Heranças e vendas de imóveis poderão sofrer mudanças com a proposta da reforma tributária, que está em tramitação na Câmara de Deputados e que pode entrar em votação nesta quarta-feira (10). O relatório do grupo de trabalho apresentado na segunda-feira (8) sinaliza para mudanças no Imposto de Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD), de competência estadual, e Imposto sobre Transmissão de Bens Intervivos (ITBI), cobrado pelos municípios.
Os parlamentares que entregaram o documento incluíram um parágrafo que estabelece que grandes patrimônios serão tributados pela alíquota máxima do ITCMD. Conforme a redação, a definição de “grande patrimônio” será feita por lei específica dos estados ou Distrito Federal. Já a alíquota máxima do ITCMD é fixada pelo Senado Federal e desde 1992 está em 8%.
A mudança foi sugerida pelo grupo formado pelo relator, deputado Mauro Benevides Filho (PDT-CE), e que tem como integrantes os deputados Vitor Lippi (PSDB-SP), Pedro Campos (PSB-PE), Luiz Carlos Hauly (Pode-PR), Aureo Ribeiro (Solidariedade-RJ), Bruno Farias (Avante-MG) e Ivan Valente (PSOL-SP).
Campos considera que o relatório está “pronto” para ser submetido ao plenário da Câmara. Para Benevides, a matéria poderia ser votada até mesmo antes do substitutivo. “Pessoalmente, acho que será mais simples votar esse texto do que o outro texto da regulamentação da reforma”, disse o relator.
A intenção do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), é concluir a votação dos dois projetos de regulamentação da reforma tributária na Casa ainda antes do recesso legislativo, que começa no dia 18. A primeira proposta deve entrar em discussão no plenário a partir desta quarta-feira (10).
Deputados retomam imposto sobre previdência privada transmitida por herança
No relatório apresentado na segunda-feira, o grupo de trabalho decidiu ainda incluir no substitutivo a autorização a estados para a cobrança do ITCMD sobre aplicações em planos de previdência privada transmitidos por meio de herança. A ideia constava de uma versão preliminar do projeto elaborado pelo Ministério da Fazenda, mas foi retirada do texto após vazar para veículos de imprensa e repercutir negativamente.
A intenção era uniformizar nacionalmente a cobrança do ITCMD sobre a transferência de recursos aplicados em planos de previdência privada. Hoje, por serem considerados uma espécie de seguro, planos do tipo VGBL em geral não são taxados quando transferidos.
Já sobre a modalidade PGBL há regras diferentes dependendo do estado, e está sob análise do Supremo Tribunal Federal (STF) uma definição sobre a incidência do tributo nesse tipo de aplicação.
Segundo o texto, o ITCMD passará a incidir sobre “aportes financeiros capitalizados sob a forma de planos de previdência privada ou qualquer outra forma ou denominação de aplicação financeira ou investimento, seja qual for a modalidade de garantia”.
Ou seja, caso a versão dos parlamentares seja aprovada, tanto planos PGBL quanto VGBL poderão ser tributados. No caso dos contratos VGBL, no entanto, somente estarão sujeitos à taxação os que tenham prazo inferior a cinco anos, contados da data do aporte até a ocorrência do fato gerador (transmissão da herança).
“As pessoas, no último momento, vão lá, passam todo o patrimônio para o VGBL, não pagam imposto nenhum”, justificou Ivan Valente (PSOL-SP). “E a pessoa falece, é isso que acontece. Essa é a realidade, essa é a estampa do Brasil”, afirmou.
Ficam de fora os chamados contratos de risco, semelhantes a seguro de vida e nos quais a indenização paga aos beneficiários não tem relação com o valor aportado.
A parte constitucional da reforma tributária, estabelecida no fim do ano passado com a promulgação da Emenda Constitucional 132 já definiu que as alíquotas do ITCMD deverão ser progressivas e que o local de recolhimento do tributo passará a ser no domicílio do doador.
A tributarista Bianca Xavier, professora da FGV Direito Rio, considera um avanço o fato de haver a partir de agora uma lei geral que regula o imposto em todo o país. “Desde a Constituição de 1988 até hoje a gente não tinha uma lei complementar, então cada estado criou suas regras, o que acaba gerando muito conflito”, explica.
Municípios terão opção de antecipar cobrança do ITBI
Outra mudança introduzida pelo relatório em relação à proposta original do governo é a possibilidade de municípios anteciparem o momento de incidência do ITBI, cobrado nas transações envolvendo imóveis.
O texto do Ministério da Fazenda estabelecia que o imposto deveria incidir quando fosse celebrado o contrato ou lavrada a escritura pública de compra e venda do imóvel, não mais no momento do registro da operação no cartório de imóveis, como ocorre hoje.
O texto do grupo de trabalho torna a antecipação da cobrança do ITBI opcional. Conforme o relatório, “o imposto pode ser exigido a partir da formalização do respectivo título aquisitivo translativo”. Segundo Mauro Benevides Filho (PDT-CE), a intenção foi dar uma “robustez legal” a uma prática já adotada por algumas prefeituras.
“Vários municípios já estão fazendo assim: alíquota menor na compra e venda, e alíquota maior no registro. Porque tem muita gente que está colocando contrato de gaveta, então é uma maneira de se coibir isso”, explicou.
PSOL pretende apresentar emenda para instituir Imposto sobre Grandes Fortunas
A bancada do PSOL na Câmara dos Deputados vai aproveitar a discussão de uma das propostas de regulamentação da reforma tributária para apresentar uma emenda visando instituir o Imposto sobre Grandes Fortunas (IGF).
A decisão foi anunciada pelo deputado Ivan Valente (PSOL-SP), um dos integrantes do grupo de trabalho que analisou o projeto de lei complementar (PLP) 108/2024, que trata principalmente do funcionamento do Comitê Gestor do Imposto de Bens e Serviços (IBS).
“Como nós abrimos a brecha para o patrimônio, quero dizer que na Constituição Federal do Brasil, aprovada em 1988, é constitucional cobrar um imposto sobre grandes fortunas. Está lá”, destacou o deputado do PSOL durante a entrevista coletiva de apresentação do relatório.
“Não está no relatório, mas já avisei que nós vamos entrar com uma emenda de plenário”, prosseguiu. “Nós não precisamos esperar [a reforma do imposto de] renda depois para discutir uma questão que, como a reforma tributária, está no fundo da gaveta. Só que nós estamos tirando a reforma tributária do fundo da gaveta, então a hora é agora”, afirmou.
A ideia, segundo ele, é levantar o debate sobre o IGF “pelo menos para a sociedade”. “Não sei se nós vamos conseguir as assinaturas e nem se nós temos correlação de forças para passar, mas o nosso partido vai apresentar [a emenda]”, assegurou.
A criação de um tributo sobre patrimônios vultosos está, de fato, prevista na Constituição, no artigo 153. Diz o inciso VII que “compete à União instituir imposto sobre grandes fortunas, nos termos de lei complementar”.
Em 2019, o mesmo PSOL protocolou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão (ADO), na qual alega que o IGF é uma aplicação dos objetivos fundamentais da República de “construir uma sociedade livre, justa e solidária” e de “erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais”. A ação recebeu voto favorável do então ministro Marco Aurélio Mello, mas o julgamento, iniciado em 2021, foi suspenso por um pedido de destaque de Gilmar Mendes.
Desde 1989, constam na base da Câmara dos Deputados 78 propostas de instituição do IGF, enquanto outras 21 estão paradas no Senado. A ideia de taxar super-ricos também tem ressonância no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT), cujo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, tem atuado como porta-voz internacional de um modelo global de taxação de bilionários.
Para a tributarista Bianca Xavier, da FGV Direito Rio, a ideia de se tributar grandes fortunas, no entanto, pode afugentar capital do país. “Há exemplos de países que fizeram isso, mas não adianta apenas copiar um modelo, porque os países são diferentes”, diz.
Ela lembra que, após a reforma do sistema de impostos sobre consumo, há intenção do governo de alterar a tributação sobre renda e sobre a folha de pagamento. “Hoje se tributa muito o consumo e pouco a renda. Se a gente fizer uma reforma do imposto de renda de forma inteligente, nem precisaria do imposto sobre grandes fortunas”, avalia.
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