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Depois da febre das criptomoedas, a grande sensação nos mercados baseados em blockchain são os NFTs – talvez você tenha ouvido falar deles nas últimas semanas. Sigla em inglês para token não fungível, o NFT é uma espécie de certificado de propriedade de um bem digital. Ou seja, graças à tecnologia da blockchain – sistema de registro descentralizado de transações de criptoativos – agora qualquer produto virtual pode se tornar propriedade de uma única pessoa.
Fica mais fácil de entender quando se compara ao universo físico. “Fungível” é um bem que pode ser substituído por outro de mesma espécie, qualidade, quantidade ou valor. O melhor exemplo é o dinheiro: uma cédula de R$ 10 tem o mesmo valor e pode ser trocada por duas de R$ 5.
Um bem “não fungível”, por outro lado, não admite substituição por ter valor único. “Pegue a Monalisa, de Leonardo Da Vinci, como exemplo de um objeto físico. Uma cópia da arte pode ser idêntica, mas não é a mesma obra. Por isso o quadro tem valor inestimável”, explica Vinicius Chagas, analista educacional da Blockchain Academy. “Nos NFTs, esse conceito de não fungibilidade passa a ser aplicado a produtos digitais.”
Isso vale para qualquer produto mesmo, seja imagem, música, vídeo, texto, GIF ou meme. Não significa que o detentor do NFT de uma foto tenha necessariamente o direito de cobrar pela reprodução da imagem – ele apenas é a única pessoa que pode se dizer proprietária do conteúdo original. Essa informação fica registrada em uma blockchain, o que a torna verificável em qualquer outro lugar do mundo.
“Se eu te mando um e-mail com uma foto anexada, eu continuo com a foto no meu computador, uma cópia fica no servidor do e-mail, você pode salvar uma cópia no seu computador e pode replicá-la infinitamente. A blockchain surge para individualizar um ativo digital. Quando eu transfiro para você um bitcoin, por exemplo, ele deixa de ser meu e passa a ser sua propriedade. O conceito é o mesmo para um produto digital”.
Embora soem novidade, os NFTs surgiram em 2014, e começaram a ter destaque em 2017, com projetos com o dos CryptoPunks, imagens digitais de 10 mil personagens colecionáveis vendidos sob a forma de tokens.
Esse mercado ganhou o “mainstream” no início de 2021, especialmente depois que uma obra de arte totalmente digital foi vendida, no dia 11 de março, por US$ 69,3 milhões (cerca de R$ 367 milhões) por meio da tecnologia. Intitulada “Everydays: The First 5,000 Days”, a obra é um compilado de ilustrações lançadas diariamente pelo artista norte-americano Mike Winkelmann, conhecido como Beeple, ao longo de quase 14 anos.
Algumas semanas antes, em 19 de fevereiro, uma edição do vídeo viral Nyan Cat havia sido leiloado por US$ 590 mil (R$ 3,1 milhões) pelo criador da animação, Chris Torres. Em seu perfil no Twitter, Torres disse que acabava de “abrir as portas para o futuro da economia dos memes no universo Crypto” e que esperava “inspirar artistas a entrar no universo #NFT para que possam [pudessem] obter o devido reconhecimento por seu trabalho”.
As buscas por NFT dispararam no Google a partir de meados de fevereiro e mantêm-se em alta desde então. No dia 22 de março, o CEO do Twitter, Jack Dorsey, entrou na onda e vendeu na forma de NFT seu primeiro tweet, publicado 15 anos atrás. O direito de propriedade sobre a sequência de 20 caracteres custou ao comprador US$ 2,9 milhões (R$ 15,4 milhões).
No fim de abril, a imagem de um meme conhecido como “Disaster Girl”, que mostra uma menina sorrindo para a câmera diante de uma casa em chamas, foi vendida por quase US$ 500 mil (quase R$ 2,7 milhões) pela própria protagonista da foto, Zoe Roth.
A moda chegou à cerimônia de entrega do Oscar 2021, quando o kit de brindes entregue aos indicados para as categorias de melhor ator, atriz e diretor incluiu um NFT de uma escultura digital do rosto do ator Chadwick Boseman, indicado ao prêmio após sua morte.
Ainda em abril, a Binance, maior bolsa de criptomoedas do mundo, anunciou que vai lançar um marketplace de NFTs até junho. E, em 11 de maio, a plataforma de comércio digital eBay anunciou a abertura de um espaço para compra e venda dos colecionáveis digitais.
“Da mesma forma que a publicação digital trouxe mais exposição para os escritores, os colecionáveis digitais trazem maiores oportunidades para artistas e criadores. Pretendemos dobrar essa ideia – combinando o alcance global do eBay com o princípio de que qualquer um pode encontrar quase tudo em nossa plataforma”, declarou em um comunicado o vice-presidente e gerente geral do eBay, Jordan Sweetnam.
Há uma bolha em formação?
O maior volume de transações de tokens não fungíveis tem ocorrido na Ethereum, uma blockchain que permite a programação de quaisquer tipos de aplicações. A disparada na quantidade e no valor das transações de NFTs logo chamou a atenção do mercado.
A movimentação na rede fez com que o ether, criptomoeda nativa do Ethereum, valorizasse quase 600% em 2021, até a imposição de restrições a criptoativos pela China na última semana, quando se retraiu mais de 30% em dois dias.
O fluxo de transações de NFTs seguiu um padrão típico de formação de bolha. E, de fato, depois da disparada dos primeiros meses de 2021, o número de vendas semanais dos tokens caiu de 48 mil no início de março, pico das negociações, para pouco mais de 12 mil em meados de maio, segundo o site NonFungible, que monitora o mercado global de tokens não fungíveis.
Para Chagas, no entanto, a essência do que caracteriza os NFTs não permite classificar o comportamento como o de formação e estouro de bolha, como ocorreu com diversas criptomoedas nos idos de 2017. Ele destaca que, ainda comparando a bens físicos não fungíveis, quem adquire uma obra de arte não tem interesse especulativo.
O argumento é que, diferentemente do que ocorreu com o mercado de tulipas no século 17 e de ações de empresas ponto com nos anos 2000, por exemplo, a escassez é a essência do que caracteriza cada NFT, uma vez que cada produto é único.
“Comprar NFT é ter um ativo individual exclusivo. Se alguém adquiriu NFTs visando somente revendê-los para ter retorno financeiro, está cometendo um erro”, argumenta o analista da Blockchain Academy. “Existe um apelo emocional na aquisição. Para mim, a arte que foi vendida por US$ 69 milhões pode não valer, mas para outras pessoas, não tem preço.”
Bernardo Quintão, head de inovação do Mercado Bitcoin, concorda. “É normal, no começo de um mercado, a gente ver oscilações tanto para cima, no momento em que muita gente vê potencial, quanto para baixo, de fim de euforia, até que você tem uma nova alta quando um desenvolvimento da tecnologia.” Ambos avaliam que a novidade que os NFTs trazem não é uma nova alternativa de investimento, apenas um novo mercado.
Mais do que colecionáveis, a tecnologia já tem sido utilizada para registro de ingressos para shows e eventos, por exemplo. Com um NFT, é possível garantir de forma mais segura a autenticidade e a propriedade de um bilhete digital. “Depois que passa a onda, o que fica é o avanço tecnológico. Vejo oportunidades incríveis”, diz Chagas.
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