Imagine que lhe sobraram algumas horas num sábado e você deve escolher entre duas atividades domésticas: ir ao supermercado fazer a compra do mês ou planejar as férias de verão. Se você não fizer as compras, sabe que terá de sair diversas vezes depois, fazer pequenas compras em padarias e lojas de conveniência, gastar mais tempo e dinheiro, mais deslocamentos etc. Planejar as férias seria algo que você poderia fazer em outro momento, afinal, ainda restam meses para a viagem e isso pode ser feito em horários alternativos. Se mesmo assim você escolheu planejar a viagem, não se culpe: você é humano e agiu como a grande maioria.
Assim funcionam as pessoas. Mais do que compreender, é fundamental aceitar e aprender a lidar com isso. Diante de uma escolha ou priorização, as pessoas escolhem o que é melhor para elas. Os economistas bem sabem que o termo "utilidade" significa o valor de algo para um indivíduo específico.
Pois bem, seria ótimo que as pessoas na sua empresa sempre optassem pelo que é melhor para o crescimento sustentável da empresa (especialistas até tentam alinhar os incentivos do indivíduo com os objetivos da companhia), mas a grande falha é que os programas de incentivo geralmente partem do princípio que o valor para a pessoa está no dinheiro. As pessoas vão muito além disso. Afinal, você iria ao supermercado ou planejaria as férias?
Diante de uma escolha, as pessoas elegem a que tem mais utilidade para elas e existem muitas variáveis que influenciam a decisão: recompensa financeira direta, recompensa financeira de longo prazo (aqui terminariam os programas de incentivo), esforço intelectual, esforço físico, aptidão, relações pessoais envolvidas, desafio, reconhecimento pessoal, prazer imediato e de longo prazo. Para complicar um pouco mais, todos estes estímulos têm pesos diferentes de pessoa para pessoa. É isso que nos torna maravilhosamente complexos.
Fato é que todo trabalho intelectual é, em sua essência, voluntário. Quanto mais você precisa de pro-atividade, de criatividade e de superação, mais você depende da benevolência das pessoas. Elas querem, elas fazem. Elas não querem... Um programador pode te dar 15 diferentes justificativas para dizer que não é possível fazer o que está sendo pedido no prazo estipulado. E o pior é que todas elas serão plausíveis, coerentes e tecnicamente corretas. Muitas vezes o real motivo é: eu não quero. A diferença entre fazer o básico necessário para o trabalho e fazer algo diferenciado, em diversas funções na empresa, é gigantesca. E toda essa diferença parte da vontade pessoal de cada um.
Então nos perguntamos: qual o sentido de sistemas de ponto ou controle de horas para equipes de onde o que se deseja é o produto intelectual do trabalho? Como remunerar a ideia que alguém tem no banho? Como descontar o tempo que a pessoa fica no Facebook? Estas questões não existem.
Colocar um sistema de ponto para uma equipe intelectual significa transmitir a seguinte mensagem: eu só quero que pense na empresa do momento em que registrou a entrada até o momento em que você registrou a saída. Essas são as equipes que farão a diferença? O pensamento não tem fronteiras, não tem hora para começar, não tem hora para terminar.
Inserida toda a complexidade, como resolvê-la? Não é fácil. Não há fórmula pronta. Se houvesse, empresas com programas de incentivos bem desenhados teriam desempenho igual. Líderes não seriam tão valorizados.
A empresa é feita por pessoas e assim elas devem ser reconhecidas. Há que se entender as pessoas e a importância de cada uma de suas motivações. As pessoas têm que ter prazer no trabalho, elas podem e devem se relacionar com outras de quem gostam. Elas devem ser alocadas às funções que se adequam às suas motivações.
Qual a melhor forma de fazer isso? Pergunte a elas. Se por um lado é muito fácil fazer o mínimo num trabalho intelectual, não existem limites para o máximo. Nesse sentido, para as pessoas que querem, toda a remuneração é simbólica.
Por Bernardo Lustosa, vice-presidente da ClearSale.Leia mais sobre empreendedorismo no site da Endeavor