Estados Unidos; os problemas climáticos na Argentina; e a expectativa de um aumento não tão grande da safra brasileira.
Segundo a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab), neste ciclo (2020/21) devem ser produzidos 135,1 milhões de toneladas, 8,2% a mais do que no anterior.
“Os chineses aumentaram as compras dos Estados Unidos como parte da primeira fase do acordo comercial que pôs fim às tensões entre os dois países. E o rebanho suíno está sendo recomposto, com foco em uma criação mais industrializada, o que demanda mais ração”, explica Mello.
A expectativa é de que essa pressão altista na soja permaneça por alguns anos. Ele aponta que outros fatores que contribuem para esse cenário são o dólar mais fraco no mercado internacional, a maior liquidez internacional e a tendência, com a chegada de Joe Biden à Casa Branca, de um crescimento maior na demanda por biocombustíveis.
Segundo Mello, uma firme demanda pelos derivados de soja deve influenciar as cotações dos derivados do grão. “Especificamente no caso do óleo, as boas perspectivas para a utilização do derivado nos programas de biodiesel no mundo, atreladas aos indícios de baixos estoques de óleo de palma, devem dar o tom altista para o mercado”, informa o banco em relatório distribuído a clientes.
Um fator que pode impactar negativamente este cenário é o surgimento de novas cepas da peste suína africana na China, o que poderia atrasar o ritmo de recomposição do rebanho, exigindo menos soja.
Combustíveis em alta
Somente em 2021, a Petrobras já anunciou seis aumentos no preço da gasolina e cinco no diesel, levando à decisão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) a trocar o presidente da estatal. Em 12 meses, o gás de botijão ficou 15% mais caro; a gasolina, 9,05% e o óleo diesel, 4,64%, de acordo com o IBGE.
Segundo o banco de investimentos norte-americano Goldman Sachs, os preços da estatal ainda estão 8% abaixo dos internacionais, no caso do diesel, e 11%, no caso da gasolina.
Analistas do Bradesco apontam que os preços elevados no petróleo são explicados por cortes na produção. “A demanda segue em recuperação gradual, respondendo à reabertura das atividades no mundo e ao maior consumo de combustíveis, mas bastante aquém do nível pré-pandemia. Já a produção tem sido limitada de forma coordenada pelos grandes produtores da Opep e pela Rússia. Em especial, a Arábia Saudita tem sustentado cortes significativos de produção. O intuito é justamente manter preços em elevado patamar, enquanto a demanda vai se recuperando”, diz o texto.
Bom momento para o aço
Os insumos para o aço tiveram fortes aumentos em 2020. A sucata ficou 109% mais cara em 2020; a gusa, 83%; o ferro, 80%; e o níquel, 52%, segundo o Instituto Aço Brasil. A expectativa para 2021 é boa – para os fabricantes, mas não para quem compra deles.
Segundo os analistas Yuri Pereira e Thales Carmo, da XP Investimentos, o setor de aço no Brasil tem espaço para aumentos de preço devido ao dólar mais alto e aos preços internacionais saudáveis. A expectativa é de um aumento de 6% nas vendas em 2021.
“Temos expectativa de melhor demanda e um movimento de reabastecimento no setor automotivo. Esperamos alta de 40% nos preços do aço para montadoras em abril”, apontam os analistas.
Uma série de fatores explica o otimismo no setor. Segundo o presidente do Instituto Aço Brasil, Marco Polo de Mello Lopes, as commodities vinham de um cenário, nos últimos anos, de preços contidos. A pandemia gerou uma poupança forçada e, diante do avanço da vacinação na Ásia e no Hemisfério Norte, há perspectivas de aquecimento da demanda. Além disso, há políticas expansionistas no mundo, buscando estimular o consumo.
Outro estímulo vem dos setores que mais demandam aço, como a construção civil, a produção de bens de capital e o setor automotivo. Segundo Lopes, 82,2% da produção nacional de aço é canalizada para esses setores.
A demanda interna por bens industriais iniciou o ano com um avanço de 1,5% em janeiro, comparativamente ao mesmo período de 2020, aponta o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea). A Câmara Brasileira da Indústria da Construção Civil (CBIC) projeta um crescimento de 5% nas vendas e lançamentos neste ano. A produção de carros cresceu 0,2% no primeiro bimestre do ano, comparativamente a igual período de 2020 e a de caminhões, 24,9%, destaca a Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores.
“A siderurgia voltou, depois do pico da pandemia no ano passado, em um bom momento. Foi uma retomada muito forte”, diz Lopes. A fabricação de produtos de metal, exceto máquinas e equipamentos, teve um crescimento de 12,9% no primeiro mês do ano, comparativamente ao mesmo mês do ano passado, aponta o IBGE.
As expectativas do Instituto Aço Brasil para a siderurgia são ligeiramente mais otimistas do que as da XP Investimentos. A projeção da associação é de uma produção de 33 milhões de toneladas de aço bruto, 6,7% a mais do que em 2020.
Mas o executivo aponta uma série de condicionantes para a concretização da meta: a velocidade e o alcance da vacinação e o controle da pandemia de Covid-19. “Também são de extrema relevância para a retomada sustentada da economia a agilização das discussões para aprovação das reformas tributária e administrativa.”
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