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Bloqueios em rodovias

O que os caminhoneiros querem e o que o governo fará para encerrar a paralisação

Caminhoneiros participaram dos atos de 7 de Setembro em Brasília e na sequência promoveram bloqueios em várias partes do país. (Foto: Alan Santos/PR)

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Caminhoneiros que apoiam o presidente Jair Bolsonaro mantêm bloqueios em vários trechos de rodovias do país. Uma parte dos transportadores autônomos começou a liberar alguns pontos nas estradas, mas outros trechos ainda seguem ao menos parcialmente obstruídos pela paralisação de parte da categoria. Desde a noite de quarta-feira (8), o governo federal atua para desmobilizar os protestos, mas ainda sem amplo sucesso.

O ministro da Infraestrutura, Tarcísio de Freitas, enviou para líderes um áudio gravado por Bolsonaro, conforme antecipou a Gazeta do Povo, em que pedia a desmobilização dos caminhoneiros para evitar maiores danos à economia, como o aumento da inflação.

O apelo de Bolsonaro teve pouco efeito. A Gazeta do Povo conversou com caminhoneiros e acompanhou a troca de mensagens em um grupo de WhatsApp entre a noite de quarta e a manhã desta quinta-feira (9), e a maioria das lideranças indicou a continuidade dos protestos. O sentimento de muitos é de "traição". Entendem que o presidente da República convocou o povo às ruas e, agora, pede o fim das obstruções em vez de apoiar.

No que depender de lideranças da categoria que mantêm os bloqueios, o apelo de Bolsonaro terá pouco efeito. Segundo o caminhoneiro Manoel Ferreira, o "Alemão", a paralisação não é uma resposta única e exclusiva da categoria, mas da sociedade. "Estamos respondendo aos anseios da sociedade. Não existe previsão de encerrar", afirmou o líder à Gazeta.

Os bloqueios dos caminhoneiros, que começaram na terça-feira (7), afetava trechos de rodovias federais em 15 estados brasileiros, segundo informações do Ministério da Infraestrutura divulgados no início da manhã desta quinta. Mais tarde, a pasta afirmou que "às 11h, foram registrados pontos de concentração em rodovias federais de 14 estados, com interdições apenas na Bahia, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e Santa Catarina".

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Qual é a pauta dos caminhoneiros que mantêm os bloqueios

A paralisação dos caminhoneiros que obstruem trechos em rodovias tem como pauta central bandeiras pró-governo defendidas nas manifestações de 7 de Setembro, como a defesa da democracia e da liberdade de expressão, o voto impresso auditável e o impeachment de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Alguns defendem a saída de todos os 11 magistrados, outros limitam-se a pedir a saída dos ministros Alexandre de Moraes e Luís Roberto Barroso.

Mesmo com os apelos feitos por Bolsonaro e Tarcísio, o líder caminhoneiro Alemão diz que o clima de boa parte da categoria é manter os bloqueios. "O presidente fez o que tinha que fazer como presidente da República, respeito. Ele não pode apoiar movimento algum, é do povo, presidente não participa de movimento, nem pode. Mas não vamos arredar o pé daqui enquanto não atingirmos nosso objetivo", destacou.

A maioria dos líderes caminhoneiros com quem Alemão mantém contato mais próximo entende até que as obstruções devem continuar para pressionar Bolsonaro a dar "respostas" práticas ao STF, com ações, não apenas discursos.

"Os discursos que ele fez [no 7 de Setembro], na minha opinião, poderia ter feito na internet, em uma live. Os caminhoneiros estão esperando ação concreta contra os excessos do Alexandre de Moraes, que mandou prender o [caminhoneiro] Zé Trovão e outros conservadores, não só discurso", criticou uma liderança da categoria, que aceitou falar reservadamente.

Alemão evitou falar se Bolsonaro deve ou não propor uma "ação" contra os ministros, mas afirma que a categoria aguarda a abertura de impeachment contra Moraes. "A nossa reivindicação é o que o próprio presidente pediu que o Senado fizesse, que é o impeachment. Pediu isso e não foi atendido. Está dentro da Constituição o impeachment e nosso movimento, que está no artigo 1º da Constituição: todo o poder emana do povo", declarou.

O que o governo tem feito para desmobilizar os caminhoneiros

O governo notou que as tentativas de desmobilização da categoria na noite de quarta-feira não tiveram o retorno esperado e decidiu fortalecer as articulações na manhã desta quinta-feira.

O ministro Tarcísio de Freitas recebeu líderes e representantes dos caminhoneiros no Ministério da Infraestrutura (MInfra) para ouvir as pautas e explicar o posicionamento do governo na busca de uma solução para as obstruções.

Após a reunião no MInfra, que não tem previsão de término, alguns caminhoneiros serão recebidos no Palácio do Planalto por Bolsonaro. A Gazeta do Povo conseguiu rápido contato nesta manhã com o líder caminhoneiro Odilon Fonseca, que informou estar em uma reunião em andamento no ministério e, portanto, não poderia dar maiores detalhes.

A reunião entre caminhoneiros e Bolsonaro foi informada pelo MInfra à categoria e circula amplamente em grupos e entre caminhoneiros de todo o país. Parte deles acredita que, do encontro com o presidente da República, sairá uma orientação para que os transportadores autônomos desmobilizem o movimento.

O líder caminhoneiro Janderson Maçaneiro, o "Patrola", não participa da reunião no MInfra, mas explica que, no atual cenário, esse tipo de encontro prévio com Tarcísio antes de Bolsonaro é padrão.

"O Odilon é um cara bastante próximo, o Tarcísio chamou o pessoal para dar uma prévia do posicionamento do governo e, de lá, seguem para o Planalto para a visita com o Bolsonaro, até porque filtram tudo antes [na Infraestrutura], para não chegarem "crus" na reunião com o presidente. Já passei por essa situação, o governo quer entender antes qual é o pensamento deles", explicou.

Dessa reunião, Patrola acredita que sairá o pedido para o fim da paralisação. "Eu acredito que ainda hoje, até o início da tarde, nós tenhamos uma declaração do presidente pedindo o fim do movimento e, com isso, o fim dos piquetes no Brasil todo", avaliou.

Os caminhoneiros chegaram ao Planalto para a reunião com Bolsonaro ainda pela manhã e apresentaram a ele suas pautas: o impeachment de ministros do STF, o voto impresso auditável e a absolvição de "presos políticos" pelo ministro Alexandre de Moraes.

Como as obstruções podem provocar uma greve dos caminhoneiros

A categoria dos caminhoneiros é muito dividida. Portanto, na contramão dos líderes que apoiam a atual paralisação e prometem manter os bloqueios mesmo em caso de novo apelo de Bolsonaro, existem outros que desbloquearam rodovias a contragosto, a pedido do presidente, e há os que são contrários a obstruções.

Os líderes caminhoneiros que são contrários à paralisação justificam que o atual movimento não representa a pauta da categoria. "É uma pauta do agronegócio e do Bolsonaro que está usando a categoria como massa de manobra como força política deles. A gente não acreditava e não acredita que essa luta é patriótica. A prova disso é que o próprio governo já desmobiliza os caminhoneiros", diz Marcelo Paz, o "Marcelinho".

Líder na região da Baixa Santista (SP), Marcelinho entende até que a paralisação atual fortalece uma reunião que ocorrerá em 18 de setembro, em Brasília, com a participação de lideranças de todo o país. Dessa reunião, pode sair a deliberação de uma greve nacional dos caminhoneiros. "Essa reunião está mantida e esse movimento atual só fortaleceu mais, porque nosso intuito é juntar a categoria e apresentar uma pauta nossa. Não somos massa de manobra", destaca.

No sábado (11), a categoria se reúne no Recife, com a participação de líderes como Marconi França e Carlos Alberto Dahmer, o "Liti", do Sindicato dos Transportadores Autônomos de Carga (Sinditac) de Ijuí (RS). O encontro é apontado por Marcelinho como uma espécie de prévia da reunião de 18 de setembro, que deve discutir pautas como o piso mínimo de frete e a fiscalização efetiva em cima das transportadoras e embarcadoras que não cumprirem com as leis do piso e do Vale Pedágio.

O piso mínimo de frete e outra demanda da categoria – a revisão da política de preços da Petrobras – não são consensuais entre líderes, por isso, a ideia é discutir e esgotar todas as pautas para apresentar após a reunião de 18 de setembro uma agenda com consenso mínimo das lideranças.

Patrola é outro que participará da reunião de 18 de setembro. O líder concorda com as demandas pelo voto impresso auditável e cobra um STF "justo", mas entende que não cabe aos caminhoneiros bloquearem o país para reivindicar essas pautas. "Enquanto categoria, nós precisamos alinhar os pensamentos e evoluir no sentido de resolver nossos problemas, que são muitos", justificou.

O líder caminhoneiro, que atua na região portuária catarinense, entende que a categoria esteja sendo utilizada pelo agronegócio. A Associação Nacional dos Produtores de Soja (Aprosoja) é investigada dentro de um inquérito aberto pelo STF por suspeita de financiar os atos de 7 de setembro. "Nós estamos com uma situação bastante complicada, porque a paralisação não é de caminhoneiros. Nós temos aí um movimento político. Na terça, estive no piquete do posto Santa Rosa [em Itajaí (SC)] e não reconheci os caminhoneiros de lá. É uma coisa interessante. Moro numa cidade que tem 3 caminhoneiros e tinham 15, com cerca de 400 pessoas no piquete", diz.

Se persistir, paralisação dos caminhoneiros pode afetar a inflação

Caso os bloqueios persistam, algumas regiões podem começar a enfrentar problemas de abastecimento, inclusive de combustíveis. O que, se ocorrer, colocará ainda mais pressão sobre a inflação, que já se aproxima de 10% ao ano.

Na manhã desta quinta (9), o IBGE revelou que a inflação de agosto – de 0,87%, pela medição do IPCA – foi a mais alta para o mês em 21 anos. O índice veio acima do ponto médio das expectativas do mercado (0,71%) e levou a inflação acumulada em 12 meses para 9,68%, a maior variação desde fevereiro de 2016.

Com isso, o mercado deve continuar revisando para cima suas projeções para o IPCA, tanto em 2021 quanto em 2022. A expectativa para a inflação ao fim deste ano subiu nas últimas 22 semanas e no momento está em 7,58%. As previsões para o ano que vem sobem há sete semanas e chegaram a 3,98%.

Com mais inflação, a tendência é de novas altas na taxa básica de juros – ainda mais fortes que as anteriores. Também nesse caso, o mercado vem reajustando suas expectativas e pode promover novas elevações nas próximas semanas.

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