O Ministério da Economia deve lançar um piloto do programa batizado de Bônus de Inclusão Produtiva (BIP), cujo objetivo é qualificar e incluir jovens "nem-nem" – aqueles que não estudam nem trabalham – no mercado de trabalho formal.
Com foco na geração de empregos alinhada à qualificação profissional, sob um modelo de estágio técnico, a União bancaria uma “bolsa” de até R$ 300 por jovem. O valor seria complementado pela empresa que o contratasse, também responsável por qualificá-lo por meio de cursos, no que deve ser chamado de Bolsa de Incentivo à Qualificação (BIQ).
O programa social foi citado pelo ministro Paulo Guedes em declarações nas últimas semanas. Embora não haja previsão oficial para o seu lançamento, fontes especulam que possa sair do papel em agosto, até quando deve ser pago o auxílio emergencial. Na perspectiva do titular da Economia, o jovem é "vítima" de uma legislação trabalhista "obsoleta".
Nos bastidores, interlocutores falam em um custo de até R$ 6 bilhões aos cofres públicos. Para não esbarrar na regra do teto de gastos, o BIP deve ser financiado por crédito extraordinário – obtido por meio de endividamento público – ou então por um remanejamento de recursos na pasta.
"Da mesma forma que se dá R$ 200 para uma pessoa que está inabilitada de receber o Bolsa Família, por que não poderia dar R$ 200 ou R$ 300 para um jovem 'nem-nem'? Ele nem é estudante nem tem emprego. Ou seja, é um dos invisíveis", afirmou o ministro ao "Globo", em referência ao programa, embora não haja, até o momento, confirmação da faixa-etária alvo do BIP.
Sabe-se, pelos dados da última Pnad Contínua, do IBGE, que ao menos 22,1% dos jovens brasileiros entre 15 e 29 anos fazem parte do grupo "nem-nem". A expectativa é que pelo menos 2 milhões de pessoas sejam contempladas.
A ideia do governo é usar o programa como um canal para reduzir encargos trabalhistas e vinculá-lo, futuramente, à chamada Carteira Verde e Amarela. "Vamos começar com o BIP e depois evoluir para a Carteira Verde e Amarela", disse Guedes em entrevista.
O programa Carteira Verde e Amarela chegou a ser criado por medida provisória em novembro de 2019, mas ela não foi votada pelo Congresso Nacional e acabou revogada pelo presidente Jair Bolsonaro em abril de 2020. A iniciativa, que o ministro da Economia ainda quer relançar, flexibilizava a legislação trabalhista – com desoneração da folha de pagamentos, por exemplo – para facilitar a contratação de jovens.
"Agora, esse jovem vai ter que bater ponto e vai ser treinado para o mercado de trabalho. Ele vai ser servente de pedreiro, mecânico... É uma oportunidade. Ele é a vítima da nossa legislação trabalhista. Quando você bota lá o salário mínimo, um rapaz filho de uma classe média, que estudou em uma boa universidade, fala duas línguas, ele consegue emprego com salário mínimo", disse Guedes ao jornal "O Globo" no início do mês.
Porém, segundo Daniel Duque, estudante de PhD da Norwegian School of Economics (NHH) e pesquisador do Instituto Brasileiro de Economia (Ibre/FGV), evidências internacionais revelam que políticas de trabalho como a qualificação profissional somada a subsídio salarial costumam ter pouco efeito e não compensam o custo de oportunidade.
"Políticas de nudge (incentivos localizados, como mensagens de texto de oportunidades de emprego, etc…), ou algo mais macro, com reformulação global da legislação trabalhista, seriam mais eficientes em gerar empregos, enquanto que um aumento do Bolsa Família poderia ter efeitos melhores de redução de pobreza", avalia.
Um outro entrave apontado pelo especialista para que o programa prospere é a escassez de recursos. "O Orçamento federal está já quase inexequível de tantos cortes em gastos discricionários. Não acredito que o programa se caracterize como algo que poderia ser aprovado com crédito extraordinário, mas não surpreenderia se acabasse passando no Congresso, tendo em vista as demasiadas flexibilizações do teto já aprovadas", afirma.
Financiamento e novo formato de contratação
O Ministério da Economia estuda uma solução legal para empregar os jovens "nem-nem", público que não se enquadraria em nenhuma modalidade de contratação simplificada, a exemplo do programa "jovem aprendiz". A equipe econômica não descarta a criação de um novo formato de contratação.
"A fim de que isso funcione, além do engajamento das empresas, é imprescindível que a política pública seja bem desenhada, com envolvimento das áreas que cuidam da parte de formação. Se for algo apenas para explorar mão de obra barata, não vamos construir nada de positivo. Trará resultados positivos e efetivos se agregar formação e qualificação profissional", avalia Claudia Costin, mestre em Economia Aplicada à Administração pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo (Eaesp) e diretora do Centro de Excelência e Inovação em Políticas Educacionais da Fundação Getulio Vargas (FGV).
Procurado, o Ministério da Economia afirmou apenas que a proposta ainda segue em estudo na Secretaria Especial de Previdência e Trabalho, sem dar maiores detalhes sobre o programa.
Inicialmente, o bônus foi entendido como uma "ferramenta de sobrevivência" e substituto do auxílio emergencial, ajuda financeira direcionada a milhões de pessoas afetadas pela pandemia e classificadas pelo governo como "invisíveis". Secretário especial de Previdência e Trabalho, Bruno Bianco Leal havia afirmado, em entrevista coletiva, tratar-se de uma proposta para "tutelar" os cerca de 40 milhões de trabalhadores informais, de modo geral.
"Estamos elaborando uma proteção específica para trabalhadores informais, um busca de maior formalização, de um novo contrato de trabalho que se adeque ao pós-pandemia e às novas maneiras de trabalho", disse Leal. Mais tarde, porém, o próprio titular da Economia afirmou que o programa seria focalizado no público jovem.
Jovens "nem-nem"
Dados da Pnad Contínua edição 2019 mostraram que 7,2% das pessoas entre 15 a 17 anos de idade – em idade escolar considerada "obrigatória" – não estudavam nem trabalham ou se qualificavam. O número sobe para 22,1% quando considerados os jovens entre 15 e 29 anos. Não se sabe exatamente qual a idade do público que será alvo do BIP.
Segundo a Pnad, a faixa etária com maior índice (26,5%) de pessoas nessa situação "nem-nem", na análise de 2019, é o grupo entre 18 a 24 anos. Quanto às pessoas que tinham entre 25 e 29 na época do levantamento, pelo menos 24,9% podiam ser consideradas "nem-nem".
Apesar de considerado ocioso, o grupo – ou ao menos parte dele – pode estar desenvolvendo atividades informais e trabalhos de cuidado doméstico e familiar, principalmente as mulheres. Segundo o IBGE, estados do Nordeste têm maior proporção de jovens nessa situação.
Na América do Sul, o Brasil ainda é o país que mais tem jovens que não estudam nem têm ocupação. Embora o número tenha reduzido desde 2018, analistas apontam para uma piora do indicador, com os reflexos deixados pela pandemia.
Segundo Claudia Costin, um dos fatores "responsáveis" pela população "nem-nem" é a rápida e crescente automatização do mercado de trabalho. "Estamos em tempos de quarta revolução industrial, em que o trabalho, embora demande competências intelectuais, tem sido feito por inteligência artificial. Esse é o trabalho que um iniciante faria, por exemplo", diz.
Outro ponto citado pela especialista é o fato de que iniciativas dessa natureza são políticas não apenas de juventude como também de segurança pública. Ela lembra que a "juventude que não encontra trabalho e não estuda tende a alimentar a criminalidade".
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